O cenário é o campo do Alto da Bronze, em Estrela, em um domingo chuvoso de agosto. No gramado embarrado, o time da casa, o Estrela, recebe o Inter disputando cada centímetro do terreno para tentar emparelhar o jogo pelo Campeonato Gaúcho de Futebol Feminino. Do lado de fora, 137 torcedores observam a partida. Desses, 133 são parentes ou amigos das atletas.
Não há cobrança de ingresso, e eles podem escolher o lugar mais confortável. A maioria se instala atrás de um dos gols, onde existe a possibilidade de pegar as cadeiras do salão de festas do clube e ver a partida bem acomodado.
Depois do gramado, o local mais importante é o bar. Afinal, será a receita da copa que vai pagar a taxa de arbitragem, de R$ 350 para cada clube, e mais o aluguel do campo. Se a venda dos pastéis de carne, refrigerante e cerveja não for suficiente, as jogadoras vão ter de pagar do próprio bolso para completar o valor.
– Não tem jeito, não temos mais de onde tirar, fazemos o possível para buscar recursos, mas sem apoio fica muito difícil. Hoje, se a venda não for boa, infelizmente vamos ter de cobrar delas – conta o técnico, Vinícius Vanzetta, 30 anos.
Dentro das quatro linhas, a equipe foi valente e perdeu por apenas 1 a 0 para o Inter, que tem uma estrutura muito superior. Do lado de fora, a expectativa era enorme pela receita da copa, mas o valor final arrecadado foi de R$ 700, insuficiente para pagar todas as despesas. Atletas e familiares tiveram de colaborar para fechar as contas.
Mas a derrota e a falta de recursos não trouxeram desânimo, pelo contrário.
Alguns dias depois foi organizado um jantar com o objetivo de angariar fundos para pagar arbitragem e viagens das partidas seguintes. As jogadoras se mobilizaram para vender os convites ao preço de R$ 20 e arrecadaram cerca de R$ 2,5 mil. Assim, o Estrela segue sua luta para seguir em campo.
Dividimos as atletas em quatro ou cinco carros e rachamos a gasolina.
Rodrigo Aveiro
Técnico do Santaritense
Mas os exemplos de dificuldades não param por aí. A criatividade não tem limite e também é destaque em Nova Santa Rita, com seus 25 mil habitantes. A cidade do Velopark tem o Santaritense como o representante da cidade. Jogadoras sem salário, treinos no máximo uma ou duas vezes por semana e falta de dinheiro para viagens e taxas de arbitragem. Mas fruta não falta. O técnico e faz-tudo Rodrigo Aveiro fechou uma curiosa parceria.
– Eu vou nos mercados e pego umas bananas, maçãs e água. Na farmácia, consigo aquele “gelolzinho”. Em troca, posto uma foto com uma faixa aparecendo o nome do mercado e da farmácia e mando para eles – conta.
Para as viagens, a carência é a mesma.
– Dividimos as atletas em quatro ou cinco carros e rachamos a gasolina. Também estamos tentando a Kombi do meu cunhado, aí colocamos todo mundo pra dentro – diz.
A poucos quilômetros dali, em Sapucaia do Sul, são as trufas que mantêm a esperança da equipe da cidade, o Sapucaiense:
– Descobrimos um fornecedor que vende trufas a R$ 1. Vamos vender a R$ 2 e aí teremos R$ 1 de lucro. Vamos passar uma cota de venda para cada atleta e torcer para que a arrecadação seja boa, já que temos 10 sabores de trufas – contou o presidente e técnico do Sapucaiense, Newton Corrêa.
Em Candiota, cidade de apenas 10 mil habitantes próxima a Bagé, a Associação Esportiva João Emílio optou por fazer um pedágio. Sim, as atletas abordam os carros em busca de dinheiro para custear a equipe.
– Vamos para a rua, paramos os carros e pedimos doações. Qualquer moeda ajuda – explicou Cléo Moura, presidente, técnico do sub-15, sub-17 e preparador físico da equipe adulta.
Como conselheiro tutelar da cidade, Cléo tem uma folga por semana. Nesse dia, percorre o comércio em busca de patrocínio. Atualmente conta com R$ 700 mensais, que é a receita do clube. O valor é usado para pagar a arbitragem. O dinheiro extra, como o do pedágio, serve para bancar os deslocamentos das jogadoras que moram fora da cidade.
– Temos três atletas de São Lourenço do Sul, que trabalham plantando fumo. Só para trazê-las para jogar, o custo é de R$ 250.
Para obter fundos, o Guarani, de Lajeado, fez uma rifa em que o prêmio era uma moto.
Tivemos de viajar de carro para um jogo importante, não tínhamos dinheiro suficiente para contratar um transporte. Tivemos de deixar algumas meninas de fora da partida
Luís Helf
Presidente do Palestra
– Conseguimos juntar R$ 5 mil. Só que, em apenas uma viagem, já se gasta metade desse valor – lamenta o presidente do Guarani, Sandro Seco.
O Palestra, de Carazinho, é um dos que mais sofrem com as longas distâncias.
– Tivemos de viajar de carro para um jogo importante, não tínhamos dinheiro suficiente para contratar um transporte. Tem mais a alimentação e a taxa de arbitragem. Tivemos de deixar algumas meninas de fora da partida – relata o presidente do Palestra, Luís Helf.
No dia 15 de outubro, um domingo, o Sport Club Rio Grande irá percorrer 600 quilômetros até Carazinho para enfrentar o Palestra. O clube ainda não sabe como vai fazer para evitar o desgaste das atletas. Afinal, dinheiro para hotel não há.
– Estamos em contato para ver se arrumamos uma escola, aí levamos cobertas uns colchonetes para as gurias dormirem e não ficarem tão cansadas – revela a diretora do Rio Grande, Rosângela Solano.