O Ministério Público do Rio Grande do Sul, a Polícia Federal e a prefeitura de Pelotas, no sul do Estado, investigam supostas irregularidades em resultados de exames de pré-câncer realizados por laboratório no município. Médicos e enfermeiros da Unidade Básica de Saúde (UBS) Bom Jesus denunciaram o laboratório responsável pela execução dos exames, que, segundo os profissionais, pode não estar analisando todos os exames feitos pelo SUS.
Na manhã desta sexta-feira (2o), promotores, policiais e agentes do Instituto-Geral de Perícias (IGP) estiveram na sede do Serviço Especializado de Ginecologia de Pelotas (SEG), responsável pelos exames, e recolheram 17 caixas de documentos, incluindo os laudos de 17 mil exames guardados pelo laboratório desde 2017.
Em nove tópicos, entenda a polêmica:
1. Qual a suspeita?
Todos os exames preventivos de pré-câncer do colo do útero feitos a partir de 2014 na Unidade Básica de Saúde (UBS) Bom Jesus, de Pelotas, tiveram resultado negativo conforme laudo do laboratório Serviço Especializado de Ginecologia (SEG), de Pelotas. Ou seja, oficialmente não foi detectado câncer em nenhuma paciente, o que levantou suspeitas de que a análise dos exames pudesse ter sido feita por amostragem, e não em sua totalidade.
2. Foi constatada alguma irregularidade?
Até o momento, não. A suspeita, divulgada anonimamente, de que o SEG faria exames por amostragem — cinco em cada 500 — ainda não se confirmou. O laboratório tem 41 mil amostras anexadas a laudos.
3. Já é possível dizer se houve fraudes nos exames?
Ainda não. É necessário esclarecer se pacientes com resultado de exame negativo para a doença foram diagnosticadas depois com câncer de colo do útero. Todos os exames da rede pública no país são registrados no Sistema de Informação do Câncer (Siscam), do Ministério da Saúde. Uma questão a ser apurada é a maneira como as informações são lançadas. Quando uma lâmina com material coletado é analisada em microscópio e aparece uma infecção ou inflamação, impedindo que sejam detectadas células cancerígenas, a conclusão do exame é "negativo para malignidade". Isso pode dar a entender que a paciente não tem câncer, mas, na realidade, não foi possível fazer este tipo de avaliação.
4. Quantas pessoas podem ser afetadas?
O SEG presta serviços para a rede pública de saúde de 10 municípios da Região Sul — Pelotas, Amaral Ferrador, Arroio Grande, Cerrito, Chuí, Herval, Morro Redondo, Piratini, São José do Norte e Turuçu, com população estimada em 448 mil habitantes, segundo dados de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O laboratório tem capacidade máxima para realizar até 1,5 mil exames por mês.
5. Quem contratou o laboratório?
O SEG presta serviços há mais de quatro décadas para o sistema público de saúde. Em 2000, com a municipalização da saúde, o laboratório seguiu com o trabalho. Em 2013, quando o Ministério da Saúde habilitou laboratórios de citopalogia, foi o único interessado em se credenciar para atender as prefeituras dos 10 municípios da região. Recebe entre R$ 6,94 e R$ 7,30 por exame.
6. Como fica o serviço?
Prefeituras estão em busca de um novo laboratório para contratar por meio de uma licitação. Em Pelotas, o processo foi aberto no ano passado. Apenas nos postos de saúde da cidade existem 100 coletas aguardando o envio. Elas têm validade de até 15 dias.
7. Como será feita a investigação?
O Ministério Público, por meio da Promotoria dos Direitos dos Idosos, Deficientes Físicos e Mentais e da Saúde Pública, de Pelotas, abriu um expediente de investigação. A Polícia Federal (PF) entrou no caso porque verbas da saúde têm origem na União. A prefeitura de Pelotas instaurou uma sindicância e a Câmara de Vereadores aprovou abertura de uma CPI. Está prevista a contratação emergencial de um laboratório especializado em Porto Alegre para refazer exames cujas lâminas e laudos foram recolhidos no SEG.
8. Quem será ouvido?
Deverão ser ouvidos médicos e profissionais de saúde da rede municipal, pacientes e parentes de vítimas de câncer de colo de útero e os responsáveis pelo laboratório
9. Quando se deve ter um resultado sobre a investigação?
Não há prazo definido. A PF aguarda informações da prefeitura de Pelotas sobre repasse de verbas do Ministério da Saúde para os próximos dias. O MP está de posse de três livros de registros da UBS Bom Jesus e aguardará resultado de exames que serão refeitos.