Uma atleta gaúcha está ajudando algumas das principais jogadoras da Seleção Brasileira a se sentirem em casa na Austrália em meio à Copa do Mundo Feminina. Meio-campista do Brisbane Roars, a caxiense Mariel Hecher, 30 anos, levou a lateral Antônia, a zagueira Rafaelle e as atacantes Debinha e Gabi Nunes para passear por Brisbane e Gold Coast durante um dia de folga do Brasil.
— Eu joguei com a Antônia no futsal em São José dos Campos por quatro anos. A gente dividiu o alojamento, então temos uma boa amizade. Quando eu descobri que ela estava vindo para cá e iria ficar com a Seleção em Gold Coast e em Brisbane, eu mandei uma mensagem para a gente combinar alguma coisa. E ela perguntou se eu poderia levá-la para passear no nosso dia de folga. Obviamente eu aceitei — disse Mariel, em entrevista a GZH, em Brisbane.
O passeio ocorreu no dia 10 de julho, antes do início da Copa, quando a Seleção ainda estava concentrada em Gold Coast, cidade litorânea situada a 78 quilômetros de Brisbane. Como era o único dia de folga previsto para a equipe brasileira, Antônia acabou levando as companheiras Rafaella, Debinha e Gabi Nunes para se divertirem juntas com Mariel.
— Eu as levei no Q1, que é um prédio na Gold Coast e também para conhecer um pouco das praias. Fizemos ainda um passeio de barco pelos canais de Gold Coast, que foi bem legal. E, depois, a Antônia me convidou para assistir a um treino da Seleção. Foi uma experiência sensacional — conta.
Para respeitar o momento de folga das atletas, Mariel procurou não falar muito sobre a Copa do Mundo. Porém, impressionou-se com o foco das jogadoras na conquista do inédito título mundial.
— Eu tentei não fazer muitas perguntas sobre futebol porque eu queria descontraí-las e ajudar a tirar um pouco da pressão. Mas o ambiente entre elas é sensacional. Elas falaram que estão impressionadas com o hotel e que estão bem focadas no objetivo, que é conquistar essa estrela para o Brasil. Elas parecem estar bem confiantes no trabalho, pois têm se preparado bastante nos últimos anos. Um resultado disso foi o futebol que elas jogaram contra o Panamá — completou.
Mariel e Antônia foram companheiras no São José Futsal entre 2012 e 2015. Segundo a gaúcha, a experiência no salão acaba ajudando a lateral da Seleção a jogar com pouco espaço, quando a marcação adversária é mais acirrada.
— O futsal facilita na velocidade para a tomada de decisão e para a atleta sair de espaços mais apertados. A Antônia é muito boa em procurar o espaço e fazer as coisas de forma rápida. Acho que isso é uma das coisas que o futsal contribui para o nosso jogo — explica.
A exemplo de Antônia, Mariel também migrou das quadras para os gramados. Desde 2016, atua no futebol australiano, onde é hoje a única brasileira na liga local. Porém, segundo a gaúcha, as atletas na Austrália não conseguem viver apenas do futebol e precisam de outros empregos. Ela, por exemplo, além de atleta, é fisioterapeuta e osteopata.
— Eu digo que sou fisioterapeuta e osteopata em tempo integral e atleta nas horas vagas. Esse ainda é o único problema da liga australiana. As atletas femininas não têm contrato em tempo integral como ocorre com os atletas masculinos. A gente está lutando para chegar lá, mas infelizmente aqui a atleta mulher ainda precisa de uma outra renda pra suplementar a renda do futebol. Só que os meus chefes são muito gente boa. Eu trabalho em tempo integral, mas às vezes consigo dar uma diminuída na carga horária quando estou em competição — finaliza.
Confira a íntegra da entrevista com Mariel Hecher, meio-campista do Brisbane Roars:
Como tu veio parar na Austrália?
