Após meses pedalando de Guaíba a Porto Alegre na busca por um emprego, Geovani Corrêa Pacheco, 29 anos, deixa a bicicleta encostada em casa a partir desta segunda-feira (6). Ele, enfim, conseguiu um trabalho: foi contratado como diarista em uma empresa terceirizada que faz a descarga dos eletrodomésticos e eletroeletrônicos de uma rede de varejo. Ainda não será desta vez que terá a Carteira de Trabalho assinada, mas isso não tira sua motivação:
— Estou feliz por ter conseguido o trabalho. É um alívio — conta, com largo sorriso no rosto.
Após um ano e meio sem emprego, a oportunidade chegou à Geovani por intermédio do empresário Vinicius Venturella, 27 anos. Ele leu a história do rapaz, contada por GaúchaZH na semana passada, e o reconheceu.
— É um dever a gente ajudar — diz Venturella, proprietário da empresa Ferreira Santos.
Com sede em Guaíba, a prestadora de serviços emprega 15 funcionários regulares, número que pode chegar a 25 conforme a necessidade por diaristas. A função consiste em descarregar os produtos que chegam nas carretas, organizar e distribuir as entregas em cada um dos boxes onde as vans de transporte estão estacionadas. Por dia, Geovani recebe R$ 50. Após ter sua história contada no site, destaca ter recebido mais de 20 ligações com propostas de trabalho:
— O problema é que nenhuma delas é com carteira assinada. Ligam e pedem para mandar currículo. Quando falam isso, eu sei que não vão ligar de volta. Querem pessoa qualificada e isso não tenho — lamenta Geovani, que deixou a escola na oitava série do Ensino Fundamental.
Ele conta que tentou conciliar os estudos com o trabalho diversas vezes, mas a pesada rotina fez com que desistisse:
— Eu tenho vontade de voltar, mas é difícil pela correria do dia a dia. Tentei pela última vez em 2009, mas chegava (nas aulas) sempre atrasado e cansado. Aí não fui mais.
Cinco minutos de caminhada
Desde o início deste ano, Geovani saía de bicicleta de casa, em Guaíba, pelo menos três vezes por semana em direção a Porto Alegre. Pegava a estrada ainda na madrugada, para enfrentar filas de seleção de emprego. A partir desta segunda-feira, sua rotina tem início às 6h30min, quando ele e a esposa, Tatiana Marques, 38 anos, preparam o café para os filhos — o mais velho tem cinco anos e o mais novo, quatro meses. De casa, são cinco minutos de caminhada até a esquina em que aguarda pelo transporte que o levará até o centro de distribuição da zona norte de Porto Alegre. Diariamente, Venturella leva, de carro, quatro trabalhadores até o local de trabalho.
— Quero dar tudo pra eles, não deixar faltar nada. Dói não ter dinheiro pra comprar o que eles precisam — comenta Geovani sobre os filhos.
Também sem emprego, Tatiana vasculha diariamente anúncios em sites e jornais. Enquanto não consegue uma vaga, a saída tem sido catar latas, vendidas a R$ 2,50 o quilo.
2 mil quilômetros em cinco meses
A peregrinação de Geovani teve início em 2018, após perder a vaga de temporário que ocupava na obra de ampliação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Sem sucesso em Guaíba, estabeleceu ir ao Sine de duas a três vezes por semana, viagens que foram intensificadas em janeiro de 2019.
— Fiz esse caminho de bicicleta mais de 30 vezes só esse ano. Às vezes, tenho que descer e empurrar (a bicicleta), de tanta dor nas pernas. Fora o medo de assalto e o risco de ser atropelado — conta, apontando para a bike, escorada na humilde casa construída em uma área verde do bairro Santa Rita Cohab.
São cerca de 30 quilômetros entre sua casa e a sede da agência de empregos. Entre idas e vindas, garante ter circulado 2 mil quilômetros de bicicleta só neste ano.
Leitores se mobilizam para pagar curso de mecânica
Entre carrinhos de madeira construídos com tábuas recolhidas da rua, Geovani revela o sonho de fazer uma especialização em mecânica e seguir os passos do tio Paulo Roberto:
— Eu gosto muito de fazer os carrinhos e quero fazer algum curso de mecânica. Cresci vendo ele fazer isso e me apaixonei.
Um empresário, que prefere manter seu nome em sigilo, mobilizou leitores que comentaram a matéria no Facebook de GaúchaZH para pagar o curso.
— Ele mostrou que é um cara esforçado. Poderia pegar um caminho diferente, mas escolheu o trabalho, que é o que dignifica o ser humano — explica, ao afirmar que pesquisou por locais que oferecem a especialização e que pelo menos metade do valor do curso já está garantida.
Enquanto vive a expectativa por este curso de mecânica, Geovani faz planos para os R$ 250 que vai receber nesta semana às vésperas do Dia das Mães:
— Minha mãe quer que eu pague um churrasco pra ela, pra reunir a família!