A gestão democrática é uma das principais marcas do trabalho de Zé Ricardo no Inter. Uma semana após assumir o cargo, o treinador chama atenção pelo diálogo com jogadores e membros da comissão técnica e pelas decisões tomadas em colegiado. Além de ouvir todos os assistentes antes de definir algo, o comandante dá liberdade para os jogadores falarem o que pensam. Inclusive para criticar.
— Ele é um cara muito gente boa e muito simples. Isso me chamou atenção. Não tem nada ruim para ele. O que a gente achar ruim, pode falar que ele vai levar numa boa. Essa transparência ajuda bastante porque a gente sente a liberdade de falar o que pensa. E vice-versa — revela o jovem lateral-direito Heitor.
Nos treinos, Zé Ricardo interage com os atletas e dá várias instruções ao pé do ouvido. Ao final da atividade da última segunda (28), o técnico elogiou os atletas pelo desempenho.
— Excelente trabalho, rapaziada. Treino muito bem aproveitado. Muito bom — exclamou, logo após apitar o fim do treinamento.
Neste mesmo dia, depois que todos os jogadores já tinham deixado o gramado do CT do Parque Gigante, o treinador chamou os seus sete auxiliares para uma conversa no centro do campo. Estavam na roda os assistentes Cléber dos Santos, Ricardo Colbachini e Caíco, os preparadores físicos Cristiano Nunes e André Volpe e os preparadores de goleiros Daniel Pavan e Durgue Vidal.
A reunião no campo, que durou cerca de 15 minutos, não teve nenhuma pauta bombástica. Zé Ricardo queria apenas ouvir da sua equipe as impressões de cada um sobre o treino que tinha acabado de terminar. A conversa foi no gramado, logo após o treino, para que cada um já tivesse as suas observações na ponta da língua. Pessoas que frequentam o vestiário do Inter relatam que o técnico valoriza muito o trabalho de todos os integrantes da comissão técnica e que nenhuma decisão é tomada sem que o comandante escute os seus auxiliares.
— O Zé Ricardo sempre gosta de reunir a comissão e ouvir as percepções de todos. Ele dá muita abertura para toda a equipe e gosta de ouvir todo mundo. Não toma nenhuma decisão sem conversar com os seus assistentes — relata um profissional do vestiário do Inter.
Nessa primeira semana de trabalho, o treinador tem vivido intensamente a rotina do clube. Mesmo com os treinos marcados para o turno da tarde, o profissional chega ao CT às 9h da manhã e só vai embora perto das 20h. Além de planejar as atividades e conversar com jogadores e assistentes, o técnico dialoga com os analistas de desempenho e assiste bastante a vídeos de treinamentos e de jogos do Inter e dos adversários.
— Ele é um cara que trabalha bem a gestão do grupo e que sempre teve bons treinos. Está engajando todos no clube, principalmente o pessoal da comissão técnica permanente. Ele realmente ouve todo mundo, até porque a necessidade dele é essa. Afinal, chegou agora e tem um calendário com um jogo atrás do outro. Mas a decisão final é dele. Ele vai ouvir todos, mas vai tomar a decisão que achar melhor para o time — explica o diretor-executivo de futebol do Inter, Rodrigo Caetano, que foi responsável por efetivar Zé Ricardo como técnico do Flamengo, em 2016.
Ele é um cara que trabalha bem a gestão do grupo e que sempre teve bons treinos. Está engajando todos no clube, principalmente o pessoal da comissão técnica permanente"
RODRIGO CAETANO
diretor-executivo do Inter
Para facilitar o diálogo com o grupo, o treinador conta com dois homens de confiança: o volante Rodrigo Lindoso e o atacante Paolo Guerrero, que trabalharam com o técnico, no Botafogo e no Flamengo, respectivamente.
— Com certeza estou ajudando o Zé na comunicação com os demais atletas. Sou até um pouco chato, porque eu falo muito dentro de campo. Mas é importante trocar ideias sempre para evoluir. Esses pontos foram importantes para a chegada do Zé. Ele já me tinha como alguém de confiança no Botafogo — relembra Rodrigo Lindoso.
