Tire suas dúvidas sobre os depósitos judiciais – recursos utilizados pelos governos gaúchos desde 2004 para cobrir uma sucessão de rombos nas contas públicas – e entenda por que a alternativa se transformou em motivo de controvérsia no Rio Grande do Sul.
1) O que são depósitos judiciais?
São valores de pessoas e empresas envolvidas em ações judiciais. Esses recursos ficam depositados em uma conta no Banrisul, aos cuidados do Judiciário, para garantir que, ao final dos processos, as sentenças sejam cumpridas.
2) Como o governo usa os depósitos?
Desde 2004, o governo do RS é autorizado por lei a pegar parte do valor disponível como se fosse um empréstimo para usar da forma que quiser. Em troca, paga juros sobre o total resgatado e não devolvido (com base na taxa Selic). Inicialmente, o limite de saque permitido era de 70% do saldo da conta. Isso começou no governo Germano Rigotto (PMDB), devido a dificuldades financeiras do Estado. De 2006 até setembro de 2015, o percentual passou a ser de 85% e, a partir de então, por conta do agravamento da crise, saltou para 95%, a pedido do governo de José Ivo Sartori (PMDB).
3) Quanto o Estado gasta com os juros pagos por usar os depósitos?
A título de exemplo, só nos primeiros cinco meses de 2015 o Estado gastou mais de R$ 650 milhões com os juros, dos quais R$ 275 milhões foram destinados ao Fundo de Reaparelhamento do Judiciário. Em agosto de 2015, o Tribunal de Justiça decidiu abrir mão, por quatro anos, de 50% do valor pago. Com isso, o custo do Estado foi reduzido pela metade, mas, ainda assim, é pesado – ainda mais levando em conta que o Piratini mal consegue pagar a folha dos servidores do Executivo em dia.
Para se ter uma ideia do tamanho do problema, o dinheiro dos depósitos que o governo Sartori usou para cobrir o rombo das contas entre janeiro de 2015 e o início de 2018 (cerca de R$ 3 bilhões nominais) é inferior a tudo o que teve de gastar, nesse mesmo período, para pagar juros e correção monetária sobre os saques (considerando que a maior parte dos valores usados desde 2004 nunca foi devolvida): foram R$ 3,45 bilhões em valores nominais.
4) Qual é a situação atual?
Em maio de 2018, o estoque disponível para saque na conta dos depósitos judiciais é de R$ 250 milhões. Desde que assumiu o Piratini, José Ivo Sartori usou R$ 3 bilhões dessa conta – corrigido pelo IPCA, o valor sobe para R$ 3,3 bilhões. Em janeiro de 2018, o governo decidiu abandonar essa alternativa, por duas razões: 1) o Conselho Nacional de Justiça orientou os governos estaduais a suspenderem os saques para cobrir rombos e 2) a suspensão dos saques é uma das exigências para o Estado aderir ao regime de recuperação fiscal proposto pela União.
5) Mesmo que os saques tenham parado, existe risco de faltar dinheiro para o cumprimento das sentenças? E se o governo voltar a usar o dinheiro?
Tanto técnicos da Secretaria da Fazenda quanto do Judiciário avaliam que a margem de 5% em vigor desde 2015 é segura, porque as ações judiciais são pulverizadas (os resultados não saem de uma só vez). Apesar disso, a ampliação do limite de uso foi criticada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) à época em que a medida foi aprovada na Assembleia. Até hoje, contudo, não houve problemas.
UM POUCO DA HISTÓRIA
Até 2001, o dinheiro dos depósitos judiciais ficava retido em contas esparsas, em diferentes bancos. A correção do saldo era feita pela poupança, mas os valores retidos eram aplicados pelos bancos, que lucravam com a operação. A partir de 2001, com a aprovação da Lei estadual nº 11.667, no governo Olívio Dutra (PT), foi instituído o Sistema de Gerenciamento Financeiro dos Depósitos Judiciais do RS. O Judiciário tornou-se responsável pelo sistema, que passou a ser gerido pelo Banrisul. Com isso, a diferença dos rendimentos (entre poupança e Selic), que antes ficava com os bancos, passou a alimentar o Fundo de Reaparelhamento do Poder Judiciário e ser utilizada para melhorias no setor.
COMO FUNCIONA O SISTEMA
Desde 2004, o governo do RS é autorizado por lei a pegar emprestados os depósitos judiciais. Ou seja: passou a usar o dinheiro de terceiros para financiar seus déficits. Funciona assim:
1) Imagine uma caixa d'água, alimentada por uma tubulação e ligada a duas torneiras.
2) Pela tubulação, entram os depósitos judiciais que, todos os dias, se acumulam no reservatório.
3) Sempre que precisa, o governo pode abrir um dos registros e usar até 95% do estoque, desde que pague juros sobre os saques (taxa Selic).
4) Os 5% restantes não podem ser retirados, para garantir que os valores das ações sigam escoando pela outra torneira (para pagar as sentenças).