Correção: Léo Moura nasceu em Niterói, no Rio de Janeiro, e não em Linhares, no Espírito Santo, como publicado entre 9h de 21 de setembro e 10h de 22 de setembro. O texto já foi corrigido.
A idade não assusta Léo Moura. Mesmo que o futebol de hoje tenha transformado alguns jogadores quase em gladiadores e a força física, por vezes, seja um atributo mais valorizado do que a técnica. Por isso, não é preciso abordar com melindre o fato de que, exatamente dentro de um mês, o lateral-direito do Grêmio chegará aos 40 anos, uma fase em que a maioria dos seus colegas de profissão já se aposentou. Quando perguntam ao jogador nascido em Niterói quando ele irá virar quarentão, a resposta vem rápida, quase como um certificado de qualidade:
— É agora. Dia 23 de outubro. Junto com Pelé...
Nesta entrevista, concedida sexta-feira a Zero Hora, à beira do gramado do CT Luiz Carvalho, Léo Moura fala sobre o tempo que ainda lhe resta de carreira, a crise de bons laterais-direitos no futebol brasileiro, o sonho de conquistar o tetra da Libertadores e voltar aos Emirados Árabes para a revanche com o Real Madrid, a obsessão pelo cruzamento cada vez mais qualificado e, claro, de Renato Portaluppi. Neste domingo, cumprindo o rodízio acertado com o técnico, ele volta ao time, em lugar de Leonardo Gomes, na partida contra o Ceará, na Arena.
Qual a sensação de chegar aos 40 anos?
Estou feliz, bem, ansioso para completar os 40. É um número bacana. Sou uma pessoa que está bem na família, no trabalho. É um número positivo, ainda mais estando dentro do futebol. Fico feliz de chegar a essa marca. Mas tenho algumas metas ainda. Vou no espaço do Zé Roberto. É um cara que sempre tive como referência. Acho que ele poderia estar jogando até hoje, por tudo o que fez na carreira. Procuro seguir na mesma linha.
Serão mais dois anos de carreira, então?
Ele (Zé Roberto) foi a 42. Essa é a minha meta. Mais dois anos, acho que está bom. Mas, pelo nível que está, ainda não penso em parar. Ainda tenho muito a colocar dentro de campo.
E esses próximos dois anos serão aqui, no Grêmio?
Quero muito ficar aqui. Meu contrato vai até o final do ano, mas me adaptei muito bem aqui, a família é apaixonada por este lugar. E a minha intenção, lógico, é ficar aqui no Grêmio. Desde minha chegada, sempre fui tratado com o maior carinho e respeito por todos aqui, pela torcida aí na rua. Isso me faz ter mais vontade de permanecer aqui.
Já abriu as negociações para renovar contrato?
Começamos a falar, mas está bem no início ainda. Fico por fora disso. Sempre procurei me fixar no campo. Vai pela diretoria, treinador. O que eles decidirem, está bem decidido.
Dizem que, com o passar do tempo, o lateral vai virando armador. Em campo, percebe-se que você já faz isso. Mas, na sua cabeça, a preferência é encerrar a carreira como lateral?
Sim. Esta é uma posição em que gosto muito de jogar. Não vejo dificuldade em jogar ali. Até porque hoje se joga muito com uma linha de quatro atrás. Se joga com pontas de novo. O lateral vai uma hora ou outra. Quando vai, tem que ir com muita qualidade e eficiência. Sou um cara que se cuida bastante. Quando encerrar, quero encerrar na lateral. A gente vai mais nos atalhos. Quando chego ao fundo, procuro fazer jogadas, passes, que vão resultar em gol. Renato sempre: diz não precisa ir muito. Quando for, tem que ser com qualidade.
Ainda existe a obsessão em melhorar cada vez mais os cruzamentos?
Claro. Eu me cobro muito. Sempre, depois dos jogos, procuro ver o que fiz de errado, ou de positivo, para acertar nos próximos, se me precipitei num passe ou cruzamento. Procuro sempre olhar isso para ser mais eficiente no próximo jogo.
Você assiste ao vídeo dos jogos no mesmo dia?
Vou para casa e, quando passa o videotape, procuro assistir com a cabeça mais tranquila, mais concentrado em ver o que aconteceu no jogo.
Qual lateral faz melhor essa tarefa de chegar à frente?
Daniel Alves é um cara que faz muito bem isso. Um menino que gosto muito de ver jogando e vai crescer ainda é o Gilberto, do Fluminense. Tem características que eu gosto. Aqui no Brasil, a lateral-direita ainda tem alguma deficiência. Tem o Fagner, mas ele joga mais defensivo, mais por dentro.
Historicamente, o Brasil sempre formou grandes laterais-direitos. Esta posição está em crise?
Está. Não há muitos laterais que o cara possa olhar e lembrar dos laterais antigos. A safra diminuiu um pouco.
Por que?
É difícil falar o porquê. É uma posição tão simples e fácil de jogar, você está sempre vendo o jogo de frente. A formação da base tem dificultado um pouco. Hoje, como falei, se joga muito na linha de quatro. Às vezes, tem zagueiro jogando de lateral. Não se formam mais laterais como antigamente. Eu sou fã de Jorginho (ex-Flamengo), sempre o admirei. Leandro (ex-Flamengo) eu vi pouco, mas também era referência. Paulo Roberto (ex-Grêmio) ... Sempre houve grandes laterais. Agora, está faltando um pouco.
