Nossos vizinhos de América do Sul adoram chamar alguém de El Loco. É só o cara ter alguma atitude intempestiva que logo se cola o apelido ao nome. Mas Jonatan Alvez, o novo centroavante do Inter, que ainda aguarda liberação burocrática para ficar à disposição de Odair Hellmann, faz por merecer. Seu currículo tem começo difícil, dedicação total, rodagem por países, detenção, problemas de comportamento, badalação, casamento com modelo e, o mais importante para um atacante, gols e mais gols.
Para chegar ao Inter, o primeiro time de Jonatan no Brasil, é preciso retomar o início de sua vida. A começar pelo nascimento: natural de Vichadero, uma localidade de Rivera, o uruguaio não foi brasileiro por poucos quilômetros. A proximidade, inclusive, fez alguns sites confundirem-se, dizendo que ele nasceu do lado de cá da fronteira.
A infância foi complicada. Filho de uma família pobre, precisou ser criado pelos avós, que tinham uma situação financeira um pouco menos desfavorável (por assim dizer) do que os pais. Rodava pelas ruas com uma bola, fazendo gols e brincando sem qualquer luxo. O talento para o futebol o levou a times de base e, aos 14 anos, ganhou apelido de Diamante Negro. Levado pelo Nacional-URU, porém, não se adaptou a Montevidéu àquela altura da adolescência. Acabou no River-URU, ganhou campeonatos divisões inferiores. Saiu de lá, foi para o Boston River. Não conseguia superar as dificuldades de jogar em campeonatos de menor expressão. A situação chegou a um nível tão dramático que pensou em desistir do futebol, contou a jornalista uruguaia Mariana Voetter, que acompanhou o início de sua carreira. Nesse período, para aumentar a renda, lavava carros.
A retomada ocorreu no futebol amador. Pelo Coraceros, marcou 13 gols na Segunda B, uma divisão (muito) inferior. Os números reabriram as portas do profissionalismo, em clubes pequenos — Platense e Torque. Chamou a atenção de Leo Ramos, um técnico então em ascensão que tinha como hobby assistir jogos de divisões menores para garimpar talentos. O hoje treinador do Peñarol confiou nele para ser o atacante do Danubio. E a aposta deu certo: o pequeno time de Montevidéu conquistou o título nacional de 2014.
A consequência dos bons resultados também se assemelha ao que ocorre com quem se destaca no futebol sul-americano. Veio um time europeu, deixou umas moedas e o levou. No caso de Jonatan, quem chegou foi o Vitória de Guimarães. Treinado por Rui Vitória (hoje no Benfica), acabou escalado em 21 jogos, marcando cinco gols. Segundo o repórter Bruno José Ferreira, do portal MaisFutebol, deixou boa impressão:
— Ele só não permaneceu em Portugal por falta de capacidade financeira do clube. Mostrou ser um atacante forte fisicamente e que não dá nenhum lance como perdido. Dadas as suas características, acredito que se possa integrar bem no futebol brasileiro, uma vez que é muito aguerrido e polifuncional.
Fora de campo, se envolveu em uma confusão. De acordo com o site FútbolUy, em dezembro de 2014, ele voltava de uma festa popular quando parou em uma blitz. O bafômetro constatou: estava embriagado. Acabou detido, mas logo liberado.
De volta à América do Sul, foi para a LDU, de Quito. Foram poucas oportunidades e acabou levado ao Barcelona, de Guayaquil. A mudança de cidade foi o grande salto de sua carreira. No futebol equatoriano, viveu seus melhores momentos. Em pouco mais de 70 partidas, marcou 45 gols. Virou ídolo da Febre Amarilla, a maior torcida do país. Enfim, podia mostrar o futebol de diamante negro que havia prometido nas categorias de base. Cabeça, pé direito, pé esquerdo, joelho, peito. A bola batia nele e entrava. Entrou na seleção do campeonato nos dois anos em que esteve por lá. Foi escolhido para os 11 do time ideal da Libertadores do ano passado. Marcou gols em todos os brasileiros que enfrentou — Botafogo, Palmeiras, Santos e Grêmio. O analista David Rosado, da rádio equatoriana CRE, usa os adjetivos "rebelde, efervescente e impulsivo" para descrevê-lo. E isso vale como crítica ou elogio.
Além do caminhão de gols, Jonatan também deixou como marca algumas polêmicas. Estranhou-se com o goleiro do Nacional, em uma partida. Teve uma discussão áspera com o técnico Guillermo Almada. Foi relegado ao time B, mas retornou após pedir desculpas. Foi proibido de deixar o país por dever US$ 12 mil (algo como R$ 40 mil) de pensão a uma mulher que havia conhecido em Quito, de acordo com o site Legion Amarilla.
E, então, conheceu Priscila Madero. Modelo, DJ, popular nas redes sociais, a uruguaia entrou como uma flecha na vida de Loco. Há um ano e meio, começaram a namorar. Seis meses depois, estavam casados, em uma festa que sacudiu as colunas sociais. Não se desgrudaram mais. Foram juntos para a Colômbia. Jonatan havia sido comprado pelo Junior de Barranquilla por US$ 3 milhões. Dividiram momentos felizes, como esse acerto milionário, e os pesadíssimos, como o fim prematuro da gravidez de Priscila.
Ela está acompanhando o marido em Porto Alegre. Prefere manter uma vida discreta, pelo menos antes de ele estrear com a camisa 86, homenagem à avó (lembram da responsável por sua criação?). Mas adiantou que as primeiras impressões do Rio Grande do Sul são as melhores possíveis. Jonatan está mais calmo?
— Me chamam de Loco porque sou assim mesmo. Não gosto de perder. Para todos os clubes que vou, tento ganhar títulos. E aqui vai ser assim — afirmou Jonatan na apresentação.
Na única entrevista que concedeu até agora, falou em português e se mostrou atualizado até nas gírias. Chamou de "top" a recepção que teve da torcida no Aeroporto Salgado Filho. O gesto o deixou balançado.
— Aqui tem tudo o que o jogador quer. Campo bom, companheiro bom, tudo bom. Não tem como o cara estar triste aqui, é estar feliz. Com a maior alegria, me receberam da melhor maneira — declarou.
E o Loco Jonatan costuma reconhecer os clubes que lhe fizeram bem. Tem uma tatuagem na perna com os distintivos do Barcelona-EQU e do Danubio-URU. Assim que a burocracia brasileira permitir, vai começar a tatuar mais um símbolo. E, quem sabe, incluir um U no meio do apelido Loco.