É impossível mensurar a importância de Rodrigo Caetano para a campanha do Inter, de terceiro lugar no Brasileirão. Mas uma coisa é clara: desde a primeira entrevista, o executivo de futebol contratado com pompa de de reforço mudou o discurso. O clube que se reconstruía depois da queda daria lugar ao clube que havia conquistado quase todos os títulos possíveis poucos anos antes do tombo. Com a vaga para a Libertadores garantida, o desafio do dirigente é enorme: ajudar a montar, equilibrar e gerir um time forte, que esteja pronto para ser protagonista em uma temporada que se anuncia com mais de 70 partidas e conciliar tudo com as demais funções do cargo, como organizar a missão de cada um no clube, aproximar a categoria de base do profissional e determinar os processos.
Antes de viajar para Curitiba, onde, às 17h de domingo, um time reserva do Inter encerra 2018 mirando a maior pontuação de sua história contra o Paraná, o executivo de futebol recebeu GaúchaZH. Veja os principais temas.
Permanência
"Tudo indica que fico. Claro que eu quero cumprir meu contrato (até o final de 2019), me propus a cumprir. Meu cargo, lamentavelmente, até não falo por mim, mas está oscilando como o dos treinadores. Pensam que a função de executivo é contratar e demitir. Não é. Envolve gestão, mercado, liderança."
Contato com a oposição
"Tive só antes de vir pra cá. Eles me convidaram para ir em um evento deles, recém tinha saído do Flamengo. Não tinha nenhum vínculo. Agora, depois de contratado, não conversamos."
Propostas
"Não gostaria de falar de A, B ou C. É uma exposição que não é legal para mim e para os outros clubes. O que posso dizer é que algum convite eu tive, não foi especificamente de um determinado clube. Você abre o planejamento do ano e é natural que surjam essas sondagens. Tenho contrato com o Inter. Espero poder cumprir. E foi isso que ficou definido. O presidente (Marcelo Medeiros) e o Roberto (Melo, vice de futebol) falaram comigo, e a ideia é essa. Independentemente do que venha pela frente, quero cumprir o trabalho até 2019."
Resultado
"Cheguei em maio, foi tudo muito rápido. A opção que me fez voltar ao RS foi o convite do Inter. É motivo de orgulho poder voltar ao meu Estado. Trabalhar em um clube que não tinha trabalhado e que divide o Estado foi predominante para a minha decisão. Mas foi o que eu falei antes: a função de executivo é gestão de pessoas, liderança tanto no vestiário quanto na comissão técnica, ser o algodão entre os cristais. Ora tem que ser duro, ora nem tanto. É muita coisa. É melhorar os processos de um clube, sempre evoluir. Óbvio que, quando cheguei, o orçamento, que não era o melhor dos mundos, já estava comprometido. E não mudou nada para o ano que vem. É um desafio gigantesco. Classificar-se para a Libertadores gera expectativa. Não podemos deixar que a expectativa vire frustração. O Inter segue com a saga de reconstrução do clube. Mas de visão, não. Nós podemos estar aqui, com o orçamento pequeno, mas o Inter tem sempre que mirar títulos."
Nico López
"Na verdade, é um trabalho multi e interdisciplinar. Tínhamos um trabalho muito parecido no Flamengo, desenvolver o atleta com todas suas valências. Para isso, precisa de informação. Naquele momento, nos perguntamos: "Quem era o jogador que estava aquém do potencial?". O Nico. O trabalho não foi só meu. Teve envolvimento da nutrição, preparação física, técnica e tática. Cada jogador é um mundo próprio. E a gente precisa fazer esses mundos se conectarem. Nico entrou na minha sala e contei sobre o projeto de pegarmos ele de cobaia, para ele sair do lugar comum e ser protagonista. Ele respondeu que queria demais. E virou pauta, o projeto Nico López. Ele percebeu o que o clube conseguiu aportar recursos nele, não financeiros, mas recursos humanos. Agora, ele diz que quer continuar aqui porque sabe que está em um processo de evolução, e não bateu no topo ainda. E isso é bacana. Ano que vem, serão outros jogadores. Isso não pode ser exceção, tem de ser regra no Inter, transformar jogadores. Já na pré-temporada, vamos fazer novos protocolos para abranger quase a totalidade dos atletas."
