O retorno presencial das aulas na rede estadual de ensino gaúcha ocorreu nesta segunda-feira (21), com implementação de regras sanitárias e novidades na matriz curricular do Ensino Médio. Os problemas na infraestrutura das escolas, entretanto, ainda persistem.
GZH visitou sete escolas de Porto Alegre e uma em Gravataí, na Região Metropolitana, e encontrou prédios interditados, telhados estragados e infiltrações que comprometem o fluxo das aulas e desafiam a segurança dos estudantes. Fiação elétrica precária e falta de professores também são situações preocupantes em algumas escolas estaduais visitadas.
Entre os colégios visitados, um tem um buraco enorme na escada de acesso ao edifício principal, outro possui um ginásio inacabado e mato alto que chegou a atrair um cavalo recentemente. Em um dos casos mais emblemáticos, símbolo da campanha pela alfabetização durante o governo Leonel Brizola em 1962, uma brizoleta sofre para se manter em funcionamento.
A seguir, confira a ronda feita pela reportagem de GZH nesta retomada das aulas na rede estadual.
Do buraco às enchentes
Quase centenário, o Colégio Protásio Alves de Porto Alegre tem tradição que iniciou com o Ensino Técnico e se consolidou com o Ensino Médio nos últimos anos, tendo até ensino inclusivo — ainda que a entrada da instituição não seja a mais acessível, e cadeirantes sejam obrigados a ingressar por um acesso secundário.
Quem sobe as escadas do edifício, localizado na Avenida Ipiranga, não imagina que haja um laboratório desativado em razão de uma rachadura que se transformou em enorme buraco. O problema surgiu nos últimos anos e foi aumentando com a continuidade de infiltrações e umidade. A escola aguarda pela execução de uma obra de reparo, segundo a vice-diretora geral Mariett Luiza Martins Cabral.
— Acredito que a Secretaria (Estadual da Educação - Seduc) está se empenhando; topógrafos, engenheiros estão vindo à escola e disseram que não há risco de desmoronamento. Na medida do possível, gostaríamos que as demandas fossem feitas o quanto antes. Entendemos que há toda uma burocracia a ser cumprida. As necessidades são para ontem.
Depois do recente anúncio de recursos para reformas de instituições de ensino da rede estadual, o Protásio Alves está entre as escolas escolhidas para receber verbas para este fim. No entanto, o buraco não é o único problema. Como resultado de danos no telhado, durante a última chuva forte na Capital, registrada em 26 de janeiro, o colégio teve água escorrendo pelas luminárias e pelo menos uma televisão ficou inutilizada.
Além disso, a instituição nunca teve um refeitório e a alimentação dos 1,3 mil alunos está restrita a sucos, barrinhas de cereais, entre outros lanches. O colégio também entregou kits com alimentos para famílias de estudantes vulneráveis durante toda a pandemia. O banheiro dos professores tem infiltrações, assim como o ginásio, que já acolheu os Jogos Escolares do Rio Grande do Sul (JERGS), tem a cobertura pontilhada por furos.
Em outra ponta da cidade, a Escola Estadual de Educação Básica Almirante Bacelar, localizada no limite entre Porto Alegre e Viamão, é vizinha do Arroio Feijó. Com isso, os alagamentos são constantes. No começo de dezembro do ano passado, pode-se falar em enchente na escola. Os três portões do colégio foram derrubados pela força da água e o caseiro teve de abrir um buraco no muro para conseguir sair de casa.
Antes do início das aulas, na última quinta-feira (17), os vestígios da água ainda eram visíveis na quadra de esportes. Com a verba de autonomia, funcionários terceirizados faziam a limpeza da lama ressecada do local, assim como cortavam a grama que ainda estava alta em alguns pontos.
O principal problema, no entanto, é a fiação elétrica do edifício erguido nos anos 1970. Subterrânea, a rede elétrica já teve curto-circuito e um princípio de incêndio na secretaria da escola, que somente não se tornou uma tragédia porque os fios queimaram dentro de uma caixa de luz e o fogo não conseguiu se alastrar. A solicitação por uma reforma foi feita à Seduc ainda em 2007, conforme o diretor Ernesto Alba.
— Olhando assim, é um milagre que esteja tudo bem, considerando a estrutura. Fazemos tudo o que podemos para manter a escola, mas estes problemas estão aqui.
ERNESTO ALBA
Diretor da Escola Estadual de Educação Básica Almirante Bacelar
Recentemente, conta o diretor, foram feitas reformas emergenciais como conserto de telhas e vidros quebrados, além da recuperação de ventiladores de 27 salas de aula. O laboratório de informática, no entanto, está fechado desde 2014 devido ao problema elétrico. O recebimento de 30 notebooks da Seduc promete diminuir parcialmente a falta de computadores para os cerca de 1,2 mil alunos.
