No distante ano de 2008 Thiago Galhardo era aprovado em um concurso para trabalhar na Petrobras. Aos 19 anos, o mineiro de São João del-Rei se recuperava de uma cirurgia no joelho e não pensava em insistir no futebol. Pretendia fazer carreira como engenheiro na gigante petrolífera que anunciava, à época, a exploração do pré-sal.
Se tivesse entrado na empresa estatal, Galhardo teria estabilidade profissional e participação na história de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, que chegou a produzir mais de 1,5 milhão de barris por dia. Mas não teria a chance de marcar gols em seis partidas seguidas, assumir as artilharias e garantir 14 pontos com o Inter na liderança do Brasileirão. O agora centroavante tem 13 gols em 25 partidas em 2020 e foi eleito o melhor jogador do primeiro mês da competição.
Enquanto se preparava para começar a trabalhar na petrolífera, em 2008, Thiago foi levado por um amigo da família para fazer testes no Bangu, já no Rio de Janeiro, e foi aprovado no primeiro treino. O atleta contou com o apoio da mãe para superar os desafios do sub-20 e logo chamou a atenção no profissional. Foi emprestado ao Botafogo em 2011. Com o aumento no salário, maior até que o esperava receber na Petrobras, Galhardo pôde finalmente viver o conforto deslumbrante que o futebol proporciona a alguns. O dinheiro ajeitou a vida da família, mas atrasou seu amadurecimento em campo.
— A questão financeira faz a gente se perder rápido. Morava em uma casa de 30 metros quadrados. Eu, minha mãe, meu irmão e minha avó. Minha mãe abandonou o casamento com meu pai, abriu mão da vida dela para viver a minha. Se endividou toda porque na época meu pai não ajudou. Não o culpo. Ele tinha os pensamentos e princípios dele, mas minha mãe quis viver meu sonho e fez tudo por mim e meu irmão — relembrou, em entrevista ao Papo Gre-Nal, em junho de 2020.
Valéria Galhardo da Rocha, 55 anos, é a mãe de Thiago, 31 anos, do Inter, Gabriel, 26, meia do Nova Iguaçu, e Rafael, 38, baixista da banda de reggae Ponto de Equilíbrio. A matriarca foi a principal apoiadora dos filhos, mesmo com receio sobre a instabilidade das carreiras esportiva e artística. Ela se formou em Direito depois de criar os três. Em janeiro, veio a Porto Alegre acompanhar a assinatura do contrato de Galhardo com o Colorado.
— A mãe é quem sempre projeta a profissão do filho. Nunca estabeleci nada. Nunca nem pensei. Só dizia que, no que escolhessem, que tentassem ser os melhores. E eles estão correspondendo ao que a mãe pediu, não estão? (risos) Apoiei a escolha deles sempre — disse Valéria, à coluna de Leonardo Oliveira em GZH.
A ligação sentimental de Galhardo com a família é parte fundamental do amadurecimento dele. Em 2019, como camisa 10 do Ceará, quase não esteve em campo na vitória por 2 a 0 sobre o Inter, em 7 de novembro, na Arena Castelão. Não queria jogar porque estava muito preocupado com a saúde da avó materna, Ottilia, de 90 anos. Ele reuniu forças e foi para o jogo. Marcou o que pode ter sido o gol que apresentou o meia como alternativa de reforço para o Inter. Não conseguiu comemorar, apenas deixou o corpo cair no chão enquanto chorava. A avó Ottilia faleceu 10 dias depois, no dia 17, motivando-o a usar o número na camiseta em homenagem a ela no Colorado.
— Quando faço os gols ela vem na minha cabeça, a estrela que tanto me ilumina do céu, e eu peço a Deus que ela me abençoe. Naquela época eu não queria jogar, hoje (quinta, 10) eu posso fazer um gol e dedicar a ela — comentou Galhardo, em coletiva após a vitória por 2 a 0 sobre o Ceará, no Beira-Rio, pela nona rodada do Brasileirão de 2020.
As lágrimas voltaram ao rosto do jogador após o segundo gol contra o ex-time. Foi o nono dele na competição que o Colorado lidera, não à toa, segundo o próprio atacante. Depois de girar pelo futebol brasileiro e ter uma temporada no Japão, Galhardo diz viver o melhor ano da carreira. Ele elogia o trabalho do técnico Eduardo Coudet e enaltece a qualidade dos companheiros de time sempre que pode, com uma clareza nas palavras que encanta os torcedores nas redes sociais.
— Temos de nos adaptar ao lugar que estamos. E de fato, se acostumar com o que é bom é muito fácil. A estrutura que o Inter tem para trabalhar e jogar, e uma torcida dessas, é muito fácil. Dá o maior orgulho de estar ali e poder representar esse clube — declarou o jogador, no Papo Gre-Nal de junho.