O símbolo do Campeonato Gaúcho de Futebol Feminino bem poderia ser Pietra, de um ano. Ainda se equilibrando para dar os primeiros passos, ela mal interpreta a agitação ao seu redor. Tampouco absorve toda aquela atmosfera do ambiente do futebol. Os olhos de Pietra, na verdade, fitam apenas uma jogadora. Toda a atenção dela está nos movimentos da atacante Maikelle Toledo, 22 anos, titular do Esporte Clube Ijuí, talvez um caso raro de mãe que amamenta de chuteiras.
Foi exatamente isso que aconteceu no dia 16 de setembro. Maikelle aquecia com as companheiras de time no gramado do Estádio Elísio Trevisol, em Lajeado, quando o estômago de Pietra deu o alarme. A atacante, como fazem todas as mães diligentes, saiu do campo e foi amamentar a pequena na arquibancada, onde estava aconchegada no colo do pai. A saga de Pietra, de Maikelle e do Esporte Clube Ijuí para jogar pelo Gauchão mostra a devoção a um futebol que vive à sombra do jogado pelos homens.
Maikelle, Pietra, o marido e toda a delegação haviam varado a noite em um ônibus de Ijuí até Lajeado, numa jornada de 320 quilômetros. Chegaram não no dia do jogo, mas no dia de dois jogos, que seriam disputados em intervalo de cinco horas. Isso mesmo. Jogadoras de um time do principal campeonato de futebol feminino tiveram de disputar duas partidas no mesmo dia.
O acúmulo de jogos foi pedido da direção do clube como saída para otimizar a viagem ao Vale do Taquari. Já que teriam de se deslocar até a região, que aproveitasse e fizesse de uma só vez os dois confrontos. São histórias inusitadas como essa, mas temperadas pelo amor, como de Maikelle e Pietra, que compõem o cenário do Gauchão Feminino.
Enquanto Grêmio e Inter estruturam suas equipes, seus rivais vivem na pré-história do profissionalismo. São comuns relatos de vaquinhas entre as jogadoras para pagar taxas de arbitragem, de venda trufas para financiar viagens e de rifas para custear despesas dos clubes. Salário? Nem pensar. Torcida no estádio? Só os familiares. Equipes multidisciplinares? Sim, geralmente é o técnico ou o presidente que faz tudo.
Na base do improviso e sem imaginar como será possível entrar em campo na próxima rodada, 13 times femininos rasgam o Rio Grande do Sul para manter o futebol feminino de pé. Jogam por amor ao esporte e superam a falta de apoio de clubes tradicionais do Interior e a ausência de patrocinadores, em uma amostra de como a devoção e a paixão pelo esporte, unida à fibra das mulheres, cria as raízes para o futebol feminino vicejar no Rio Grande do Sul. Perseverantes, elas sabem que, quando o futuro chegar à modalidade, não se poderá contar a história do futebol feminino no Estado sem citar o nome de Marianes, Marlis, Maikelles e Pietras.