Os especialistas são unânimes: trata-se de um caminho sem volta. O conceito ESG – do inglês Environmental, Social and Corporate Governance (em português, ambiental, social e governança) – pauta todas as decisões das empresas que estão preocupadas com um crescimento sustentável em todos os aspectos. Mais do que isso, é uma forma de garantir a existência humana como conhecemos hoje sem prejudicar a economia e a produção de bens de consumo.
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ESG diz respeito a um novo modelo de mundo, em que as questões ambientais, sociais e de governança passam a incorporar os modelos econômico e financeiro tradicionais. Isso passa por mudança de pensamento e de consumo, com uma sociedade mais atenta a essas questões e escolhendo seus produtos e serviços a partir dessas variáveis. Diante de tanta certeza de que o conceito chegou para ficar e que vem para atender a tantas mudanças, a questão é como se preparar para o mercado de trabalho que chega junto a tudo isso.
— A gente está mudando a forma de ser e de viver neste mundo – e, consequentemente, de fazer negócios. As empresas que não estiverem atentas a esse movimento, não perceberem que traz riscos até mesmo para as oportunidades de negócio, com certeza colocam em risco sua perenidade e sua longevidade. Empresas que trabalham com ESG atraem funcionários, retêm talentos, atraem investidores e mitigam riscos — garante Sonia Consiglio, especialista em sustentabilidade e SDG Pioneer pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU).
Tema interdisciplinar
Como o ESG atravessa diversos aspectos da gestão, tem a vantagem de ser desempenhado por profissionais de diferentes áreas. Cursos como Administração, Engenharia (diversas), Direito, Biologia, Química e Economia podem ser caminhos naturais para quem pretende ingressar na área. O importante é buscar instituições que ofereçam atividades inter ou multidisciplinares ou mesmo disciplinas eletivas em cursos de outras áreas. Essa prática garante uma das habilidades mais importantes do profissional de ESG: a visão sistêmica do negócio, dos projetos e das decisões.
— Engana-se quem fala que ESG é simples. Tudo que era simples a gente já resolveu. É importante que esse profissional tenha um olhar sistêmico, com entendimento do negócio, atento a todas as forças do mundo que, de alguma forma, pressionam essa agenda. Esse profissional deve ser uma pessoa bem articulada e articuladora. Que tenha boa capacidade de diálogo para buscar soluções conjuntas — defende Viviane Mansi, diretora de Comunicação e Sustentabilidade da Toyota para América Latina e Caribe.
Sustentabilidade no sentido mais amplo
As ideias não são exatamente novas, mas foram aprimoradas ao longo das últimas décadas. Antes, o conceito de sustentabilidade estava ligado quase exclusivamente à preocupação com a preservação ambiental. Com o passar dos anos, percebeu-se que um negócio, para ser sustentável, precisa levar em consideração uma série de outros fatores ligados à gestão e que dialogam o tempo todo entre si. Os cursos de graduação acompanham essa tendência. Formado em Engenharia Mecânica na década de 1980, Marcelo Medeiros passou as últimas décadas dedicado à infraestrutura de indústrias químicas:
Engana-se quem fala que ESG é simples. Tudo que era simples a gente já resolveu. É importante que esse profissional tenha um olhar sistêmico, com entendimento do negócio, atento a todas as forças do mundo que, de alguma forma, pressionam essa agenda.
VIVIANE MANSI
Diretora de Comunicação e Sustentabilidade da Toyota para América Latina e Caribe
— O destino me reservou que trabalhasse sempre em organizações que, por questão de sustentabilidade e estratégia de negócio, dedicassem muita atenção, cuidado e investimento nos temas de sustentabilidade. Isso transitando no posicionamento histórico da evolução do tema, que, por fim, redunda nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Pacto Global, que compõem o ESG — lembra Medeiros.
Por acompanhar de perto toda essa mudança e com a experiência adquirida na indústria, o engenheiro passou a prestar consultoria. Ao experimentar a visão sistêmica que os especialistas garantem ser necessária, não pensou duas vezes: hoje está na reta final do curso de Direito, a fim de ter uma compreensão ainda maior sobre o assunto.
— Estamos convergindo para um momento da humanidade em que incorporarmos princípios da sustentabilidade que estão no ESG será uma questão de sobrevivência e de desenvolvimento social. O jovem advogado que tiver uma visão e fizer planejamento de carreira para esta área vai ser bem demandado e procurado pelo mercado — acredita o engenheiro.
Na academia
O exemplo de Medeiros serve não apenas para o Direito, mas para praticamente todas as áreas do conhecimento. Quem está se encaminhando para a graduação ou já está em meio ao curso, tem algumas formas de direcionar a carreira.
