O Estado amanheceu sob a ameaça de temporal nesta segunda-feira (19). A chuva é ansiosamente aguardada na Metade Sul, que sofre desde o final do ano passado com a estiagem. “Que Deus mande a chuva que precisamos”, escreveu o membro de um grupo de moradores de Bagé no Facebook ao compartilhar o alerta de tempo severo da Defesa Civil.
A enxurrada não chegou na Campanha. Até as 21h desta segunda-feira, havia ocorrido apenas dois momentos de chuvisco, que sequer molharam a roupa de quem estava na rua, que dirá irrigar o solo ressecado.
Bagé está em situação de emergência desde 1º de fevereiro. A prefeitura adotou sistema de racionamento quatro dias depois, forçando a população a adotar estratégias para viver com água nas torneiras somente 12 horas por dia.
Francieli Andrade, 32 anos, é dona de uma padaria no bairro São Martins, que é abastecida somente entre 3h e 15h, assim como toda a zona oeste da cidade – a leste recebe água no período inverso. Como precisa de vapor para assar os pães, teve de antecipar a última fornada para as 14h, antes que a torneira seque.
— Perdi clientes que buscavam cacetinho quentinho no final da tarde e tive de reduzir de 600 para 400 a média de pãezinhos — conta a empreendedora.
Ela acrescenta que foi atrás de uma caixa d’água assim que o racionamento foi confirmado. Porém, os equipamentos haviam acabado na cidade. A encomenda chegou há 10 dias, mas até agora não conseguiu mão de obra para instalar.
A padeira ainda corrobora a chuva de reclamações de moradores nas redes sociais, como a cor, o cheiro e o gosto da água. Com receio, muitos investem em água mineral. O Departamento de Água e Esgotos de Bagé (Daeb) garante que a água é própria para o consumo. Quanto à cor, afirma que “a pressão da água carrega os resíduos de manganês presentes na tubulação, o que faz a coloração alterar momentaneamente. Já o odor e sabor da água, nesta época do ano, pode ser alterada pela presença de algas nas barragens, fenômeno idêntico ao que está ocorrendo na região metropolitana de Porto Alegre”.
Morador da zona rural, o aposentado Luiz Fernando Batista, 65 anos, não sofre com o racionamento, pois tem caixas d’água com capacidade para 3 mil metros cúbicos e poços.
Suas ovelhas é que estão sendo castigadas, devido à redução das pastagens, assim como as mais de 30 árvores frutíferas cultivadas para consumo da família. Frutos como laranja, bergamota e araçá pararam de crescer e secaram, tendo sido perdidos quase na totalidade. Sem falar no açude, que, de 70 mil litros, agora tem cerca de 2 mil. Diante da represa esvaziada, o aposentado chega a uma conclusão:
— Bagé depende de chuva para viver, infelizmente.
Solução passa por barragem
A solução para o problema da Rainha da Campanha tem nome, mas não tem data. Chama-se Barragem de Arvorezinha e há 10 anos virou projeto. Trata-se de um reservatório com capacidade para 18 milhões de metros cúbicos, o suficiente para abastecer todo o município por um ano e meio mesmo se não cair nada de chuva.
Em Bagé, a gente morre de frio no inverno, e de sede no verão.
LAÉRCIO GUTERRES
Motorista
Em 2011, a obra foi iniciada com orçamento de R$ 34 milhões. Dois anos depois, com 12,5% do valor investido, o projeto foi embargado por suspeita de fraude na licitação. O caso ainda está tramitando na Justiça Federal, mas o órgão liberou os trabalhos em maio de 2016.
Conforme o diretor do Departamento de Água e Esgotos de Bagé (Daeb), Volmir Silveira, a atual gestão municipal obteve um laudo da Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec) e do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea-RS) que atesta que o projeto pode continuar de onde parou, sem desperdícios. Até abril, deve ser concluída a revisão dos projetos executivo e ambiental.
— Não estamos trabalhando com promessa, e sim com metas. Nossa meta é recomeçar a obra ainda em 2018 e concluí-la até 2020 — afirmou Silveira.
O orçamento da obra já subiu para mais de R$ 51 milhões, conforme o Ministério da Integração Nacional. Além dos R$ 12,5 milhões investidos antes do embargo, o atual prefeito, Divaldo Lara (PTB), afirma que R$ 32 milhões foram confirmados pelo governo federal. O restante do valor, fora o aumento de custo dos materiais que a revisão do projeto trará, ainda não tem garantias.
Enquanto isso, a frase dita pelo motorista de GaúchaZH Laércio Guterres quando transportava a equipe de reportagem para sua cidade natal, segue como um triste lema:
— Em Bagé, a gente morre de frio no inverno, e de sede no verão.
Detalhe GZH
Bagé tem uma média histórica de 132,9 milímetros de chuva em fevereiro. Até agora, segundo a prefeitura, choveu menos de 30 milímetros neste mês.