A América já havia sido pintada de azul em 1983, com a conquista inédita da Libertadores pelo Grêmio. Faltava colorir o mundo com as cores do Tricolor. Para se preparar para o maior jogo da história do clube até então, o técnico Valdir Espinosa levou o time para treinar em Gramado, na Serra.
Por lá, ficaram algumas semanas. Era uma espécie de "pré-temporada" antes da partida contra o Hamburgo, da Alemanha, que seria realizada em Tóquio, no Japão. Esse período no Gramado Palace Hotel serviu para o Grêmio fugir de Porto Alegre e da tensão pelo Mundial, mas também para observar o adversário. Mesmo a mais de 10 mil quilômetros de distância, o clube gaúcho pôde olhar seu adversário em campo graças a videoteipes de jogos do Hamburgo.
Na edição de Zero Hora do dia 1º de dezembro de 1983, a capa estampava a seguinte frase: "A dez dias do maior jogo de sua história, o Grêmio estudará hoje como é seu adversário".
Assim, o Tricolor passou a conhecer um pouco melhor o que teria pela frente: um Hamburgo poderoso, que havia vencido naquele mesmo ano a Juventus de Massimo Bonini, Michel Platini e Paolo Rossi na final da Copa dos Campeões da Europa (equivalente à Liga dos Campeões atualmente).
— O Hamburgo era uma grande equipe, atual bicampeão alemão. Mas o grande objetivo deles naquela temporada era conquistar o tri nacional. Por isso, levaram poucos jogadores para o Japão. O foco era outro — recorda o jornalista Claudio Dienstmann, que era repórter de Zero Hora à época e viajou à Alemanha antes do Mundial para acompanhar o rival gremista.
— Não acho que houve arrogância ou desprezo pelo Grêmio da parte deles. Eles sabiam muito pouco sobre o Grêmio, tanto que o roupeiro deles me perguntou qual era a cor do uniforme, para saber com qual camisa eles poderiam jogar — complementa Dienstmann.
Ainda no Brasil, um dia antes de viajar para o maior jogo de sua história, o Grêmio preparou um amistoso contra o Novo Hamburgo, no Estádio Olímpico. Mesmo com o time titular em campo, derrota por 1 a 0, com gol de Guinga logo no início do jogo. Nada que tenha abalado a equipe antes do embarque para o Japão.
— Os jogadores do Grêmio comiam, dormiam e sonhavam com o Mundial. Eles não pensavam outra coisa que não fosse isso. Por isso, aquele jogo contra o Novo Hamburgo não importava. A cabeça estava em outro lugar — defende Darci Filho, que era repórter da Rádio Gaúcha e acompanhou a delegação gremista na viagem ao Japão.
E por falar em viagem ao Japão, o Grêmio embarcou rumo a Tóquio no fim da tarde do dia 5 de dezembro de 1983, uma segunda-feira. Na saída do aeroporto Salgado Filho, um susto: a aeronave precisou parar na pista. Nada grave. Uma criança havia acionado o sistema contra incêndio, o que atrasou o voo gremista.
O avião partiu, primeiro, rumo ao Rio de Janeiro. Neste percurso, uma hora e 45 minutos de viagem. Depois, até Lima, no Peru, outras cinco horas e 25 minutos. A terceira escala foi em Los Angeles, nos Estados Unidos, em que o avião levou mais oito horas 10 minutos. Por fim, a última parada seria Tóquio, depois de mais de 11 horas e 40 minutos. No total, entre avião e espera nas salas de embarque, passaram-se 32 horas entre a partida e chegada, em um percurso de 19.638 quilômetros.
— Não fosse a alegria dos jogadores, seria quase impossível enfrentar uma viagem dessas. Sei que estamos realizando um sacrifício pessoal, especialmente com relação aos meus nervos, mas no final de tudo valerá a pena, descer no Salgado Filho com o título assegurado — disse o técnico Valdir Espinosa na chegada ao país asiático, na madrugada de quarta-feira, dia 7 de dezembro.
Em Tóquio, a equipe ficou hospedada no Prince Hotel. Nos quatro dias que restavam até o jogo, o clube aproveitou para treinar em um estádio próximo ao hotel e, um dia antes da partida, fez o reconhecimento do campo do estádio em que enfrentaria no domingo, 11 de dezembro, o Hamburgo.
Assim, o Grêmio deu meia volta ao mundo e voou para o sonho de pintar o planeta de azul, preto e branco — coincidentemente, as mesmas cores do rival alemão. No fim, todos sabem o que aconteceu. Mas antes dos dois gols de Renato e da vitória por 2 a 1, na prorrogação, os dias tricolores foram de muito preparo, alguns perrengues e foco total no que viria a ser o maior título da história do clube.