Chama a atenção como Taison mudou pouco fisicamente nos últimos 11 anos. Aquela cara de guri que quebrou o vidro do vizinho com uma bolada continua lá mesmo aos 33 anos. A voz? Idêntica.
O período na Ucrânia trouxe amadurecimento. Calma. Nova visão do mundo. Mas não tirou a autenticidade das respostas. Nem o sorriso. O agora capitão do Inter encarou o monitor que posiciona entrevistado e entrevistador nesses tempos de distanciamento e conversou com a reportagem de GZH por meia hora. Acompanhe a seguir:
Você concedeu duas entrevistas coletivas recentes. Ambas em eliminações, na Copa do Brasil e na Libertadores. Isso um dos papéis do capitão?
Vim para cá sabendo de algumas coisas, já calejado. Saí um menino daqui, tinha 22 anos, não entendia tudo. Voltei experiente, assumindo algumas coisas. Sempre vou defender meu grupo de jogadores, porque é deles que dependo no dia a dia, são eles que vão estar comigo no domingo. Foram duas eliminações que não esperávamos, mas aconteceram. E sou o capitão, exemplo para muitos aqui. Então eu tenho que ir lá e dar a cara para bater. Estou acostumado também a receber cobrança. E eles também me tiram como líder no vestiário, mas já falei que não estou sozinho. Um time precisa ter vários líderes. O Inter sempre foi assim. Tinha Bolívar, Índio, D'Alessandro, Magrão, Guiñazu, Tinga.
No vídeo de bastidores da vitória sobre o Flamengo, chamou a atenção que quem fez o discurso de motivação foi Paolo Guerrero. A qualidade dele é indiscutível, mas esse lado tinha sido pouco visto no que temos acesso. É um dos líderes que você falou?
Paolo é um líder. É o capitão da seleção peruana. Falo para os atacantes, especialmente para o Vinicius Mello, e para os outros mais jovens, nos treinos: "Prestem atenção no que faz o Paolo aqui dentro. Ele é um exemplo". Nem sempre demonstra, mas é um líder, é um cara que fala, conversa. O Marcelo (Lomba) também conversa. O Renzo (Saravia), olha tudo o que ele fez no jogo. É argentino, né? Argentino cresce nesses jogos. A gente precisa disso no nosso dia a dia. Quero que mais gente fale antes dos jogos. É bom para nós, para os mais jovens verem um Guerrero, um Saravia, um Cuesta falarem.
Quais são suas inspirações como capitão?
Tive D'Alessandro, que me ajudou muito quando esteve aqui. Tive Bolívar, Tinga. Pô, com o Tinga conversamos até hoje. Depois do jogo contra o Flamengo, ele me chamou e contou que tinha visto em um bar porque estava viajando com a família. E estava lotado de flamenguistas, e que nunca tinha torcido tanto. Guiñazú também. Aprendi muito com esses caras, me mostraram o que é ser líder. E não só em falar, mas também nas ações, em estar focado, ser o primeiro a chegar e o último a sair, como era o D'Alessandro. Preciso seguir esse exemplo.
Tem falado com seu amigo D'Alessandro?
Mando mensagem para o Cabeça todos os dias para saber como ele está.
Ele viu o gol?
Viu, viu (risos). Ele me disse: "Continua rápido, hein?". Respondi: "É, Cabeça, ainda engano de vez em quando". Mas a gente fala todos os dias, pergunto se ele não vai voltar para jogarmos juntos mais um pouco. Brinco, mas ele foge do assunto, daí conversamos outra coisa.
E a camisa 10?
Só assumi o número porque ele me disse: "Faz isso por mim". Daí não tive como negar. É que eu gosto mesmo é da 7. Mas um pedido do D'Alessandro não posso negar. Pedi para o Seu Gentil e para o Buiú me colocarem no mesmo lugar que era dele, tudo. D'Ale é meu amigão, foi um pai para mim aqui, me ajudou, deu conselhos. Pena ele não estar aqui agora, eu queria muito ter jogado com ele novamente. Mas vamos ver, não sei até quando ele vai jogar, o D'Alessandro é fominha, né? Sempre vou torcer por ele.
Além do D'Alessandro e dos outros jogadores, o quanto a Ucrânia influenciou nesse amadurecimento, para chegar a capitão?
Naquele momento que saí, não queria ter ido. Queria ter jogado o Mundial. Mas não deu. Daí cheguei lá e queria voltar. Eu era muito apegado à família, deixei minha mãe, meu pai, meus irmãos. Meu empresário foi junto, ficou um mês lá e depois fiquei meio ano sozinho. E tive que me virar. Era um povo mais frio, mesmo dentro do time. Não colocam música no vestiário, não fazem nada. E eu queria colocar música, brincar. Mas fui me adaptando, aprendendo a língua, conhecendo a rotina. A Ucrânia me mudou. Esse tempo todo lá me tornou um ser humano mais forte, mais concentrado. Isso e ter sido criado pelo meu pai e pela minha mãe foram fundamentais, agradeço todos os dias. Eles sempre correram atrás de tudo por nós lá em Pelotas.
Aprendeu a se segurar mais?
Aprendi a ser mais calmo, pensar antes de falar, antes eu falava mesmo, mesmo sem saber. Agora, não, espero. De vez em quando ainda faço algumas coisas de guri, vejo umas postagens e não me seguro. Daí minha mãe e minha mulher me dizem para não fazer. Mas é que vejo algumas coisas e fico chateado. Até não sei porque, se é para ganhar like, comentário. A Internet virou uma força terrível, né? Só que muita gente que vê, acha que é verdade, e não é.
A Ucrânia também mudou o posicionamento em campo.
Tive um treinador, Mircea Lucescu, que me colocava na ponta. Daí chegou Paulo Fonseca e me passou para o meio. Me disse: "Aqui tu vais te sentir melhor". Então era aqui eu ia jogar. Parto do meio, mas com liberdade para me locomover, ir para os lados. Sou um jogador que gosta disso, de ter sempre a bola. E também nunca fui um cara de fazer tantos gols. Até em 2009, aqui no Inter, fiz bastante, ganhei uma aposta do presidente Fernando Carvalho, fui goleador do Gauchão. Mas na Ucrânia passei a dar mais assistências do que fazer gol. Estou muito adaptado à função. No domingo mesmo fiquei bem atrás do Yuri. Aliás, falei para ele que lembra o Nilmar, pela velocidade e pela finalização. Disse: "Olha para o lado que vou estar contigo".
Além da Ucrânia, você fala sempre em Pelotas, no Bairro Navegantes. Esse retorno teve a ver com isso também?
Tenho um lema comigo: não posso esquecer de quem m ajudou. No meu bairro, teve muita gente que me ajudou. Algumas pessoas de lá foram para lados diferentes e até não estão mais aqui. Mas eles vinham me tirar das esquinas depois de tal horário e me mandar para casa. Então ajudamos, doamos cestas básicas, fazemos uma festa no final do ano. Ainda continuo com os mesmos amigos que cuidava carros em Pelotas. Agora, mais perto, quando vou lá, nos encontramos. Minha criação foi isso, não posso mudar quem eu sou por causa do que tenho agora. O Navegantes me dá muitos anos de vida. Sentar com meus amigos na calçada e pedir um marmita me renova. As pessoas passam por lá e não acreditam que sou eu ali. Dizem que poderia estar em outro lugar, mas ali é onde me sinto bem. Jamais vou abandonar aquilo lá.