Emerson Santos é uma figura singular. Quando o camisa 20 do Inter entrar em campo neste domingo, às 16h, para enfrentar o Vitória no Beira-Rio, saiba, torcedor, que ali está um vencedor. Substituto do lesionado Rodrigo Moledo, o fluminense de 23 anos atuará ao lado do argentino Víctor Cuesta. Será o segundo jogo da dupla. Ainda não sofreram gol juntos - enfrentaram Botafogo e Cruzeiro. Mas não é nada disso que torna Emerson Raymundo Santos especial. A história do zagueiro colorado é bem melhor.
Primogênito de uma família pobre da cidade de Visconde de Itaboraí - localizada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, distante 45 quilômetros da capital -, Emerson nasceu em 5 de abril de 1995, um dia depois de o Inter cumprir 86 anos de fundação, e no ano em que Carlos Gamarra era o titular da zaga colorada. Assim como boa parte da gurizada Brasil afora, Emerson sonhava jogar bola. Começou brincando em um time local até que, quase aos 15 anos de idade, foi visto por um olheiro e convidado a tentar vaga na base do Botafogo. Topou o desafio. Mas, para jogar bola, sacrifícios viriam pela frente. O primeiro deles: viajar de Itaboraí até Marechal Hermes, zona norte do Rio, onde a molecada do Botafogo treinava. Sim, esse foi o primeiro grande desafio para o guri encabulado e que tinha dificuldade de se expressar por causa da enorme timidez. Quase 90 intermináveis quilômetros separam a zona rural de Itaboraí, onde Emerson morava, até o CT. Com os treinos se iniciando às 8h.
- Acordava todos os dia às 3h30min da manhã. Precisava pegar um ônibus até o centro de Itaboraí, depois outro para a Central do Brasil, no Rio, e, de lá, um trem para Marechal Hermes. É um trajeto de três horas de viagem. Mas, como o primeiro ônibus para o Rio só saía às 5h30min, eu sempre chegava atrasado aos treinos - conta o zagueiro do Inter.
Para defender o Botafogo, Emerson Santos não recebia salário ou ajuda de custo. Tinha de bancar as passagens e o café da manhã. Muitas vezes, o dinheiro dos pais, Solange e Edmilson, não era o suficiente para a ida e a volta.
- Precisava pedir ajuda aos amigos, aos vizinhos, para conseguir dinheiro e ir treinar. Quando o treino era em dois períodos, eu voltava para casa somente à noite. Aí, era jantar e dormir um pouquinho para acordar às 3h30min de novo e recomeçar. A base jogava muitas vezes às 8h. Nesses dias, eu precisava estar no CT às 6h. Nesses casos, precisava pedir para dormir na casa de algum colega que morasse no Rio. Caso contrário, não conseguiria chegar para os jogos - recorda ele. - Muito diziam para eu voltar a estudar, largar o futebol, que não iria conseguir ir a lugar algum. Mas resolvi insistir, queria isso para a minha vida, lutei para jogar futebol - acrescenta Emerson.
E assim se foram os primeiros quatro anos de Botafogo. Em 2014, o então capitão dos juniores passou a treinar com o time de cima. Convivia com o grupo principal do Botafogo e "descia" para jogar pela base. Isso até a metade da temporada. Em um exame de rotina, se descobriu que Emerson tinha um problema no coração. Uma arritmia, aos 19 anos, surgia como o mais perigoso dos atacantes na vida do novato zagueiro botafoguense. Com graves problemas financeiros, o Botafogo não tinha como bancar a cirurgia de Emerson Santos naquele momento. O clube o afastou dos treinos e, de junho a setembro daquele ano, o jogador ficou em casa. Até que foi chamado no fim do mês para a operação cardíaca.
- Acabou. Acabou. Não vou mais poder jogar futebol. Foi só o que pensei quando soube do problema no coração. Os médicos me pediram para ter calma, que primeiro precisaríamos pensar na cirurgia, para depois saber o que iria acontecer - recorda o zagueiro. - Durante a cirurgia, o médico descobriu um segundo problema no meu coração, e a cirurgia acabou sendo dupla. Fui liberado para voltar a jogar, foi um alívio, nem sabia como comemorar, se me jogava no chão, se pulava... mas passo por exames de rotina todos os anos - diz Emerson.
