Por Elisete Medianeira Tomazetti, Jéssica E. Ribas e Jonathan D.V. Bugs
Professora da UFSM; doutorandos em Educação na UFSM. Integrantes do grupo de pesquisa Filosofia, Cultura e Educação (Filjem)
O currículo pode ser caracterizado como um campo de disputas. Identidade, objetivos e finalidades formativas do Ensino Médio (EM) estiveram, historicamente, no epicentro dessas disputas. Lembremos que em 2012 as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) apontaram-no como última etapa da Educação Básica, cujo objetivo central era oferecer uma formação integral e comum a todos(as) estudantes. Para tanto, indicou-se que o currículo fosse organizado em 12 disciplinas obrigatórias, epistemologicamente consolidadas e legitimadas na tradição escolar brasileira.
As disputas curriculares permaneceram nos anos seguintes, respaldadas por certa interpretação dos dados de evasão, repetência e falta de sentido atribuído à escola pelos(as) jovens estudantes. Tal interpretação se apressou em responsabilizar o percurso formativo único e o excesso de disciplinas no currículo vigente pelos problemas do EM. Assim, com o argumento de resolvê-los, o governo federal, de forma autoritária, impôs a reforma do EM por meio da Medida Provisória nº 746/2016, rapidamente discutida no Congresso Nacional e aprovada nos termos da Lei 13.415/2017.
Entre os vários pontos problemáticos da reforma, destacamos a cisão do currículo em uma parte geral e comum a todos(as) e outra diversificada por itinerários formativos, bem como a flexibilização da oferta das disciplinas escolares ao tornar obrigatório o ensino de apenas duas disciplinas, Português e Matemática, desde que, de alguma forma, fosse contemplado o estudo de Língua Inglesa e estudos e práticas de Filosofia, Sociologia, Educação Física e Arte. Essas proposições incidiram sobre a última versão da BNCC/EM (2018), que, destoando do que havia sido elaborado nas versões anteriores, apresenta os conhecimentos disciplinares diluídos nas áreas de conhecimento. Compreendemos que essas mudanças tornam fragmentada e inoperante a concepção de formação integral, presente desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996.
Pelo modo como a educação pública é gestada, os Estados tiveram a incumbência de implementar a reforma do EM, bem como elaborar seus referenciais curriculares pautados na BNCC. É nesse contexto que, no Rio Grande do Sul, é construído o Referencial Curricular Gaúcho do EM (outubro de 2021) e a Nova Matriz Curricular do EM, publicada no Diário Oficial do Estado pela Portaria nº 350, em 30 de dezembro de 2021. Compreendemos que o Sistema Estadual de Ensino teve certa autonomia e margem de liberdade para operar de forma crítica a fim de minimizar os problemas que a proposta nacional apresentava, e que foram amplamente apontados pela literatura educacional e pelos(as) professores(as) da Rede Estadual de Ensino, que desde 2016 alertavam para os riscos de empobrecimento da formação escolar que viria de sua implementação.
A contrapelo do que tem sido defendido por especialistas e reivindicado pela categoria docente, a Nova Matriz Curricular do EM gaúcho apresenta um currículo pobre que se distancia do objetivo de oferecer uma formação humana integral aos estudantes. Sobressaiu-se a lógica neoliberal de educação, haja vista que Projeto de Vida e Mundo do Trabalho são apresentados, na Nova Matriz, como componentes curriculares obrigatórios, ao passo que disciplinas tradicionais perderam espaço: Filosofia, Sociologia, Educação Física, Língua Espanhola, Literatura e Artes. Lembramos que Filosofia e Sociologia são disciplinas às quais os estudantes têm acesso somente no EM e a referida matriz reduz esse acesso a apenas um ano do curso: Filosofia no 1º ano e Sociologia no 2ºano, ambas com apenas 50 minutos de aula semanal.
Consideramos que a sociedade gaúcha precisa atentar para o que está ocorrendo com a educação pública nesse momento e reafirmar que os(as) jovens estudantes têm o direito constitucional à uma educação de qualidade socialmente referenciada. A reivindicação do aumento de carga horária da disciplina Filosofia, bem como das demais, está sustentada em nossa responsabilidade para com a formação integral das novas gerações, na escola. Temos convicção de que o acesso a saberes, práticas, valores produzidos pelas gerações anteriores são fundamentais para a compreensão do presente e indispensáveis para projetar sua ação no mundo.