Alguns dos capítulos mais dourados da história do Inter se desenrolaram nos anos 1970. Foi a década dos três títulos do Campeonato Brasileiro. Época em que o Maracanã ainda era o maior do mundo e tinha a geral para dar uma atmosfera única aos grandes jogos. Mas nem mesmo a força desse ícone do futebol e de craques como Rivellino e Roberto Dinamite conseguiram parar aqueles jogadores de camisa vermelha.
No caminho das três conquistas (1975, 76 e 79), duas delas passaram pelo Rio de Janeiro. No domingo (21), o Inter volta à cidade para enfrentar o Flamengo e, quem sabe, levantar o tetra do Brasileirão.
GZH relembra façanhas dos times de Rubens Minelli e Ênio Andrade no Maracanã.
A humildade que venceu a semifinal do primeiro título nacional
Em dezembro de 1975, o Fluminense tratava do jogo com soberba. Antes da partida única da semifinal do Brasileirão, declarações do técnico Didi, o inventor da folha seca e autor do primeiro gol do mítico Maracanã, foram o combustível para que os jogadores colorados tivessem ainda mais vontade em cada dividida. Mais do que disposição, Rubens Minelli deixou o time do Inter mais forte fisicamente.
Abriu mão das cabeçadas certeiras de Escurinho para colocar o jovem Caçapava, então com 20 anos. A função do centro-médio era "simples". Ele tinha que parar um Rivellino de elásticos e patadas atômicas. Mais eficiente impossível. Vitória por 2 a 0, com gols de Lula e Paulo Cesar Carpegiani.
— Minelli escolheu colocar o Caçapava no lugar do Escurinho, que tinha sido artilheiro do Gauchão. O Escurinho não gostou, mas entendeu depois — relembra Valdomiro.
As instruções para o volante parar o principal jogador da Máquina Tricolor, como o Fluminense era apelidado na época, foram claras.
— O Minelli juntou todo o time para explicar para o Caçapava que na primeira chance que tivesse, ele tinha que chegar firme no Rivellino. Não deu outra. Na arrancada do jogo, ele já deu no meio, a ponto de o Falcão ter que pedir calma para ele, porque ele era muito forte — conta o recordista de jogos com a camisa colorada.
Rivellino não achou o caminho do gol defendido por Manga. A vantagem no placar fez com que o Inter acalmasse os ânimos dos quase 100 mil torcedores presentes no Maracanã e tirasse as chances de reação dos cariocas.
Caçapava, a surpresa do time, recém promovido dos juniores, quase não acreditava que tinha parado Rivellino, o homem que herdou a dez de Pelé na Seleção Brasileira. As páginas de Zero Hora do dia seguinte trouxeram o relato de um garoto simples, assustado com a celebração dos jogadores e a aglomeração de repórteres no vestiário após a partida.
— Estou emocionado mesmo, nunca vi uma coisa desse tipo — disse Caçapava, satisfeito com o desempenho dele e da equipe. — Só entrei em campo e fiz o que tinham me mandado. Fiquei triste com a palhaçada do Fluminense de dizer que nós já tínhamos perdido. Isso não se faz. Em campo eu vi como o Rivellino e o Paulo Cesar fugiram do jogo.
Depois, na final, o Inter enfrentou o Cruzeiro, quando o gol de Figueroa iluminou os caminhos colorados para o título inédito.
Caçapava iniciou naquela semifinal do Maracanã sua trajetória vitoriosa no Inter. Luis Carlos Melo morreu em 2016, aos 61 anos, no mesmo lugar onde nasceu e de onde surgiu o apelido, no interior do Rio Grande do Sul.
O inesperado herói da invencibilidade
A campanha perfeita no Brasileirão, depois de um Gauchão de dúvidas, chegava à decisão. Inter e Vasco fariam a primeira partida da final em 20 dezembro de 1979, no Maracanã. Não bastasse enfrentar o time de Roberto Dinamite, era preciso encarar o adversário sem Valdomiro e Falcão, suspensos.
A escolha do técnico Ênio Andrade foi emulada por Abel Braga no Mundial. Saiu um ídolo para a entrada de um jogador contestado. Contra o Barcelona, Adriano Gabiru substituiu Fernandão. Na briga pelo tri brasileiro, entraram Valdir Lima no meio e Chico Spina mais à frente. Coube aos dois ícones colorados passar confiança aos reservas, até então questionados. No domingo, será a vez de Cuesta ser ausência.