Taticamente, o ponto que mais chama atenção nesta primeira semana de trabalho é a ofensividade do time. Já na estreia, na vitória por 3 a 2 sobre o Bahia fora de casa, Zé Ricardo desmanchou o tripé de volantes, marca do esquema do antecessor Odair Hellmann, e adotou o esquema 4-2-3-1, com quatro jogadores de vocação ofensiva. Por conta desta estratégia, os atacantes Wellington Silva e Guilherme Parede ganharam espaço com o novo comandante, devido à velocidade na jogada pelos lados. Um dos objetivos é abastecer melhor o centroavante Paolo Guerrero.
— Desde o primeiro contato, eu já pensava em aproveitar ao máximo o Guerrero. É um artilheiro de nível internacional. Teve uma grande atuação, além dos dois gols, o que passa para ele uma confiança ainda maior — elogiou o técnico, logo após a vitória em Salvador.
No entanto, a ofensividade é a única alteração mais expressiva. O treinador deixou claro para o grupo que não pretende fazer mudanças bruscas no modelo de jogo da equipe. Primeiro, porque entende não haver tempo para isso. Segundo, pois considera positivo o legado deixado por Odair.
— A gente pegou uma herança bem organizada pelo Odair e pelo (auxiliar) Maurício Dulac. Vamos dar sequência a isso. Vamos dar continuidade àquilo que o Inter já tem e alimentar a equipe com mais ferramentas. De qualquer forma, não tem como fazer mais coisa em poucos dias de trabalho. O Colbachini e o Caíco me ajudaram muito. Os atletas se entregaram demais, sabem do tamanho do Inter, e eles merecem coisas boas ao final da competição — completou o treinador.
Como só disputou um jogo pelo Inter até agora, Zé Ricardo ainda não mostrou todo o seu repertório. Conhecedor do trabalho do comandante desde a época do Botafogo, Rodrigo Lindoso alerta que o treinador costuma montar a estratégia de acordo com o adversário.
— Ele nos comentou que não vai fazer grandes mudanças (na forma de jogar da equipe), mas já dá para ver bastante coisa. Ele gosta sempre de jogar (com a bola) e monta uma estratégia em cima de cada jogo — explica o volante.
Alçado à titularidade por Odair Hellmann, o lateral Heitor afirma que o novo treinador lhe pediu um cuidado maior do ponto de vista defensivo.
— Em três dias, não tem como mudar muita coisa. Ele só pediu para eu jogar mais por dentro, ao lado do Lindoso, em alguns momentos do jogo. E também me passou para primeiro defender e depois atacar — disse o lateral.
No jogo contra o Athletico-PR, nesta quinta (31), Zé Ricardo terá a segunda oportunidade para mostrar as suas ideias. Ainda nesta semana, o treinador terá o desafio de disputar o primeiro Gre-Nal na carreira, no domingo (3). Com pouco tempo para treinar a equipe entre os dois jogos, o comandante apostará bastante na conversa, seja com os jogadores, seja com os demais membros da comissão técnica. E sempre com democracia.
Quem ganhou pontos:
Guilherme Parede
Contestado em vários momentos da temporada, o atacante foi beneficiado com a mudança de esquema. Sua qualidade pelos lados cativou o treinador para atuar na ponta direita, como titular.
Wellington Silva
Arma secreta para o segundo tempo na maioria dos jogos com Odair Hellmann, virou titular com Zé Ricardo, também por conta da velocidade e da intensidade na ponta esquerda.
Neilton
Desbancou Nico López na hierarquia dos atacantes, especialmente pela sua capacidade de atuar como meia-atacante centralizado, posição onde Zé Ricardo quer utilizá-lo cada vez mais. Mesmo que seja reserva de D'Alessandro, deve ser presença constante no segundo tempo dos jogos.
Quem perdeu pontos
Nico López
Titular absoluto no início do ano, larga em desvantagem em relação aos concorrentes da posição no início do trabalho de Zé Ricardo. Nos lados do campo, está atrás de Guilherme Parede e Wellington Silva. Pelo centro, foi ultrapassado por Neilton. Contra o Bahia, ficou no banco e sequer entrou no segundo tempo.
Incógnita
Patrick
Como estava suspenso na estreia de Zé Ricardo, ainda não há a certeza de como será o seu aproveitamento. No entanto, com o fim do tripé de marcadores, tende a perder espaço. A dúvida é se vai brigar posição com Edenilson, como volante, ou com Wellington Silva, como meia pela esquerda.