A assistente social aposentada Nilza Fonseca Samrsla tem 74 anos, desenvolveu um enfisema pulmonar por causa de três décadas de tabagismo e teve de colocar vários stents em decorrência de problemas cardíacos. Com tantos riscos associados, apanhar o novo coronavírus pareceria quase sentença de morte. Mas na semana passada ela estava era aliviada:
— Já passei pelo vírus. É possível que tenha ganho imunidade. E, se vier de novo, vai vir mais fraco. Não tenho mais aquela coisa terrível de me infectar, por causa da coisa cardíaca e pulmonar. Nem me fala! Estou me sentindo segura agora. Posso dizer que existe a esperança de passar por essa situação sem problemas maiores.
Na última semana — depois de se infectar com coronavírus, de ser internada e de colocar mais três stents — , a idosa sentia-se em perfeitas condições. Já havia completado o período recomendado de isolamento e recebido alta.
— Estou bem, sem nenhuma queixa — comemorou.
A história de Nilza com o coronavírus começou em Paraty (RJ), onde passou nove dias no começo de março, na companhia de um dos filhos, o relações públicas Luciano Salvaterra, 44 anos. Em meio a turistas alemães, italianos, ingleses e franceses, nem pensava em epidemia. Como não assistia aos noticiários, estava inconsciente da conflagração que o vírus causara no país naqueles dias.
Foi apenas em 15 de março, um domingo, quando chegou a Guarulhos (SP) para tomar o voo de volta a Porto Alegre, que tomou pé da situação.
— Fiquei muito estressada com o que vi no aeroporto. Depois dos dias fora do mundo em Paraty, um paraíso onde nada nos atingia, encontrei muitas pessoas de máscara. Foi muito forte o impacto. Não imaginava que aquilo estivesse acontecendo — recorda.
Horas depois, já em Porto Alegre, ela teve a noite difícil, com vômitos, diarreia e falta de ar. Ainda em Paraty, notara cansaço e angina quando fazia esforço e se programara para procurar o cardiologista. Telefonou para ele na manhã de segunda-feira e recebeu a orientação de apresentar-se na Santa Casa de Misericórdia. Ela não temia corona, só as coronárias.
— Quando falei que tinha vindo do Rio de Janeiro, parecia que uma tempestade caiu em cima do hospital. Aí coletaram material, todo mundo súper equipado, súper resguardado da minha pessoa. Usavam uma roupa azul por cima do uniforme normal deles, uma máscara branca comum e por cima tipo um capacete com a frente de plástico. Aquilo foi assustador. Pensei: estou morrendo. Na época, fiquei chocada, porque é uma coisa horrorosa sentir que todos estão com medo de ti, mas hoje dou razão a eles — diz a aposentada.
Nilza foi internada e, no dia seguinte, terça-feira, submeteu-se a um cateterismo que constatou risco nas coronárias. Colocou os três stents, que somaram-se aos quatro que já tinha. Recebeu alta e voltou para casa apetrechada de máscaras, luvas e álcool gel. A orientação era de confinamento.
Na quarta-feira, o médico telefonou e disse que estava em quarentena por causa dela. O teste de Nilza havia sido positivo para coronavírus.
— Fiquei abalada. Quase não acreditei. Não sabia o que estava acontecendo, porque entrei no hospital para receber um atendimento cardíaco — diz a mulher.
Ela e o filho Luciano não sabem até que ponto os sintomas deviam-se ao vírus ou a condições cardíacas já existentes. Também não há certeza se a covid-19 contribuiu para que Nilza tivesse de colocar os stents naquele momento. O certo é que os dois ficaram em quarentena no apartamento que dividem. Primeiro cada um permaneceu em sua parte do imóvel, separados, mas depois, quando o relações públicas apresentou coriza insistente e irritação na garganta, despreocuparam-se do isolamento interno e mantiveram apenas o externo. Os vizinhos foram informados e ajudavam recolhendo o lixo deixado do lado de fora do apartamento. Um outro filho da idosa trouxe mantimentos e deixou-os à porta.
— Quando o exame dela deu positivo, eu pensei: claro, devo estar com o vírus também. Porque estivemos nos mesmos lugares, no meio de gente do mundo inteiro, bem na semana do boom do corona no Brasil. Em seguida, quando tive alguns sintomas, eu disse: "Quer saber? Tu não vais ficar confinada numa parte da casa. Já basta essa situação toda. Se era para estar infectado, estou" — conta Luciano, que não pôde fazer o teste em razão da escassez de exames,
Depois de deixar o hospital, Nilza teve apenas sintomas leves, como um pouco de febre. Quando se sentia angustiada ou tinha alguma dúvida, fazia contato com a infectologista que a acompanhou na Santa Casa. No momento, mãe e filho estão recuperados e terminaram o período obrigatório de quarentena. Mas a idosa não pretende deixar o lar tão cedo.
— Não vou me arriscar a sair para a rua de jeito nenhum. Está mais do que provado que temos de ficar recolhidos. É difícil emocionalmente, mas não é só para mim, que tive exame positivo, é para todos. Todo mundo está passando por isso.