O médico Vinícius Lain, 40 anos, achava que ele e a mulher, intensivista, seriam infectados pelo coronavírus. Já na primeira quinzena de março mandou o filho de cinco anos para o litoral, com os avós. Entendeu que era um sacrifício inevitável.
Vinícius estava certo. Diretor-técnico do Hospital da Unimed de Caxias do Sul, ele pegou o vírus quando preparava o estabelecimento para enfrentar a pandemia. Em vez de cumprir o plano de estar na linha de frente quando os doentes chegassem, viu-se na condição de doente, ele próprio de cama, em casa.
O médico deve ter sido infectado por volta de 17 de março. Nos preparativos do plano de contingenciamento do hospital, sucediam-se as reuniões, várias pessoas na mesma sala ao mesmo tempo. Na ocasião, ainda não havia notícia de transmissão comunitária. Em um desses encontros, teria pego o vírus de um colega, atualmente internado.
Os sintomas só apareceram depois de uma semana, na manhã do dia 23, uma segunda-feira. Começaram por dor de cabeça, bastante dor no corpo e febre. O paladar e o olfato se alteraram.
— Não sentia cheiro de nada — relata o médico.
Logo no começo, Vinícius coletou material para exame (o resultado deu positivo) e adotou a quarentena em casa. Foram três dias de sintomas intensos:
— Comparado com gripe, é mais forte. Tinha muita dor nas costas, não conseguia posição para dormir, passava as noites muito mal. Fiquei bem prostrado, ficava só deitado em casa, tomando dipirona para aliviar o mal-estar e notando se tinha falta de ar. O medo maior foi porque a gente sabe da estatística, a gente sabe que 6% dos pacientes vão acabar evoluindo para UTI, e daí, na UTI, a mortalidade aumenta muito.
Em casa, ele e a mulher tomaram cuidados extras, cada um de um lado do imóvel, mas ela também apresentou sintomas, ainda que bem mais leves. O teste não apontou presença de coronavírus — ela suspeita de um falso negativo. Com o filho, o contato tem sido pelos meios eletrônicos.
— É bem difícil. Ele não entende o que está acontecendo. Mas era um medida necessária, não adianta. Ele fica lá protegido com os avós, enquanto a gente faz o que tem de fazer dentro do hospital. É por isso que temos insistido tanto para só quem realmente precisa procurar um hospital, porque é nele que os casos de coronavírus vão se concentrar — comenta o médico.
Depois de padecer de segunda a quarta, Vinícius notou uma melhora progressiva a partir da quinta-feira. Mas ainda não se tranquilizou. Estava ciente de que, depois da fase aguda inicial, é comum haver um alívio dos sintomas antes de uma piora acentuada no quinto dia. Mas o quinto dia passou sem percalços. Foi um alívio.
— A piora podia acontecer de sexta para sábado, mas só fui melhorando. Daí pensei: bom, acho que era isso. No fim de semana, já não tinha sintoma. Só o nariz não tinha voltado, sentia muita ardência ao respirar. Era como se estivesse queimado por dentro. Não conseguia puxar o ar fundo porque ardia. Isso é importante as pessoas saberem: podem confundir com falta de ar, mas não é.
Na semana que passou, Vinícius descrevia-se como "totalmente recuperado". Como a quarentena continua até a próxima segunda-feira (6), trabalhou de casa e surpreendeu-se com a quantidade de coisas que é possível fazer remotamente, pelo menos no que diz respeito à parte administrativa do hospital. Ele confessa que foi difícil ficar fora de ação em plena pandemia e que está contando os dias para voltar. Acredita que a experiência como paciente vai ajudar no papel como médico nas semanas difíceis que se avizinham.
— Agora entendo melhor alguns sintomas que não são tão típicos, para poder orientar as pessoas a se cuidarem. E a impressão que eu tenho é que vou mais forte na construção de linhas de frente para aumentar o cuidado com o paciente, mais forte porque vários trabalhos dizem que, depois da infecção, tu podes te contaminar de novo, mas essa contaminação é mais difícil. A infecção, nem que seja por um período curto, gera uma certa imunidade. Isso talvez facilite. Porque a gente percebe um medo muito grande de todo mundo que trabalha no hospital, todo mundo tem medo de pegar o vírus.