Confusões, pancadaria e bombas de efeito moral fazem parte da rotina da Praça Itália, no centro de Santiago, desde outubro de 2019. Em tese, este não seria o melhor lugar para um estabelecimento comercial funcionar. No entanto, os proprietários do bar Amadeus fazem questão de manter as portas abertas, mesmo durante os momentos de maior tensão. Como o local fica em frente ao palco dos conflitos, os funcionários oferecem abrigo aos feridos durante os confrontos com a polícia e distribuem água às vítimas dos efeitos do gás lacrimogêneo.
— Nós sempre mantemos as portas abertas porque os manifestantes são muito respeitosos conosco. Somos parte da comunidade e devemos oferecer um serviço. Se alguém quiser comer, beber ou ir ao banheiro, devemos estar abertos. Às vezes, aparece alguém precisando de ajuda, com dor nos olhos ou com dificuldade para respirar por causa do gás da polícia. Aí nós sempre ajudamos — conta a administradora do bar, Karen Alfaro, 50 anos.
A reportagem de GaúchaZH passeou por cerca de 40 minutos pela Praça Itália. Naquele momento, não havia protestos. No entanto, chamava atenção o alto número de pichações, com frases contra o presidente Sebastián Piñera, contra a polícia chilena e com pedidos de uma nova constituição. O Amadeus era o único estabelecimento aberto na região. E é assim mesmo quando ocorrem confrontos violentos.
— Sim, a gente abre sempre. Só quando tem um corre-corre com muita gente e com muitos Carabineros (principal força policial do Chile) há risco. Aí nós baixamos a cortina. Mas sempre deixamos alguém na porta observando. Aí, quando algum manifestante precisa de ajuda, abrimos a porta para acolhê-lo — completa Karen.
Antes dos protestos, os manifestantes costumam tomar cerveja e se alimentar no Amadeus. Além de prestar um serviço e oferecer ajuda aos chilenos que vão às ruas, o bar apoia politicamente os atos contra o governo e contra o sistema social vigente no país.
— Apoiamos sim. No Chile, há pouca gente com muito dinheiro e muita gente com pouco dinheiro. Vejo que o governo se foca em reprimir e não em fazer propostas para atender as necessidades do povo — opina a administradora do bar.
Os atendentes, em sua maioria, também apoiam as manifestantes. O garçom Carlos Tapia, 30 anos, reclama das más condições de saúde para os chilenos mais pobres.
— O Chile é um dos países mais desiguais. Há muita diferença entre a qualidade da saúde privada e dos serviços dos hospitais públicos. Na semana passada, por exemplo, durante uma cirurgia neurológica, faltou luz e os médicos tiveram que realizar o procedimento com a ajuda das lanternas dos celulares. Fatos como esse nos incomodam. As reformas realizadas nos últimos três meses não foram suficientes para atender o que o povo pede — protesta Camilo, se referindo a um episódio ocorrido no dia 23 de janeiro, no Hospital Barros Luco, no bairro San Miguel, fato amplamente condenado pelo Conselho de Medicina chileno.
Os protestos na Praça Itália costumam ser quase diários em Santiago, embora os atos mais violentos costumem ocorrer às sextas e aos sábados. Mesmo assim, o Amadeus promete seguir com as portas abertas, acolhendo os feridos e apoiando as manifestações, consolidando-se como "o bar da resistência" para os chilenos insatisfeitos com o governo e com o sistema social do país.