Por isso que você não pretende parar antes dos 42...
Com certeza (risos). Eu fiz ao contrário. Eu comecei no meio-campo. Com Paulo Autuori é que fui jogar como lateral. Por ter jogado fora do país, e ter jogado na ala, como hoje jogam os ponteiros. Quando ele me colocou na lateral, eu gostei, me adaptei, e vi que ali era uma brecha e segui.
O Grêmio conta com essa estrutura?
Tem. O Grêmio não deve nada a outros grandes clubes. Tudo o que o jogador precisa tem de muita qualidade. Desde a nutrição, fisiologia, clube dá todo o suporte para o jogador entrar dentro de campo e desempenhar o melhor.
Lembro que, em sua chegada, você disse que iria em busca da Libertadores, o único título que ainda lhe faltava ...
Agora, não falta mais. Mas, falta o Mundial. Agora, vou em busca dele. Muitos não acreditaram quando disse, na chegada, que iria buscar a Libertadores. E a gente conseguiu conquistar. Foi difícil. Mas ficou aquele gostinho de voltar a Abu Dhabi. Estamos tendo a oportunidade. Demos um grande passo para ir à semifinal. O grupo está muito focado em relação a isso.
Equipes fortes, como Boca Juniors e Palmeiras, também estão próximas da semifinal. Está mais difícil ser campeão neste ano do que em 2017?
Está muito mais difícil. São grandes times, acostumados a disputar Libertadores, grandes finais. Então, este ano será um pouco mais difícil.
É possível acreditar que o entrosamento e o padrão tático do Grêmio possam fazer a diferença?
Fica fácil entrar no time do Grêmio e jogar. Os companheiros já sabem onde o outro jogador está. Isso ajuda muito. Esse padrão tático, essa qualidade, é difícil ver em outros times. Nos treinamentos, você vai sabendo onde o outro gosta de estar posicionado. Com a bola rolando, já vai no automático.
Qual o segredo do sucesso do Renato?
Ele é um paizão para a gente. Um cara que passou por tudo no futebol. Sabe como o jogador gosta de ser tratado. Sabe a hora de segurar ou soltar um pouco. Ele tem esse grupo na mão. Acredito que o sucesso se dê por isso. É amigo de todos. Em um grupo de 30 jogadores, alguém sempre estará chateado se não se jogar. Aqui, não se vê isso. Cada um torce por outro. Aqui, a competição é com muita lealdade. O dedo de Renato tem grande parte nisso.
Mas este é o lado gestor. Mas tem o lado treinador, a questão técnica. Ele se aprofunda nessas questões?
Sim. Ele viveu muito ali dentro de campo. Ele fala o que acontece no futebol. Quem entende, não precisa inventar. Futebol não é inventado. Ele procura sempre alertar para os riscos. Às vezes, o jogador está desligado em uma bola parada. As vezes, fica de costas numa falta. Isso faz com que o time fique ligado e faça taticamente o que ele pediu.
É melhor um treinador que fale a linguagem do jogador ou alguém de linguagem mais científica?
Eu acho que na linguagem do boleiro é mais fácil. Lógico, há outros treinadores que não foram grandes jogadores, mas entendem muito também. Mas, quando fala a linguagem da bola, facilita muito mais.
Você compararia Renato a outros treinadores com quem já trabalhou?
Eu trabalhei com grandes treinadores. Autuori, Abel. Ele está nesse celeiro de grandes jogadores que tive na minha carreira.
Quando Renato o escalou no time de reservas contra o Paraná, muitos imaginaram que você havia perdido a titularidade. Isso o incomodou?
Não. Sempre conversamos muito. Tenho muita liberdade com ele. Já tínhamos falado que o jogo na Argentina seria de muito contato físico, pela dificuldade do campo. Optamos por eu jogar contra o Paraná, porque a partida precisaria de experiência, toque de bola. Ele me deixou à vontade. Eu falei que queria jogar este jogo e depois o da volta aqui em casa, que seria mais tranquilo. Eu falei que queria jogar sempre em alto nível. E não tem como eu jogar um jogo muito perto do outro, até pelo desgaste. Quando entro, é para me doar mais de 100%. Sempre fui competitivo demais e, às vezes, o tempo de recuperação é curto. Decidimos que é melhor jogar uma vez por semana para eu poder ajudar no nível máximo.
Sua identificação com o Grêmio já é igual ao Flamengo?
Eu consegui pegar uma grande identificação aqui. Os torcedores viram que não vim aqui a passeio. Vim para ser vencedor, conquistar títulos. Viram que vim para entrar na história do Grêmio. E, com esses títulos, Libertadores, Recopa, eu entrei. E quero conquistar mais no tempo em que estiver aqui.
Daqui a alguns você dirá aos filhos que, tanto quanto o Flamengo, o Grêmio é o seu clube do coração?
Posso dizer que sim. Quando você se identifica com um clube, lógico que o leva no coração e passa a torcer por ele. Quando eu parar de jogar, vou levar o Grêmio dentro do coração. Porque é o clube que abriu as portas para mim, me deu uma Libertadores, que era o título que faltava. Junto com o Flamengo, que era meu time de infância e por tudo o que passei lá.