Os gremistas mais antigos tiveram a chance de viajar no tempo e reviver com saudosismo as emoções daquele título histórico. Para outros, mais jovens, foi a primeira oportunidade de acompanhar o jogo na íntegra. Em todos eles, o mesmo sentimento de orgulho sentido 37 anos atrás, quando o Grêmio bateu o Peñarol por 2 a 1, no Estádio Olímpico, e alcançou a inédita conquista da América. Foi o que proporcionou a transmissão deste domingo, da final da Libertadores de 1983, pela RBS TV e Rádio Gaúcha.
— Meu filho mais novo não era nascido na época, então eu falei para ele: "Vai ver as bobagens que seu pai fez no jogo para depois criticar" — brincou o goleiro Mazaropi em entrevista à Rádio Gaúcha antes da jornada. — Relembrar é viver. Então, a gente reviveu um momento que foi importante na minha vida profissional, na história do clube e do povo gaúcho — completou.
Até mesmo o Twitter oficial do clube entrou no clima, fazendo publicações minuto a minuto, como se o jogo estivesse sendo disputado em 2020. De fato, foi um jogo repleto de emoções.
Depois de empatar por 1 a 1 em Montevidéu, seis dias antes, o Tricolor precisava de uma vitória simples, diante de 70 mil torcedores, para ficar com a taça naquela noite de 28 de julho. Um novo empate, porém, implicaria na realização de um terceiro jogo, em campo neutro, na Argentina. Por isso, era necessário partir para cima dos uruguaios, então campeões mundiais.
— Eu estava me firmando no time e sofri uma lesão. Peguei no braço do médico e disse que eu tinha que jogar aquela final. Viajei para Montevidéu com algumas dores, mas com a confiança dos companheiros e da comissão técnica consegui estar no jogo. Se eu esperasse pelos médicos, estaria de fora, porque me deram 20 dias para recuperação. Mas eu voltei em uma semana. Mentalmente, sempre fui muito forte — recordou o zagueiro Baidek à RBS TV.
Era preciso ser forte mesmo. No início da partida, os uruguaios tentaram intimidar a equipe gremista com entradas duras, beirando a deslealdade. Aos quatro minutos, por exemplo, o zagueiro Olivera recebeu cartão amarelo depois de atingir o rosto do jovem atacante Renato, de apenas 20 anos de idade.
— Libertadores, naquela época, não tinha como fazer jogo bonito, não. Tinha que colocar o coração na ponta da chuteira. E foi um jogo pegado, teve lances bastante fortes e não dava para afinar. Hoje você pega os detalhes. Está teoricamente mais fácil — recordou Mazaropi.
Apesar da situação, o Tricolor se impôs e não deixou o Peñarol passar do meio-campo. Por pouco, inclusive, Tarciso não abriu o marcador de cabeça, completando cruzamento de Renato. Mas a torcida tricolor não tardaria em gritar gol. Aos 10, Osvaldo foi lançado pela esquerda e escorou rasteiro para dentro da área onde, de carrinho, o centroavante Caio empurrou para o fundo das redes: 1 a 0.
Mesmo em vantagem, o Tricolor seguiu em cima e, cinco minutos depois, quase ampliou o placar quando o goleiro Fernández afastou escanteio de soco. A bola caiu no pé do lateral Paulo Roberto, que arrematou de longe, tirando tinta do travessão.
Aos poucos, o Peñarol foi chegando com cada vez mais perigo, mesmo que sem finalizações à meta tricolor. O Grêmio, por sua vez, tentava reagir acionando a força e velocidade de Renato pela direita. Mas foi do outro lado, com Tarciso, que criou a melhor chance antes do intervalo. Entretanto, o veterano atacante parou nas mãos do goleiro.
— Eram jogadores ofensivos, mas também recuavam muito para ajudar na marcação. Era uma equipe que sabia se defender e, lá na frente, tinha estes três jogadores excepcionais — comentou o volante China, no intervalo da transmissão da RBS TV, se referindo ao trio formado por Renato, Tarciso e Caio. — Cada um tinha a sua função, era como uma banda.
Apesar deste trabalho em conjunto, os uruguaios criaram dificuldades na volta para a segunda etapa. O jogo começou a ficar nervoso ainda quando os comandados de Valdir Espinosa ficaram com um atleta a menos, depois que Tita teve de ser atendido do lado de fora do gramado. Instantes depois, Renato deu entrada violenta por trás de um adversário e recebeu apenas o cartão amarelo.
Espinosa tentou renovar o gás de sua equipe, trocando Caio por César. Porém, foi o Peñarol quem chegou ao gol. Aos 25, Ramos cobrou falta na área tricolor e o artilheiro Fernando Morena subiu mais alto para cabecear para o fundo das redes, deixando tudo igual no marcador.
— Era um dos maiores jogadores do futebol sul-americano. Ele conseguiu, em uma desatenção nossa, marcar o gol. Mas aos 30 e poucos minutos, eu levantei ele porque nós não poderíamos deixar de conquistar este título. Ele jamais vai esquecer essa chegada minha — brincou Baidek.
Inflamado, o time do Uruguai foi para cima e, não fosse uma saída de Mazaropi nos pés de Morena, o destino poderia ter sido outro. Naquele momento, a Libertadores seria decidida em um terceiro jogo, eis que surge o lance redentor. Aos 35, Renato parecia encurralado na bandeirinha de escanteio, mas, cercado por dois marcadores, levantou a bola e chutou forte para dentro da área. Na segunda trave, César mergulhou de peixinho, colocando o Grêmio na frente outra vez e fazendo o Olímpico explodir em êxtase.
Os últimos minutos ainda foram repletos de jogadas violentas de ambas as partes e muito bate-boca. Depois de agredir o goleiro Mazaropi, Venâncio Ramos foi expulso. Na mesma confusão, Renato também recebeu o cartão vermelho. Na saída de campo, ainda provocou os uruguaios apontando o placar do jogo com os dedos: 2 a 1. Ninguém mais tiraria a taça do Tricolor.
Ficha técnica:
Libertadores — jogo de volta da final
Data: 28/07/1983
GRÊMIO (2)
Mazaropi; Paulo Roberto, Baidek, De León e Casemiro; China, Osvaldo e Tita; Renato, Tarciso e Caio (César, aos 18’/2ºT).
Técnico: Valdir Espinosa
PEÑAROL (1)
Gustavo Fernández; Néstor Montelongo, Walter Olivera, Nélson Gutiérrez e Diogo Silva; Miguel Bossio, Mario Saralegui, José Zalazar e Venâncio Ramos; Walkir Silva (Miguel Peirano, aos 18’/2ºT) e Fernando Morena.
Técnico: Hugo Bangulo
Gols: Caio, aos 10 minutos do primeiro tempo; Morena, aos 25, e César, aos 32 minutos do segundo tempo.
Cartões amarelos: Paulo Roberto, Tita e Renato (G); Olivera, Saralegui, Ramos e Morena (P).
Cartões vermelhos: Renato e Ramos.
Local: Estádio Olímpico, em Porto Alegre (RS)
Arbitragem: Edison Pérez, auxiliado por Enrique Labo Revoredo e Carlos Montalvan (trio peruano).
Público: 73.093 pessoas
Renda: Cr$ 110.551.500