O tema tem aparecido por meio de disciplinas focadas no conceito dentro do contexto de cada curso, mas que podem ser frequentadas como opcionais para estudantes de qualquer outra área. Disciplinas que se tornam transversais e estimulam a troca de conhecimento entre os alunos de campos distintos, instigando não apenas o domínio do assunto como o desenvolvimento das habilidades necessárias para trabalhar com ESG.
— Temos que formar os profissionais da melhor maneira possível, comprometidos, e dar o exemplo. Todas as ações que estamos fazendo estimulam a participação dos estudantes — conta o doutor em engenharia e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Domingos Valladares, que promove o tema na Escola de Negócios, nos cursos de Comunicação e de Análise de Dados da universidade, evidenciando o caráter plural do tema.
Interessados em seguir carreira acadêmica também encontram terreno fértil nesta área. Como se trata de um conceito recente, as pesquisas que dão sustentação para o mercado ainda são incipientes. Para se ter uma ideia, segundo Valladares, até o ano de 2020, foram registrados 7,1 mil artigos revisados por pares nas bases acadêmicas em todo o mundo. Apenas em 2021, foram 1,4 mil novos estudos e, este ano, 1,2 mil entre janeiro e outubro.
— É um tema que está crescendo em importância em termos acadêmicos. O que a gente vê na literatura é muito voltado a finanças, análise de investimentos, performance de empresas, responsabilidade social, governança, inclusão de pessoas. Ao mesmo tempo, o crescente interesse da sociedade e da mídia fazem com que mais pessoas busquem informações. Aumenta a pressão da sociedade, que vai se adequando aos conceitos — observa o professor.
Tendo experimentado a jornada universitária nos anos 1980 e agora, Marcelo Medeiros percebe que o tema ganhou protagonismo na graduação. Ele lembra que durante o curso de Engenharia a questão praticamente não aparecia.
— Comecei a vivenciar isso dentro das empresas, não na formação acadêmica. Profissionalmente foi onde, na prática, me desenvolvi, vinculado às organizações que já tinham essa preocupação. Hoje é muito citado, em vários debates. Mesmo a formação jurídica convencional tem muitas questões polêmicas associadas a isso. As teses jurídicas que se desdobram na interpretação de decisões de tribunais superiores, ou para compreensão destas, usam muitos conceitos do desenvolvimento sustentável — compara.
Atração de talentos está em alta
Em um sistema cada vez mais pautado pela preocupação com boas práticas, as empresas que não recrutarem os profissionais certos ficam para trás. Por isso, cresce a procura por talentos já na graduação, e as companhias prospectam talentos nos cursos que têm envolvimento, conteúdo programático alinhado, principalmente em áreas como comunicação e proteção de dados.
Se antes as pessoas se cobravam em relação à sustentabilidade, hoje as empresas estão na berlinda. Isso faz com que a exigência seja cada vez maior entre fornecedores, parceiros e prestadores de serviço.
O mercado financeiro oferece crédito mais barato a quem tem boas práticas, está engajado em política ambiental, trabalha com diversidade, cuida do meio ambiente e preserva o social. A outro, é possível que nem dê crédito algum, para não estar mais associado a esse tipo de atividade
FERNANDA MEDEIROS
Professora de Direito Ambiental da PUCRS
— O mercado financeiro oferece crédito mais barato a quem tem boas práticas, está engajado em política ambiental, trabalha com diversidade, cuida do meio ambiente e preserva o social. A outro, é possível que nem dê crédito algum, para não estar mais associado a esse tipo de atividade — ilustra Fernanda Medeiros, professora de Direito Ambiental da PUCRS.
Ela chama atenção para outro ponto importante: ESG não diz respeito apenas a grandes empresas. O profissional da área pode elaborar práticas para uma instituição de pequeno, médio ou grande porte. Além disso, não fica restrito à indústria. Negócios de qualquer natureza produzem impactos sociais e ambientais que podem ser mitigados com um bom planejamento.
— Atuo bastante no compliance ambiental. Quando se pensa no fornecedor, tem que ver com quem se trabalha. Caso não esteja alinhado, não vai servir, então o pequeno também precisa estar na mesma linha. Quem mira a venda do serviço ou do produto para o maior, tem de estar alinhado — destaca a professora.
Na prática
Embora todos possam dialogar com o assunto, a maioria dos profissionais que atuam com ESG procuram as seguintes graduações:
- Administração
- Direito
- Engenharia (diversas)
- Comunicação
- Biologia
- Química
- Relações Internacionais
- Finanças
Os 10 princípios do pacto global, que instituiu o conceito ESG
- As empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente
- Assegurar-se de sua não participação em violações destes direitos
- As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva
- A eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório
- A abolição efetiva do trabalho infantil
- Eliminação da discriminação no emprego
- As empresas devem apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais
- Desenvolvimento de iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental
- Incentivo ao desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientalmente amigáveis
- As empresas devem combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina