Não foi muito estimulante para a torcida o discurso de Romildo Bolzan Júnior na noite em que tomou posse para seu primeiro mandato como presidente do Grêmio, em 10 de dezembro de 2014. Com o auditório da Arena lotado, e tendo ao lado Fábio Koff, de quem herdava o cargo, e Milton Camargo, presidente do Conselho Deliberativo, Bolzan usou frases que foram na contramão do sonho de grandes contratações cultivado pela torcida.
— Estamos dispostos a fazer as modificações e tomar as atitudes que o clube precisa. O conceito que vai imperar é o da austeridade. Será uma obstinação — anunciou o novo mandatário, na época ainda com os 43 quilos de sobrepeso que a cirurgia bariátrica se encarregaria de suprimir.
Bolzan havia atuado os dois anos anteriores como um dos vice-presidentes de Koff e tinha exata noção da realidade financeira do Grêmio. Jogadores como Barcos, Zé Roberto, Marcelo Moreno e Dudu inchavam a folha de pagamentos e o déficit mensal se tornava insustentável. Zé Roberto, Dudu e Barcos foram os primeiros a sair, ainda em dezembro.
Moreno despediu-se em fevereiro de 2015. Começou a época da valorização de ativos feitos em casa, como Pedro Rocha, Walace, Luan e Everton. Outra aposta era um jovem goiano chamado Arthur, lançado por Luiz Felipe Scolari, mas uma lesão de joelho impediu que ele vingasse ainda na primeira temporada.
— Era preciso substituir o elenco, sob pena de não podermos mais cumprir os pagamentos. Fizemos a opção pela racionalidade — explica o dirigente.
Contratado em maio de 2015, para o lugar de Luiz Felipe Scolari, o técnico Roger Machado também se encaixou na política da valorização do produto caseiro. Formado como jogador pelo Grêmio, o treinador, hoje no Palmeiras, recém havia se desvinculado do Novo Hamburgo, um dos primeiros clubes em que atuou na casamata.
—Roger tinha muito a ver com a cara do que estávamos fazendo – lembra Bolzan.
Se o discurso de posse, proferido 40 meses atrás, provocou calafrios na torcida e retirou dos gremistas a esperança do fim do longo período sem títulos, hoje, qualquer manifestação feita pelo presidente contará com imediata unanimidade. A perspectiva da conquista do quarto título em menos de um ano e meio, neste domingo, em Pelotas, contra o Brasil, confirma, na prática, o êxito de sua gestão. Um sucesso que também tem como luxuoso protagonista o técnico Renato Portaluppi, que chegaria em setembro de 2016, quando o primeiro mandato de Bolzan chegava ao fim.
Foi preciso preparar com paciência o terreno que levou aos títulos. Bolzan aponta como marco inicial tenha a terceira colocação no Brasileirão de 2015, que classificou o Grêmio para a Libertadores do ano seguinte. A eliminação para o argentino Rosario Central, em dois confrontos em que o time foi amplamente dominado, forçou uma parada para reflexão.
—Aquele foi nosso aprendizado — reconhece Bolzan.
Roger cairia durante o Brasileirão de 2016, vitimado por goleadas para Ponte Preta e Coritiba, e abriu-se, então, o espaço para Renato. Fora do mercado havia dois anos, a contratação do herói do Mundial de Tóquio não deixou de ser uma aposta. O Grêmio acreditava em seu carisma como única forma de reanimar uma equipe qualificada do meio para a frente, mas com uma assustadora insegurança defensiva. Deu certo. Com o novo técnico, vieram o penta da Copa do Brasil, o tri da Libertadores e bi da Recopa Sul-Americana. Renato é hoje o treinador mais valorizado hoje no país.
– A coisa mais difícil para o treinador de futebol é ser o gestor do grupo. Não é fácil lidar com 30 jogadores, tendo que agradá-los. E, depois, precisa entender da parte tática, levar o time para o campo e treinar tudo – diz o treinador, ao explicar a fórmula de seu sucesso.
As conquistas em campo têm reflexo direto nas finanças. Hoje, são 90 mil associados em dia. Em 2017, o Grêmio arrecadou R$ 66 milhões com seu quadro social. A previsão é de um faturamento de R$ 73 milhões no final de 2018. O orçamento, que era de R$ 262 milhões no ano passado, é de R$ 341 milhões no atual.
– Tudo foi facilitado pelos resultados de campo. As mudanças feitas no início não foram para minimizar o clube, mas para adaptá-lo a uma realidade difícil. A paciência da torcida foi importante – reconhece Bolzan.
Um novo desafio poderá se abrir a partir desta segunda-feira. Tudo passa pela decisão a ser anunciada por Renato Portaluppi depois da partida em Pelotas. Caso o treinador não se deixe seduzir pela milionária oferta do Flamengo, será mais fácil dar sequência ao chamado ciclo virtuoso. Bolzan, cuja gestão só se encerrará em dezembro de 2019, espera contar com o técnico para fechar um dos períodos mais vitoriosos da vida do clube.
– O resultado em campo é resultado da estrutura da governança. É elogiável o profissionalismo com que as coisas são levadas adiante. O momento do clube é especial. A saída de Renato seria uma perda extraordinária. Tomara que ele permaneça conosco – projeta Carlos Biedermann, presidente do Conselho Deliberativo, fazendo coro ao pensamento do torcedor no sentido de que a vitoriosa dobradinha que mudou o clube nos últimos três anos não se desfaça.