De volta ao futebol, a temporada 2015 surgia como uma nova esperança na vida de Emerson Santos. Foi indicado pelo então técnico dos juniores do Botafogo, Jair Ventura (hoje treinador do Corinthians), para o time de cima, que então tinha Renê Simões no comando. Com Ventura, chegou a jogar de lateral-direito. Com Renê, foi sempre escalado como "zagueiro-zagueiro". Em 2016, entrou na equipe de Ricardo Gomes e virou titular absoluto. Em um 3 a 3 com o Flamengo, no Maracanã, sob os olhares de Tite, o zagueiro foi elogiado.
- O Emerson é um jogador importante, que está surgindo. Tenho responsabilidade, conversei com Zé Ricardo (então no Flamengo) e Ricardo Gomes. Preciso saber de tudo isso para as próximas convocações - comentou o treinador da Seleção Brasileira, à época.
Mas Emerson não chegou a ser convocado. E, no ano seguinte, em litígio com o Botafogo, Emerson assinou no mês de agosto um pré-contrato com o Palmeiras até dezembro de 2022. A pressa do Palmeiras tinha motivo: uma briga toda local com o Corinthians. Ocorre que o empresário de Emerson, Jaílton Oliveira, percebendo que restavam poucos meses para encerrar o contrato do jogador com o clube carioca, passou a oferecê-lo a diversos clubes. Um dos primeiros, foi o Corinthians.
Emerson Santos chegou a visitar o Parque São Jorge, tirar fotos, e encaminhar o acerto com aquele que seria o futuro campeão brasileiro. Mas como a zaga corintiana estava estruturada e em alta, com Balbuena e Pablo, a assinatura do pré-contrato ficou alinhavada para o final do ano. Com o vizinho acertando com um reforço, mas não assinando um pré-contrato, o Palmeiras tomou a frente, negociou com Oliveira, e contratou o zagueiro. Mas acabou jogando pouco sob o comando de Roger Machado. Em 2018, foram apenas cinco jogos. Um empréstimo ao América-MG chegou a ser alinhavado, mas o Inter surgiu no meio do caminho, com um maior poder de convencimento, além de um empréstimo por um ano e meio - com direito à compra, ao final de 2019.
- Estava esperando uma chance no Palmeiras. Mas, lá, havia cinco zagueiros. Aqui, a quantidade era menor (Danilo Silva estava sendo negociado para o Los Angeles FC). E eu precisava de um ambiente novo, não estava feliz lá. Camilo, Fabiano e Rodrigo (Caetano) falaram muito bem do nosso vestiário. E acertei com o Inter. Estou muito feliz aqui - conta Emerson Santos.
Mas, logo na chegada a Porto Alegre, em julho, um inimigo não tão oculto o assustou.
- Cheguei bem no inverno, era muito frio. Achei que iria ficar doente. A minha mãe (Solange, 41 anos) veio comigo a Porto Alegre, e ela não conseguia sair de casa. De tanto frio que sentia. Foi um período realmente difícil. Fico mais à vontade com o calor, agora já estou me sentindo melhor - brinca o zagueiro.
Jogador técnico, Emerson tem um herói de infância na posição: Juan.
- O Juan, que jogou no Flamengo e que esteve aqui, no Inter. Sempre admirei ele. me espelho nele, dentro e fora de campo - afirma. - E quero ser um exemplo para os meninos de Itaboraí também. Não esqueço as minhas origens - completa.
Com Rodrigo Moledo e Víctor Cuesta formando uma das duplas de zaga mais sólidas do Brasileirão, Emerson recebeu poucas chances. O jogo contra o Vitória será o seu quinto pelo Inter. Nunca perdeu.
- Moledo e Cuesta são lideranças em campo. Estão em grande fase - comenta Emerson.
Neste domingo, ao jogar ao lado de Víctor Cuesta, Emerson Santos, o zagueiro do sorriso tímido, terá a missão de barrar o ataque do Vitória, e ajudar o Inter a buscar outra vez mais a liderança do Campeonato Brasileiro.