Se somos 203 milhões de brasileiros, a história de Tamires é tão rara a ponto de ser uma em 203 milhões. Por si só, seria uma trajetória incomum. Mas a carreira da lateral-esquerda da Seleção rompe as fronteiras brasileiras. Convocada para disputar a Copa do Mundo da Austrália e da Nova Zelândia, o percurso da mineira de Caeté precisa ser dimensionado em esfera mundial. A mudança de escala deixa o cenário ainda mais incomum. Tamires é uma entre bilhões e bilhões de terráqueos.
Há quatro anos, no Mundial da França, Tamires foi a única convocada para defender o Brasil a ter encarado os desafios da maternidade — o fenômeno se repete este ano. Das 552 inscritas em busca da glória em terras francesas, apenas ela e outras quatro jogadoras eram mães. A carreira dela se divide entre antes do nascimento de Bernardo e muito depois do nascimento do filho em 2008.
— Foi um baque, não esperava. Achei que o futebol tinha acabado para mim. Ouvi de pessoas que tinha acabado. Não tinha maturidade para lidar com a situação — relatou à CBF TV antes do Mundial de 2019.
Tinha acabado mesmo. Depois, parecia que não. Na sequência, voltou a acabar até que futebol e Tamires se reencontraram para ficar. Aos 21 anos, Tamires jogava na Ferroviária quando engravidou, era a continuidade de uma trajetória iniciada no Juventus-SP e passado por Santos e Charlotte Eagles. A surpresa da vida gerou dois buracos em seu currículo. O primeiro entre 2008 e 2011, ano em que surgiu a chance de jogar no Atlético-MG. A experiência, entretanto, não durou muito.
Nova pausa foi necessária. Mais um hiato pelo caminho. Então casada com um jogador de futebol, o marido de Tamires foi contratado para jogar pelo São Bernardo em 2013. A família dela estava radicada no ABC Paulista. A combinação permitiu que a atleta tivesse a oportunidade de retomar a vida nos gramados. Entre as alternativas que tinha nos pés, optou por jogar no Centro Olímpico, em São Paulo.
Mais do que uma tentativa de recomeçar a carreira, o reencontro era uma sementinha para colher frutos no futuro. As condições estavam longe das ideais. O salário era baixo, mas a vontade de calçar chuteiras era muito maior.
— Escolhi ela pelo critério técnico. Não tínhamos muitas condições financeiras. Ela investiu e acreditou na carreira dela. Ficava pensando que eu teria de ter um olhar diferente por ela ser mãe. Nunca precisou. Sempre conciliou muito bem, sempre se dedicou. Foi muito profissional. Muito Madura — relata Arthur Elias, técnico do Centro Olímpico naquele período.
Praticamente cinco anos depois da pausa abrupta, Tamires estava de volta, o que por si só era um feito. Era de se imaginar que levaria um tempo para se adaptar e ter destaque. Foi como se nunca tivesse parado de jogar. Poucos meses depois, estreava pela Seleção Brasileira aos 26 anos. A partir dali, a profissão dela passou a ser o foco da família e a lateral esquerda da equipe nacional passou a ter dona.
Uma década depois, são 140 partidas com a amarelinha. O torneio na Oceania será a sua terceira participação em Copas.
Pensando na educação do filho, traçou um caminho peculiar no futebol. Deixou o Centro Olímpico em 2015 para jogar no Fortuna Hjørring, da Dinamarca. Em 2019, retornou ao Brasil para defender o Corinthians e reencontrar Arthur Elias.
— Ela teve um amadurecimento pessoal e emocional muito grande — destaca o treinador.
Desde 2013, os braços que embalaram Bernardo foram os mesmos que ergueram taças por onde passou. Ainda falta a da Copa do Mundo. Improvável o Brasil ser campeão? Sim, mas bem menos improvável do que a carreira de Tamires.