Autonomia
"Tive conversas antes da minha chegada sobre o que eu esperava do Inter e o que eles esperavam de mim. Agora, após o término do campeonato, voltamos a conversar. Aqui no sul tem uma forma peculiar de gestão. E eu tenho que me enquadrar. Posso colaborar para que haja uma evolução desse modelo. Sei bem o meu lugar na hierarquia, a quem eu me reporto, como o presidente e o vice. Trabalho como um filtro. Minha função é muito operacional, mas faço questão de fazer parte das decisões estratégicas também, pelas quais vou ser julgado lá na frente. Ser um mero executor não serve. Não é o que eu combinei nem o que eu trabalhei nesses 10 anos. Quero participar das decisões."
Função
"Nossas discussões sobre a montagem de elenco são feitas em várias mãos, que fique claro. Na questão negocial, eu e Roberto tomamos a frente. Na questão característica e perfil de jogadores, dividimos entre mais gente. Formou-se o consenso? Elegemos nossas prioridades. Mas isso é constante. Não é porque chegou dezembro que vamos fazer isso. Os casos de Jonatan Alvez e Guerrero foram assim. Vimos oportunidade e a nossa necessidade."
"Temos conversado direto com ele. Está ansioso para jogar. Viveu aqueles dias de apresentação intensamente aqui. Lamentavelmente, a liminar caiu antes de ele estrear no Inter, sabíamos do risco. Mas ninguém imaginava que no dia seguinte de deixar o Flamengo e ser oficializado no Inter, cairia a liminar. Foi muito ruim, para não dizer outra palavra. Mas não invalida nada do projeto que temos para ele, do que ele vai conseguir colaborar. E também não significa demérito com os que estão aqui, pelo contrário. Temos como objetivo, dar uma equilibrada boa em nível de elenco. Para que, no ano que vem, Odair consiga mexer as peças e que a gente consiga manter nível de performance. Por equilibrar quero dizer ter opções e elevar o sarrafo do nível de qualidade também."
Libertadores
"Tenho experiência de Libertadores com Grêmio, Vasco, Flamengo e Fluminense. Em algumas, chegamos longe, em outras nem tanto. Libertadores é muito peculiar porque são duas competições dentro de uma só. Primeiro tem a fase de grupos, que dá chance para recuperação. Mas ela desenha o mata-mata para depois. Então é erro zero. Na Sul-Americana, mata-mata. No Brasileirão, pontos corridos. Libertadores, não. Tem os dois. Nossa Libertadores começa no sorteio, e já saberemos o nível de exigência. Óbvio que não vamos chegar com o nível de investimento que gostaríamos, e se perguntar para o presidente e para o Melo, vão dizer a mesma coisa. Mas tem uma coisa que não podemos mais voltar atrás: carregamos uma camisa pesada, uma história do Inter. E vamos ter que carregar isso, de ser protagonista, passar pela fase de grupos, pelas oitavas. Vamos chegar com responsabilidade. Mas não me assusta. Prefiro assim, do que chegar aos trancos barrancos. Lideramos o Brasileirão, ficamos em terceiro. E temos que ir daí para mais."
Grupo atual
"Quando cheguei, fiz a avaliação do grupo, considerei de muito bom nível para o cenário que estava aparecendo. O primeiro semestre não foi bom, foi aquém do tamanho do Inter. Foi a isso que me referi. O Inter precisava mirar coisas maiores e o pessoal incorporou o espírito. Quando falo sobre o terceiro lugar, o que talvez tenha permitido a vaga direta foi que, durante a competição miramos o primeiro lugar. Foram meses de muita dificuldade, reconstrução, dificuldade, crítica e até violência. Não vivi isso. Mas conheço a história do Inter e temos obrigação de mirar isso. Isso não me assusta. Estar no Inter põe isso no pacote. Fica uma pontinha de frustração é que fizemos pontuação de campeão, regularidade. Fizemos tudo. Mas dois fizeram mais do que a gente, e isso machuca um pouco."
Diferença de trabalho
"Ainda é cedo para essa comparação, nos demais fiquei mais tempo. Conseguimos montar alguns processos e deixar alguns modelos, delimitar funções, conectar com categorias de base. Mas aqui consegui um bom relacionamento e um bom entendimento com a direção e mostrar o que o executivo precisa ter de alçada."