Eu jogava futsal profissionalmente no Brasil, em São José dos Campos. Joguei lá por uns bons anos e fiz faculdade de fisioterapia lá também. O meu irmão já morava na Austrália desde 2011. E daí eu pensei: o que eu vou fazer da minha vida? Será que começo a trabalhar? Aí decidi passar um tempo na Austrália com meu irmão. Acabou que eu vim pra cá, gostei do clima, da população e dos australianos. Aí o meu pai me ajudou a fazer a faculdade, acabei me formando em osteopatia e estou aqui desde então.
Como é o futebol na Austrália?
A gente compete com o futebol australiano e com o rugby. Mas eu diria que o futebol está crescendo bastante desde que eu cheguei e tem se desenvolvido muito, principalmente a Liga Nacional. Faz uns 15 anos que a liga está sendo disputada aqui, então cada vez tem mais times participando e o piso salarial tem aumentado. Esse ainda é o único problema da liga australiana. As atletas femininas não têm contrato em tempo integral como ocorre com os atletas masculinos. A gente está lutando para chegar lá, mas infelizmente aqui a atleta mulher ainda precisa de uma outra renda pra suplementar a renda do futebol.
Os atletas masculinos são profissionais e vivem do futebol. Já na liga feminina as atletas precisam ter um outro emprego?
Eu diria que depende da tua situação. Se tu é mais nova e vive com os teus pais, tu consegue sobreviver. Mas, caso contrário, infelizmente tu ainda precisa ter uma outra renda pra pra suplementar a renda do futebol.
E tu exerce as profissões de fisioterapeuta e osteopata em paralelo ao futebol?
Exatamente. Eu digo que sou fisioterapeuta e osteopata em tempo integral e atleta nas horas vagas.
E como é conciliar o futebol com o seu trabalho como fisioterapeuta?
Os meus chefes são muito gente boa. Eu trabalho em tempo integral, mas às vezes consigo dar uma diminuída na carga horária quando estou em competição.
É possível ganhar bem no futebol feminino australiano?
O piso salarial é de 26 mil dólares por temporada. Ninguém ganha menos que isso. Mas não há como se manter aqui na Austrália com isso. Tem que ter outro emprego.
Os australianos gostam de futebol? Como é o público nos estádios?
Está crescendo. Ainda não tem aquela paixão da torcida como no Brasil, mas eu acho que é o jeito dos australianos. Lembro que eu fui a um jogo de rugby neste ano e tinham 55 mil pessoas. E ainda assim o estádio era quieto. Se escutava o juiz e os atletas falando. Eu pensava, se tivessem 55 mil pessoas no Brasil em um jogo de futebol, tu não conseguiria escutar nada. Todo mundo estaria gritando. Então, eu acho que é um pouco do jeito dos australianos e a relação deles com os esportes. Mas eu diria que está melhorando bastante. Você vê agora, por exemplo, na Copa do Mundo, os estádios tem bastante gente, com muita gente cantando e fazendo barulho. Mas eu diria que na minha liga ainda não está tão grande. A gente tenta jogar em estádios reduzidos e acho que o máximo que a gente tem por jogos seria de 2 mil a 2,5 mil pessoas, o que já é bem melhor do que três anos atrás. Então, está melhorando, mas ainda não está onde a gente deveria estar.
Você acha que a Copa do Mundo está fazendo o futebol ser mais popular na Austrália?
Com certeza. Especialmente pelo desempenho da seleção australiana, das Matildas. A Sam Kerr, sendo a jogadora que ela é e tendo tanta publicidade ao seu redor, tem aumentado muito o interesse das pessoas pelo futebol, principalmente o feminino. Na Federação do estado de Queensland, em um ano, a participação de atletas jogando futebol aumentou em 100%. Então, está tendo muito interesse. Com certeza isso é devido a Copa do Mundo. A gente vê que os estádios estão lotando e as pessoas estão falando bem. Então, está sendo bem bom.
O que é mais popular na Austrália? O futebol feminino ou o futebol masculino?
É difícil fazer essa comparação. O feminino está crescendo. É que eu estou muito no meio feminino, né. Então eu posso dizer que o feminino está bem popular aqui, mas é difícil de eu comparar com o masculino.
Agora, é curioso. Pelo que você diz, o futebol masculino é profissional, os atletas vivem do esporte. Já no feminino, as atletas precisam ter outros empregos. E, ainda assim, as Matildas têm um desempenho bem melhor que os Socceros.
Com certeza. É que a maioria das atletas da Austrália estão jogando na Liga Inglesa ou na Suíça e jogam em grandes times, diferentemente da maioria dos Socceros. As mulheres das Matildas são muito mais bem sucedidas que os Socceros.
No Brasil, quando a gente fala de futebol feminino, um tema que sempre faz parte da história das atletas são histórias de preconceito. Como a sociedade australiana reage com a mulher jogando futebol?
Conversando com as atletas da mesma faixa etária que eu, vejo que elas têm uma história bem semelhantes às das gurias da minha idade no Brasil. Tinha muita gente que dizia que o futebol era algo masculinizado. Então eu acho que as histórias são bem semelhantes. E, hoje em dia, da mesma forma que no Brasil, está muito mais aceitável jogar bola. Tu joga com as gurias e não precisa necessariamente começar a treinar com os guris. Então eu acho que, neste quesito, os dois países evoluíram bastante.
Como é a característica da liga australiana. E qual é a tua posição e o teu estilo de jogo? Por tu ter um passado no Brasil, que é o país do futebol, tu acaba tendo mais facilidade?
Eu diria que tenho um jogo bem mais físico que as australianas, acho que mais pela fisicalidade do futebol brasileiro. Aquela malandragem de usar o braço de vez em quando. Acho que as atletas daqui não tem essa malícia que o brasileiro tem. Elas também são muito legais com os árbitros, não são de reclamar como nós brasileiras. Eu tomo vários amarelos por reclamação, então é bem normal eu levantar os braços, reclamar e sempre acabo me encrencando.
Você é a única gaúcha na liga australiana?
Eu sou hoje a única gaúcha e única brasileira na Liga Nacional. Eu acho que vão ter mais uma ou duas na próxima temporada. Tomara. Mas no passado a gente teve a Camilinha, que hoje joga no Palmeiras e também a Andressa Alves já jogou aqui. Mas hoje eu sou a única.
E tu conheces a Antônia, da Seleção? Jogou com ela? Como é que é essa história?
Eu joguei com a Antônia no futsal em São José dos Campos por quatro anos. A gente dividiu o alojamento, então temos uma boa amizade. Quando eu descobri que ela estava vindo para cá e iria ficar com a Seleção em Gold Coast e em Brisbane, eu mandei uma mensagem para a gente combinar alguma coisa. E ela perguntou se eu poderia levá-la para passear no nosso dia de folga. Obviamente eu aceitei.
Alguma outra companheira da seleção foi junto?
Sim, eu tive a felicidade de passar um tempinho com a Rafaelle, a Debinha e a Gabi Nunes. Então foi bem legal conhecer as outras gurias também.
E onde vocês foram?
Eu as levei no Q1, que é um prédio na Gold Coast e também para conhecer um pouco das praias. Fizemos ainda um passeio de barco pelos canais de Gold Coast, que foi bem legal. E, depois, a Antônia me convidou para assistir a um treino da Seleção. Foi uma experiência sensacional.
E o que elas falaram sobre a Copa do Mundo? Demonstraram estar confiantes no título?
Eu tentei não fazer muitas perguntas sobre futebol porque eu queria descontraí-las e ajudar a tirar um pouco da pressão. Mas o ambiente entre elas é sensacional. Elas falaram que estão impressionadas com o hotel e que estão bem focadas no objetivo, que é conquistar essa estrela para o Brasil. Elas parecem estar bem confiantes no trabalho, pois têm se preparado bastante nos últimos anos. Um resultado disso foi o futebol que elas jogaram contra o Panamá.
Durante a Copa do Mundo Feminina, GZH tem edições especiais do "Expresso da Copa" para repercutir a competição que ocorre na Austrália e na Nova Zelândia. O programa é realizado de segunda a sexta-feira, das 11h às 11h30min, no Youtube de GZH e no Gaúcha 2.