Prometida antes da Copa do Mundo, a braçadeira “One Love”, em apoio à comunidade LGBT+ e contra qualquer tipo de discriminação, ainda não entrou em campo no Catar. Os capitães da Alemanha, Inglaterra e outras seleções que tinham se comprometido a usar o adereço voltaram atrás após notícias de que a ação seria punida pela Fifa. Esse não foi o final da história, que ganhou um novo capítulo na manhã desta quarta-feira (23), com um protesto dos jogadores alemães durante sua estreia no torneio.
Os 11 atletas posaram para a foto oficial antes do jogo contra o Japão com as mãos cobrindo a boca. Na sequência, a Federação Alemã de Futebol publicou uma explicação no Twitter: "com a nossa braçadeira de capitão quisemos dar o exemplo pelos valores que vivemos na seleção: a diversidade e o respeito mútuo. De maneira clara e junto com outras nações. Não se trata de uma mensagem política: os direitos humanos não são negociáveis. Isso deveria acontecer sem precisarmos falar. Mas infelizmente ainda não é. É por isso que esta mensagem é tão importante para nós. Impedir o uso da braçadeira é como impedir nossas bocas de falar. Nossa postura permanece".
A braçadeira da campanha “um amor”, da tradução do inglês, surgiu em 2020, na Holanda. Ela é branca, com as palavras da ação embaixo de um coração desenhado com as cores que representam a luta por reconhecimento de minorias e também da comunidade LGBT+. Foi especulado que ela seria usada durante a Copa do Mundo como um protesto silencioso contra a lei catari que proíbe que pessoas tenham ou exponham relações afetivas com parceiros do mesmo gênero — em uma clara infração ao direito humano de liberdade.
Repercussão
Ativistas e organizações em prol dos direitos humanos aprovaram o ato da Alemanha. Diretora da Humans Rights Watch (HRW) no Brasil, Maria Laura Canineu compartilhou o protesto em suas redes sociais: "Quando um time perde um jogo, mas ganha na posição", escreveu.
O perfil oficial da HRW, enquanto isso, ressaltou que o país sede da Copa deveria "parar de perseguir membros da comunidade LGBT+" e a Fifa "deixar de usar dois pesos e duas medidas para agradar o Catar". "O amor pelo futebol não é compatível com violações de direitos humanos", concluíram.
Integrante do Coletivo Canarinhos LGBT+, Onã Rudá Silva Cavalcanti concordou que o protesto foi positivo, principalmente por jogar luz sobre a postura ambígua da Fifa, que oficialmente não foi contra a braçadeira "One Love", preferindo apenas anunciar que seria rígida em relação às regras sobre uniformes e equipamentos, que prevem que os capitães usem "as braçadeiras fornecidas pela Fifa".
— Cada ação e movimento que seja simbólico serve para denunciar a estrutura que está posta. Ele serve para denunciar o fato de que há um comprometimento público da Fifa e uma conduta velada acontecendo nos bastidores. Conduta que a gente pode até, em algum limite, chamar de chantagem — destacou Onã.
Ele acrescenta que o protesto teria sido ainda mais forte caso as seleções mantivessem as manifestações, independentemente da promessa de sanções por parte da Fifa:
— Eu acho que se a Alemanha quisesse fazer uma ação que fosse estruturante, a Alemanha precisava ter mantido... A Alemanha, a Inglaterra, os países europeus que se comprometeram a usar a braçadeira, por que não usaram?
Na segunda-feira (21), uma nota conjunta da Inglaterra, Alemanha, Bélgica, Dinamarca, País de Gales, Holanda e Suíça justificou a decisão de suspender a manifestação: "A Fifa tem sido muito clara que vai impor sanções esportivas se nossos capitães usarem as braçadeiras no campo de jogo. Como federações nacionais, não podemos colocar nossos jogadores em uma posição na qual poderiam enfrentar sanções esportivas, incluindo cartões. Então, pedimos aos capitães que não tentem vestir as braçadeiras nos jogos da Copa do Mundo".
O Coletivo Canarinhos, que lançou um guia LGBT+ para a Copa do Catar, com informação de apoio para torcedores da comunidade. E também questiona a posição ambígua da Fifa. A organização, que havia se comprometido a uma série de medidas para o torneio, surpreendeu ao anunciar tais punições. Onã usa as redes sociais para relatar casos diários de discriminação, normalmente envolvendo as cores da bandeira LGBT+.
Ao redor do mundo, outras organizações de defesa aos direitos humanos também estão questionando o comprometimento da Fifa com uma Copa do Mundo inclusiva. O braço australiano da Anistia Internacional declarou que "ameaças de última hora contra jogadores que usarem mensagens de apoio aos direitos humanos e à igualdade é o exemplo mais recente do fracasso da Fifa em defender plenamente seus próprios valores e responsabilidades".
Já a Associação Internacional de Gays e Lésbicas (Ilga) publicou uma carta aberta ao presidente da Fifa, Gianni Infantino, em que acusou o evento de não respeitar a liberdade de expressão ao proibir os jogadores de se manifestarem contra a discriminação. "Apesar das muitas reuniões que a Fifa realizou ao longo dos anos com organizações de direitos humanos e dos compromissos assumidos, o que está acontecendo é extremamente preocupante e deve ser tratado com a máxima urgência", diz, no manifesto.