Zeca é um cara de peito. Poucos jogadores topariam o desafio de estrear em um clássico e ainda mais fora de sua posição. Pois a principal contratação do Inter para a temporada encarou a Arena com quase 50 mil gremistas e saiu de lá com um 0 a 0 que garantiu a estabilidade do time e uma semana de paz a Odair Hellmann — pelo menos até a partida contra a Chapecoense.
E fez isso fora de posição. Lateral-esquerdo no Santos, o paranaense de 24 anos recém-completados foi contratado para ser o camisa 2 do Inter e acabou jogando de "5" no Gre-Nal. Nessa segunda-feira, diante da Chapecoense, o começará o jogo do Beira-Rio na direita mesmo, sua posição.
Dentre as várias questões que circundam Zeca, a posição, de fato, é uma das principais. A versatilidade põe dúvida sobre o melhor lugar para atuar. Ele se diz lateral-esquerdo, mas demonstra entusiasmo para jogar na direita e não se negou a ser improvisado no meio no clássico.
— Fomos campeões juntos na lateral direita. Vim para cá para fazer a direita. No Santos, era esquerdo. Tanto faz, na verdade. O que muda é que na esquerda tenho mais possibilidade de drible, mas estou fazendo isso na direita também — explicou Zeca, em entrevista a GaúchaZH após o treino desta sexta-feira.
Muito dessa disposição se deve à relação que tem com o técnico Odair Hellmann, que era auxiliar de Rogério Micale na Olimpíada do Rio, quando o Brasil conquistou sua primeira medalha de ouro com Zeca na lateral direita. Foi a lembrança daquelas atuações que fez o treinador do Inter ligar para o atleta assim que soube do litígio com o Santos. Isso foi em dezembro do ano passado. No contato, o comandante colorado informou ao jogador que contava com ele para o lado direito. E o próprio jogador elogiou Odair pela simplicidade no tratamento e pelo "olho no olho" ao falar com os comandados.
Apesar do interesse antigo, só em abril a negociação foi retomada. E isso se deu graças ao sucesso de Sasha na Vila Belmiro. O imbróglio o tirou dos gramados por praticamente meio ano, e uma das tantas consequências de tanto tempo parado foi afastá-lo de Tite. Se o título olímpico abriu portas na Seleção, a falta de jogos não lhe deu chances para sonhar com a Copa do Mundo. E bem que poderia ter chance: as duas laterais ficaram com vagas em aberto. Na direita, a lesão de Daniel Alves abriu caminho paa Fagner, por exemplo, que atua no futebol brasileiro. Na esquerda, Filipe Luís quase perdeu o posto ao se machucar.
— A Copa do Mundo é um sonho para todo atleta, mas não estou arrependido do que aconteceu lá no Santos, por todas as circunstâncias. Claro que fico pensando como seria se eu estivesse atuando nesses cinco meses, poderia ser visto. Bom, bola pra frente — resigna-se.
Estou me sentindo como um leão há cinco meses em uma jaula. Quero que abram essa porta logo.
ZECA
Lateral do Inter
Por "bola pra frente", Zeca refere-se ao Inter. O jogador mal chegou e é um dos mais entusiasmados para atuar. Antes do Gre-Nal, sua ansiedade era tamanha que chamou a atenção dos companheiros, que lhe pediam calma, tranquilidade.
— Que nada, estou me sentindo como um leão há cinco meses em uma jaula. Quero que abram essa porta logo — foi a resposta.
No clássico, atuou com certa desenvoltura apesar da improvisação e da falta de ritmo. Não se escondeu enquanto esteve em campo nem depois, nos microfones. Antes mesmo de estrear em casa, Zeca já ganhou o respeito dos colorados, ao ser quase uma voz única a se levantar contra as declarações de Renato Portaluppi que, irritado com o 0 a 0 no clássico, chamou o Inter de "time Segunda Divisão", devido à postura adotada na Arena.
— Não sou polêmico. Dei só uma opinião (chamou Renato de hipócrita), é isso o que penso. Não tenho nada pessoal contra ninguém, imagina. Prefiro jogar, dar resposta em campo. Mas falei o que vi — responde.
Para quem pensou que Zeca cansou de treinar, um recado: ele montou uma academia em casa. É quase um vício na atividade física, o que culminou com uma bronca, nos tempos de Santos, pelo excesso de exercícios. Levantar peso e movimentar os músculos se tornaram um passatempo em meio aos filmes e às visitas da família e da namorada, uma estudante de medicina de Sorocaba.
Mas é ao falar do avô que Zeca muda a feição. Seu nome é revelado quando questionado sobre o tanto de tatuagens que cobre seus braços. Entre um Moisés abrindo o mar vermelho e um Jesus Cristo abençoando, o jogador tem escrito no pulso: "Zé Cracco".
Aos 67 anos, José Carlos Cracco é lateral-direito no campeonato do clube e foi seu grande incentivador, de quem herdou o nome e ganhou o Neto depois do sobrenome. Com o avô de espelho, Zeca, enfim, volta à lateral na segunda-feira.