Já na Escola de Ensino Fundamental Venezuela, localizada no bairro Medianeira, há problemas na rede elétrica, telhado quebrado, infiltrações e vazamentos que alastram mofo por vários ambientes, além de rachaduras nas paredes. Além disso, 12 salas de aula continuam interditadas e o auditório da escola abriga duas turmas. Por falta de espaço adequado para guardar, os livros permanecem em um corredor. A escola alega aguardar há um ano e meio uma resposta da Secretaria Estadual de Obras e Habitação (SOP).
A Escola de Ensino Fundamental Dr. José Carlos Ferreira, no bairro Partenon, tem salas de aulas com pintura descascada e concreto exposto. A fachada também precisa de reforma urgente, porque, segundo o Cpers Sindicato, o prédio corre risco estrutural. Há infiltrações, poucos funcionários para limpeza e poucos computadores que funcionam no laboratório de informática. A reportagem somente pode constatar os problemas visíveis do lado de fora do prédio.
O ginásio e o cavalo
Localizada no bairro Partenon, a Escola Oscar Tollens iniciou o ano letivo sem professores suficientes nas disciplinas de matemática, português e geografia, além de supervisores —função fundamental para a organização de calendários e turmas. Entre as obras emergenciais que serão realizadas, assim que uma verba extraordinária cair no caixa da escola, estão pintura de salas, corredores e fachada da escola.
A grande demanda, porém, é o ginásio inacabado, iniciado e abandonado em 2017. Conforme explicação à direção da escola, houve problema contratual entre a empresa que realizava a construção e a Secretaria Estadual de Obras e Habitação. Com a paralisação, invasões e roubos ocorrem no estabelecimento de ensino.
Como o ginásio é coberto, algumas pessoas ingressam no local para morar e utilizar drogas. O diretor Marco Augusto de Almeida Batista reclama que as invasões colocam o patrimônio da escola em risco, considerando que já houve roubo de encanamentos e outros materiais.
Com o ar do abandonado, o entorno da quadra de esportes incompleta tem grama alta. Em novembro, a direção da escola se viu diante de mais um problema, já que um vizinho da instituição colocou um cavalo a pastar no local.
— Um rapaz que tem criação de animais se deu ao direito de colocar um cavalo no terreno. Ele foi aluno da escola e, por isso, acabou me acatando, mas ele teve dificuldade em entender que é um local da comunidade, público, mas não se pode colocar um cavalo para pastar somente porque há grama — conta o professor Marco Augusto.
Queda de marquise
Renata Monteiro conhece cada cantinho da Escola Especial Recanto Alegre, no bairro Passo D'Areia, e a considera quase uma segunda casa. Com o filho de 13 anos aluno da instituição de ensino, ela também conhece os problemas relacionados à queda de uma marquise em março do ano passado.
Os restos da estrutura de concreto ainda são perceptíveis no pátio da escola, que está interditado, assim como os brinquedos do local. Por conta do acidente, também não podem funcionar o refeitório, a cozinha, a área de serviço, sete salas de aula e uma sala de culinária.
Por falta de segurança estrutural, a sala de espera das mães, que além desta funcionalidade, ainda é um espaço de troca de ideias e afetos, também está inacessível.
A sala é fundamental para as mães que moram em Porto Alegre e outras cidades que não têm escolas especiais. Ficávamos nesse local porque não têm como voltar para casa e depois buscar seus filhos. No meu caso, meu filho pode ter algum problema e as professoras poderão prontamente me acionar. Agora, não sabemos como faremos sem um local específico.
RENATA MONTEIRO
Mãe de aluno
A queda da marquise é o resultado da desconfiança sobre a seguridade da estrutura construída nos anos 1960. A supervisora da escola, Camila Vieira, conta que um estudo de solo já havia sido solicitado em 2018.
— Como já tinham surgido rachaduras nas paredes, duas salas de aula já estavam interditadas. Portanto, já estávamos preocupados antes do acidente do ano passado. Não havia ninguém no pátio porque a escola não estava recebendo os alunos em razão da pandemia — ressalta a professora.
A Seduc informou que a obra está na fase de solicitação de documentação para abertura de processo de contratação de uma empresa que deverá realizar os reparos.
As brizoletas em deterioração
Símbolo de uma grande campanha pela alfabetização realizada pelo governador Leonel Brizola em 1962, muitas das escolas construídas em seu governo - conhecidas como brizoletas - sofrem por conta da má conservação em várias regiões do Estado.
É o caso da Escola de Ensino Fundamental Lídia Moschetti, no bairro Rubem Berta. Um prédio está completamente interditado e não tem mais possibilidade de recuperação. As salas têm piso esburacado e teto caindo. As demais áreas também têm alguns problemas no forro, mas seguem sendo utilizadas. Galhos de árvores prometem comprometer os telhados dos pequenos pavilhões que compõem a escola. Existe um pedido para a construção de um novo prédio tramitando na Seduc desde 2014, ressalta a diretora Luciana Marques.
