Um impasse entre advogados, Polícia Civil, Judiciário e Defensoria Pública do Estado têm permitido que suspeitos de crimes sejam libertados após o flagrante e voltem às ruas em Santa Maria. Isso tem ocorrido em casos bem variados, desde embriaguez ao volante a tráfico de drogas.
Na madrugada do dia 4 deste mês, um jovem de 21 anos foi preso em flagrante com 46 comprimidos de ecstasy e R$ 75 em dinheiro em frente a uma boate na Avenida Walter Jobim. Ele foi encaminhado à Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm). Mas, menos de 16 horas depois, estava de volta às ruas. A juíza plantonista Karla Aveline de Oliveira não homologou o flagrante porque não havia um advogado para acompanhá-lo no momento da prisão. A magistrada não quis comentar o caso.
Até há pouco tempo, se o suspeito não tinha um advogado ou alegava não ter condições de arcar com os custos de um profissional, o delegado da Polícia Civil nomeava um defensor para acompanhar o Auto de Prisão em Flagrante (APF). Porém, desde o início de setembro deste ano, a situação mudou.
A Chefia da Polícia Civil no Rio Grande do Sul determinou que os delegados não nomeiem mais defensores. A medida foi tomada porque, desde 2013, advogados começaram a mover ações na Justiça contra o Estado cobrando honorários pelo trabalho desempenhado nas delegacias.
- Entrei com a ação porque tinha direito de receber o valor pelo exercício do meu trabalho - disse um advogado, que não quis ter o nome nem o valor recebido divulgados.
As prisões em flagrante de suspeitos que não têm advogado continuam sendo feitas, só que sem a presença do defensor. Os presos são encaminhados à penitenciária e, em todos os casos, é o juiz de Direito quem homologa ou não a prisão. Na prática, decide se a pessoa fica ou não na cadeia.
Porém, diante do novo cenário, alguns juízes da comarca de Santa Maria não estão homologando os APFs, ou seja, estão relaxando as prisões em flagrante por considerarem-nas ilegais. Para esses magistrados, o direito de ampla defesa do suspeito está sendo ferido.
O delegado regional de Polícia Civil, Sandro Meinerz, diz que as prisões são legais. Segundo ele, a lei determina que seja ofertado ao suspeito o direito de ter um advogado, mas não diz que é necessária a presença do profissional no ato de prisão.
Além da polícia, dos advogados e do Judiciário, há um quarto agente nesse processo: a Defensoria Pública do Estado. Cabe à Defensoria dar assistência às pessoas que não têm condições de arcar com as despesas de um advogado. Mas a Defensoria diz que não tem quadro de pessoal suficiente para prestar o atendimento.
A situação preocupa a Polícia Civil e o Judiciário. O assunto tem gerado polêmica e está longe de ser consenso, mesmo entre os juízes.
O QUE DIZEM
"A lei não diz expressamente que ele (preso) tem que ter um advogado presente para a lavratura do auto. Diz que ele tem direito. Existem decisões, até do Supremo Tribunal Federal, de que não precisa da figura do advogado. Não temos suporte da Defensoria Pública, mesmo em horário de expediente. Alguns juízes preferem soltar autores de roubo, traficantes de drogas, o que eu considero gravíssimo." Sandro Meinerz, delegado regional da Polícia Civil
"É uma situação bastante preocupante. Não existe uma interpretação unânime. A nomeação de advogados pelo delegado me parece lícita, legítima e adequada. Compreendo que o Estado não queira se incumbir dessa despesa e não acho errado o advogado entrar com ação cobrando. Há a necessidade de a Defensoria Pública se estruturar e, sim, cumprir com a sua atribuição, adequadamente, o que não vem fazendo. " Rafael Cunha, diretor do Fórum de Santa Maria
"Na comarca de Santa Maria, o número de Defensores Públicos do Estado (10) é insuficiente para comportar o acompanhamento dos flagrantes em delegacia, pois todos já atuam com sobrecarga de trabalho. Para realização de plantão de forma presencial em delegacia, faz-se necessário o aumento suficiente do quadro de defensores públicos, o que possibilitará a criação de equipes de plantão em todas as comarcas do Estado." Assessoria de Comunicação da Defensoria Pública do Estado
"Acompanhei centenas de flagrantes de 2008 até 2013 quando ingressei com a ação. Achei que era um valor ao qual tinha direito pelo exercício do meu trabalho. Perdi na esfera local, mas ganhei no Tribunal de Justiça." Advogado que não quis ter o nome divulgado
Decisões dos juízes são interpretações da lei
A interpretação dos juízes sobre homologar ou não prisões em flagrante sem a presença de um advogado não é unânime. Segundo o diretor do Fórum de Santa Maria, Rafael Cunha, alguns juízes entendem que, se a autoridade policial deu a oportunidade de a pessoa indicar um advogado, e ela não o fez, não há desdobramento jurídico. Essa linha tem sido referendada pelos tribunais.
Mas, em outra linha interpretativa, a leitura do magistrado é de que a Constituição não foi atendida e de que se violou o direito de ampla defesa do suspeito, então, o flagrante não é homologado por uma ilegalidade.
- É respeitada a leitura individual de cada profissional - diz Cunha.
O juiz diz ainda que a não homologação do flagrante não isenta o suspeito da prisão, já que o Ministério Público pode pedir a prisão preventiva dele, que voltará a ser analisada pelo Judiciário.