Base
"A Double Pass está fazendo relatório da visita, estivemos com o dono da empresa, que está motivado com o avanço. Eles vieram doutrinar o trabalho, criar uma disciplina, que é uma coisa que falta no Brasil. Disciplinar processo, escrever, documentar. Temos autossuficiência de achar que sabemos de tudo. Aquela história de descobrir jogador no olho... Não, eles vêm aqui para melhorar nossos processos. No nosso desafio é ter um terço do elenco de jogadores formados no clube. Se você aqui não abastecer com jogadores de bom nível, temos problemas. Temos de formar bem para os jogadores chegarem com condições de preencher as lacunas. Deixar jogadores prontos para o time titular. Aqui, dentre os que temos como objetivo, identificamos aqueles que estão preparados para o futebol profissional. Não impede que eles possam ser emprestados e retornar depois, ou voltar para a base. Nossa ideia é ter jogadores cada vez mais jovens. Quero ter uma joia de 17 anos. O futebol mundial caminha para isso. O que gera uma grande venda: um jogador afirmado ou a perspectiva? Os grandes clubes europeus disputam a esperança. Foi o caso do Vinícius Júnior, do Flamengo. Houve um aumento de oferta para não perder para o adversário. E isso só ocorre na promessa. O jogador consagrado dá retorno técnico, mas não financeiro."
Ele foi identificado como um dos destaques da Copa Ipiranga sub-20, e o Inter tirou todas as informações. É difícil o prognóstico porque ele teve um caso atípico, muito tempo sem jogar por causa do término de contrato. Hoje ele é um meia-armador como poucos, que se adapta ao futebol brasileiro e à questão competitiva. Espero que ele tenha sequência no Estadual para confirmar aquilo que esperamos."
"Tenho uma ótima relação com o D'Ale. Ele colabora demais no campo e também fora. É um líder positivo, profissional que cumpre com tudo o que o clube determina, entende a hierarquia e como qualquer atleta, gosta de transparência. Fui jogador e gostava que fosse assim. Então, seguimos. Ele dá exemplo para os mais jovens. Até onde ele vai? Até onde a saúde permitir. Ele se cuida muito, tem qualidade técnica inquestionável. Vai dele identificar esse momento, ver para onde vai depois. Tem perfil para ser executivo ou para técnico. Vai saber tomar a decisão na hora certa. Por enquanto, prefiro ele no campo. O dia que ele quiser mudar de lado e quiser ver comigo, está convidado. Até para ele ver: 'Opa, aqui tem problema demais' (risos). Quando cheguei, ele estava machucado. Mas sabe qual foi a grande virada de chave? O entendimento dele que a colaboração precisa ser no ápice da condição. Entendeu que no começo entrava cinco, 10 minutos. Depois, com mais condição e confiança, aumentou o tempo e até jogou toda a partida. Fora de campo, a gestão dele dá problema zero. Quando estabelece relação transparente, acaba qualquer coisa."
Grupo de jogadores
"Vamos ter um perfil de contratações para disputar titularidade, não sabermos se vamos perder algum jogador por mercado ou necessidade. Estamos conversando sobre todos os que estão terminando contrato. Não quero falar em número, mas em perfil. O mundo ideal seria definir tudo antes de virar o ano, mas não tem como. Até porque venderemos alguém para poder pagar contas e precisamos de criatividade para contratar e dar uma equilibrada no grupo. Até porque, tira a fase de grupos da Libertadores, o Estadual e algumas rodadas do Brasileirão, o resto da temporada é no segundo semestre, mata-matas, Copa do Brasil. Tudo se concentra nesse período. É muito pesado. Em 2017, o Flamengo foi eliminado na Libertadores e engatou a Sul-Americana, foram 84 jogos. Precisaremos ter a coragem de, em alguns jogos, tirar alguns atletas e recuperá-los."
Odair
"O que me surpreendeu foi a questão técnica, conteúdo, treinamentos, liderar do seu jeito, tomar decisões. A comissão técnica é muito capacitada. Já tinha trabalhado com o Cristiano (Nunes, preparador físico) no Fluminense, e os outros conhecia como adversário. A continuidade do Odair é boa para o Inter e é boa para ele. Ele é importante para o Inter, e o Inter é importante para ele. A sequência do trabalho dele só traz benefícios. Ele tem bastante conteúdo. Essa direção do Inter forjou um novo profissional brilhante para o mercado.