— Temos muitas questões que precisam ser resolvidas, e não será muito fácil neste início de ano com a retomada presencial de todos os alunos. Consigo fazer pequenas reformas com a verba autônoma, mas uma construção não tem como.
Assim como outras escolas, a falta de professores não é uma exceção: não há docentes suficientes para aulas de Educação Física e Ciências. Ainda há preocupação pelo retorno presencial sem distanciamento. A diretora entende que ainda é cedo para uma retomada 100% em sala de aula, em especial devido ao baixo índice de crianças vacinadas com a primeira dose da vacina contra a covid-19 na Capital e no Estado – nesta semana, Porto Alegre atingiu a marca de 50% das crianças de cinco a 11 anos vacinadas com a primeira dose.
Obra paralisada há dois anos
Escola centenária de Gravataí, a Tuiuti sofre com a falta de salas de aula. Após um acidente em um dos blocos dos colégios, com a queda do teto em uma sala de aula e o consequente comprometimento de toda a estrutura ainda em 2018, análises estruturais mostraram que todos os quatro blocos de salas de aula precisariam de reformas.
A escola chegou a ser totalmente transferida para o salão de uma igreja e sede da associação do bairro Bonsucesso. Desde o incidente, quatro salas de aula foram entregues, mas ainda são insuficientes para o acolhimento de todos os 700 alunos, divididos em três turnos.
Durante a pandemia, as reformas foram completamente paralisadas e os mesmos tapumes permanecem bloqueando o acesso às salas de aulas. A obra foi retomada em 31 de janeiro deste ano e tem projeção de 180 dias para conclusão, porém, foi necessário improvisar o salão de festas para acolher duas turmas ao mesmo tempo.
Ainda assim, o vice-diretor Jairo Troczinski é categórico: não há salas suficientes para a retomada 100% presencial, sem revezamento de estudantes.
— Vamos ter que alocar os alunos em diferentes espaços, fazer horários diversificados e assim a gente vai se virando.
Em visita da reportagem ao colégio na última sexta-feira (18), o clima era de mobilização para o retorno às aulas. Funcionárias realizavam a limpeza das salas, pátio e demais espaços comuns, enquanto o diretor tentava fazer a escala dos professores.
Problemas persistentes
O Cpers Sindicato, que recentemente realizou uma caravana para averiguar a estrutura de escolas estaduais, deverá fazer uma nova força-tarefa do tipo nas próximas semanas. Em apanhado de 180 escolas, o que representa menos de 10% das 2.376 instituições da rede, encontrou problemas relevantes em pelo menos 58 instituições espalhadas pelo Rio Grande do Sul.
— Encontramos problemas sérios naquela caravana, impossibilitando a presença de alunos, professores e funcionários com segurança. E agora, do ponto de vista estrutural, ainda que haja investimento por parte do governo do Estado neste último ano do governo, durante os três demais não houve este olhar — destaca Alex Saratt, 1° vice-presidente do sindicato e professor de História em Taquara.
O dirigente sindical ainda ressaltou que há preocupação com o retorno presencial, onde haverá mais alunos e menos distanciamento entre as classes. Quanto à falta de professores, Saratt destacou que o levamento da carência de profissionais para determinadas matérias será realizado ao longo dos próximos dias através de informações dos núcleos do Cpers.
Já a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) destaca que o programa Agiliza RS, lançado em outubro do ano passado, prevê o repasse extraordinário de R$ 228 milhões para a autonomia financeira das escolas de Educação Básica e Profissional. Com o dinheiro em caixa, as próprias equipes diretivas das escolas poderão conduzir pequenos reparos, como troca de telhas, manutenção de rede elétrica, além de reformas em prédios.
Sobre a falta de professores, a Pasta disse se tratar de casos pontuais que serão avaliados junto às Coordenadorias Regionais de Educação (CREs).
Entre as escolas visitadas pela reportagem, a Seduc informou que os casos são diversos e incluem desde problemas com as empresas terceirizadas vencedoras de editais de licitação a processos que estão em tramitação.
Confira o estágio das obras nas escolas visitadas por GZH:
- Colégio Protásio Alves
Obra em fase de elaboração de projeto. A instituição de ensino também passará por uma reforma e ampliação para o atendimento do projeto estratégico Escolas Padrão do Programa Avançar na Educação. - Escola Venezuela
A empresa pediu reequilíbrio financeiro do orçamento previsto no contrato. - Escola Recanto da Alegria
Obra em fase de solicitação de documentação para abrir processo de contratação da empresa vencedora. - Escola Almirante Bacelar
Em relação à reforma elétrica, será aberto um novo processo via Coordenadoria Regional de Educação (CRE) para posterior vistoria e elaboração do projeto. - Escola Dr. José Carlos Ferreira
Obra em fase de solicitação de documentação para abrir processo de contratação da empresa vencedora. - Escola Tuiuti
Obra em execução. Valor de R$ 750 mil e previsão de conclusão é de 180 dias. - Escola Manoel de Almeida Ramos
Obra está em fase de elaboração de projeto.