O Rio Grande é uma terra peculiar, onde não falta chuva, mas sofre-se periódica e amargamente com estiagens como a que assola a Campanha e a região Sul neste verão.
A razão, afirmam os especialistas, é a falta de previdência, de planejamento, de investimento. Todos sabem que, de tempos em tempos, em decorrência do padrão climatológico ao qual o Estado se sujeita, virão períodos secos, de escassa precipitação, especialmente na Metade Sul. Apesar disso, pouco se faz com o objetivo de armazenar, para esses momentos críticos, a água abundante que cai no resto do ano. O resultado é o que se vê nestes dias em dezenas de municípios gaúchos: lavouras perdidas, animais padecendo de sede, populações com torneiras secas.
— Como meteorologista, se disser que não tem água suficiente ao longo do ano, estou mentindo. Tem muita água ao longo do ano. O que não tem é armazenamento — afirma Flávio Varone, da Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Irrigação.
Lino Moura, diretor-técnico da Emater, lembra que, tirando as lavouras de arroz, há no Rio Grande do Sul 6,5 milhões de hectares cultivados durante o verão. Desse total, apenas 300 mil hectares – menos de 5% – contam com estrutura de irrigação.
— É claramente uma questão cultural. A estiagem ocorre de tempos em tempos, mas o gaúcho não se prepara, não se interessa em fazer projetos, não faz reserva de água. Quando chega a estiagem, está todo mundo despreparado. Não tem cabimento. Recebemos 1,5 mil, 1,6 mil milímetros de água por ano, que é uma quantidade muito além de qualquer necessidade. Era só guardar. No sul da Espanha, por exemplo, eles têm 400 milímetros de chuva no ano e não perdem nada da produção — compara.
Se disser que não tem água suficiente ao longo do ano, estou mentindo. Tem muita água ao longo do ano. O que não tem é armazenamento.
FLÁVIO VARONE
Meteorologista
Moura entende que, enquanto não houver essa discussão, o PIB gaúcho vai continuar a sofrer baques violentos a cada quatro ou cinco anos. Ele sugere que os produtores invistam em algum sistema par armazenar a água – como açudes – e distribuí-la pela plantação. Ressalta que existem linhas de financiamento de até 15 anos para esse tipo de melhoramento e programas que subsidiam parte do custo.
— Não é oneroso, porque se paga. O agricultor perde é por não fazer. Como não tem essa segurança, já faz uma lavoura meia boca, com semente pior, com menos fertilizante, com plantio fora do período — diz ele.
Coordenador técnico da Federação das Associações de Municípios (Famurs), Mário Augusto Ribas do Nascimento também entende que a estrutura de reservatórios e redes de abastecimento é insuficiente – nas áreas rurais e urbanas. A entidade tem pleiteado junto ao governo ações preventivas e políticas de seguro agrícola para proteger os produtores. Nascimento queixa-se da morosidade dos projetos em andamento:
— Há investimentos previstos há 10 anos que só agora estão andando e obras que se arrastam, por causa da burocracia. É preciso dar celeridade.
Crescimento das cidades deve agravar problema
Gilberto Diniz, do Centro de Pesquisas e Previsões Meteorológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), critica a falta de planejamento do poder público. As estiagens sempre vêm e continuarão a vir, observa, mas seus efeitos, que tendem a se agravar na medida em que as cidades crescem, são perfeitamente contornáveis. Ele cita como exemplo de iniciativa nessa área a transposição do Rio São Francisco, no Nordeste.
— Fui lá, vi a transposição.
E é uma situação diferente daqui, porque aqui chove bem. É só uma questão de ter fontes alternativas de abastecimento de água, porque aumentar a chuva não tem como. Tem de fazer planejamento, fazer barragem para recolher a chuva, mas as cidades crescem e os governos não planejam.
A população também não se conscientiza para recolher a água. No Rio Grande do Sul, num mês normal, a pessoa pode recolher 80 litros de água da chuva.