— Falei para o Chico: "hoje é a tua consagração". E ele foi lá e fez dois gols. Era muito importante a confiança e amizade que se tinha entre os jogadores — enfatiza Valdomiro, que foi ao Rio de Janeiro mesmo sem condições de atuar.
Chico Spina tinha começado a carreira no Grêmio. Foi dispensado, contratado pelo Inter, e era vaiado pelo torcedor colorado quando entrava em campo no Beira-Rio. Os dois gols marcados sobre o Vasco no primeiro jogo da decisão colocaram o atacante na história do clube.
— Futebolisticamente falando, foi o dia mais feliz da minha vida. Só tive noção disso quando eu cheguei em Porto Alegre. Saí no saguão do (aeroporto) Salgado Filho, e a torcida me recebeu em peso, me pegaram no colo e me atiravam para cima. E era só o primeiro jogo — relembrou Spina, em entrevista à GZH em 2019.
Chico tinha jogado outros 15 dos 23 jogos daquele campeonato, e marcado outro gol além dos dois que encaminharam o título. No Beira-Rio, três dias depois, Falcão e Valdomiro voltaram ao time e ajudaram o Colorado a fazer 2 a 1, trazendo o tri com tranquilidade.
Derrotas que marcaram
Mas a relação colorada com o Rio de Janeiro em grandes jogos não é construída somente com glórias. Em 1987, a Copa União teve um Inter operário contra um Flamengo estrelar na final. Nem mesmo Taffarel conseguiu parar um time que tinha Zico, Renato e Bebeto. O goleiro fez o que pôde para segurar o 0 a 0 no Beira-Rio, no jogo de ida.
No Maracanã, na volta, o esforço não resistiu ao gol de Bebeto. O 1 a 0 deu mais um título nacional ao Rubro-negro e destruiu o sonho do tetra colorado.
— Forçamos de todos os jeitos, mas não conseguimos furar o bloqueio que eles armaram — lamentou o então jovem goleiro Taffarel, em entrevista à Zero Hora.
Dentro de um contexto, nem toda a derrota é ruim. Foi o caso da partida de ida da final da Copa do Brasil de 1992. Dessa vez, o majestoso Maracanã cedeu espaço para o acanhado Estádio das Laranjeiras ser o palco da partida. O Inter, do técnico Antônio Lopes, tinha passado por uma trajetória espinhosa, eliminado nas fases anteriores o Corinthians, o Grêmio, nos pênaltis, e o Palmeiras.
Novamente o verde, branco e grená do Fluminense mediam forças contra o vermelho do Inter. Aquele time tricolor não era mais uma máquina, mas tinha Super Ézio no ataque. Os colorados contavam com jogadores como o goleiro Fernández, os zagueiros Célio Silva e Pinga, o atacante Maurício e centroavante Gérson, vítima da AIDS dois anos depois.
A noite apresentava uma figura que mais de 20 anos depois assombraria a história colorada. O árbitro daquela partida foi Márcio Rezende de Freitas, aquele mesmo que esteve no apito no jogo contra o Corinthians, em 2005.
— Sofremos uma pressão desde a chegada à cidade — relata Pinga. — Tivemos que caminhar perto da torcida do Fluminense. Tinha polícia e segurança, contato físico não existiu, mas cusparada, gritaria e arremesso de objetos aconteceu até nossa chegada ao vestiário, que era acanhadíssimo. Tivemos que aquecer para o jogo perto de uma quadra de tênis ao lado do estádio.
Dentro de campo, 2 a 1 para o Fluminense. O gol de Caíco, no segundo tempo, vencendo a defesa e a pressão da torcida carioca, deu um pouco de tranquilidade à equipe, lembra Pinga.
— Na volta, uma vitória simples com o Beira-Rio lotado e o apoio da torcida, conhecendo o adversário, fazia com que a vantagem fosse nossa mesmo com derrota. A pressão que recebemos lá seria devolvida aqui com mais de 70 mil pessoas no estádio — comenta.
Em Porto Alegre, o chute potente de Célio Silva pegou mais o chão do que a bola, mas foi o suficiente para que, de pênalti, o Inter vence por 1 a 0 e fosse campeão. Foi o último título nacional do Inter, mas no domingo essa escrita pode mudar.