No dia 19 de novembro, Anderson da Silva, 16 anos, acordou mais cedo do que o habitual, às 4h30min. A rotina havia sido alterada, pois o adolescente sabia que, naquele dia, não teria dinheiro para o transporte. Por isso, resolveu levantar da cama quatro horas antes.
Morador do bairro Viamópolis, em Viamão, o menino, que cursa o sétimo ano do Ensino Fundamental em uma escola estadual, caminhou 23 quilômetros – de casa até o bairro São Geraldo, em Porto Alegre –, para não perder a aula de bateria que faz há dois meses. O motivo do esforço é realizar o sonho de tornar-se um baterista famoso e mudar a realidade difícil da mãe e da irmã de nove meses. A distância entre os dois locais era menor, de 18 quilômetros, como mostra o mapa abaixo, mas Anderson se perdeu e acabou caminhando mais do que o necessário.
Naquele dia, sua mãe, Tamara da Silva, 33 anos, que trabalha como empregada doméstica em um mercado próximo à residência da família, não teve como bancar as passagens para o filho:
– Foi horrível saber que ele percorreu tantos quilômetros porque eu não tinha dinheiro. Eu sempre peço adiantamento para a minha patroa. Daí, chega o dia do meu pagamento e não sobra nada. Às vezes, falta comida.
– A música é o que eu amo. Como minha mãe não tinha dinheiro para eu ir, mesmo não conhecendo o caminho direito, coloquei o endereço da escola no mapa do celular e fui. Em alguns momentos, até me perdi – conta Anderson.
Ao chegar ao Estúdio Legato, onde frequenta a aula de música, foi recebido pelo professor Ébano dos Santos, 42 anos, que ficou assustado ao ver o aluno tão cedo: 8h40min – Anderson havia saído às 4h40min de casa. A aula só começava às 11h.
– Ele estava ofegante e pensei que havia sido assaltado. Ofereci água, mas ele recusou. Após insistir muito, Anderson me contou que tinha vindo a pé de Viamão a Porto Alegre, pois estava sem dinheiro para a passagem. Confesso que, sem acreditar, eu comecei a rir – conta Ébano.
Após olhar o celular do menino, Ébano constatou que a história era verdadeira e emocionou-se:
– Resolvi fazer stories no Instagram para mostrar aos alunos que arrumam desculpas para faltar que o Anderson fez todo aquele esforço para estar aqui porque dá valor ao estudo.
O poder da solidariedade
De família humilde, o patrocínio para a realização do curso vem da igreja evangélica Encontros de Fé, em Viamão, frequentada pelo jovem desde os oito anos de idade.
– Meu amigo me viu tocar bateria e foi falar com o antigo líder do ministério. Disse que eu tinha talento e que era para investir em mim. Sou muito grato a eles por terem realizado o meu sonho – conta Anderson, que estuda bateria:
– Eu já tentei tocar outros instrumentos como violão, guitarra, baixo, até cantar eu tentei, mas não deu muito certo. Sempre falo que não fui eu quem escolheu a bateria, e sim ela que me escolheu.
Thais Gonçalves, 24 anos, é uma das pessoas da igreja que ajuda Anderson na realização de seu maior sonho. Comovida, ela conta o motivo do investimento no jovem:
– Mesmo com tantas dificuldades, ele não reclama. O Anderson sempre está alegre, sorrindo apesar de tudo. Prestativo, é o primeiro a chegar no culto e o último a sair. Pagamos o curso dele, porque ele realmente merece.
Atenta às informações sobre o menino, Thais ficou tocada com o esforço que ele fez para ir a aula.
– Nem mesmo a falta de dinheiro e o cansaço impediram o Anderson de lutar pelo que ele ama e acredita, eu não sabia que ele não tinha dinheiro para ir, se eu soubesse, teria ajudado. Ficamos muito comovidos com a coragem dele e, desde o episódio, além de pagar o curso, também damos R$ 15 semanais para o transporte – relata.
Os elogios à conduta do menino também foram feitos por Ébano.
– Muitos não dão valor ao professor e ao estudo, mas o Anderson é diferente. Ele é muito dedicado. Tudo o que oferecem para ele, qualquer oportunidade que largam nas mãos dele, ele agarra e não abre mão – conta.
No dia em que o professor fez a publicação no Instagram, Anderson realizou mais um sonho, o de falar com um de seus ídolos.
– O Márcio Zarzir, baterista do cantor gospel David Quinlan, ficou impressionado com a história e fez uma chamada de vídeo para falar com o Anderson. Além dele, Alexandre Fininho, uma das referências da bateria gospel brasileira, comentou a publicação – conta Ébano.
Um objetivo que transforma
Mesmo convivendo com dificuldades, a alegria no olhar do adolescente é percebida logo que ele pega as baquetas na aula de música. Em poucos minutos, é como se o jovem tímido e quieto desse lugar a um Anderson sorridente e falante. Atento aos comandos do professor, o menino se impressiona ao acertar de primeira o exercício.
– É isso mesmo? Eu acertei? – pergunta, entusiasmado.
A sala repleta de quadros e com duas baterias parece ser o parque de diversões do adolescente. Apesar das necessidades financeiras, Anderson sonha com o dia em que terá o próprio instrumento.
– Meu sonho é ter uma bateria, atualmente, eu uso um pedaço de banco, as minhas pernas e até mesmo o sofá de casa para realizar os exercícios. Mesmo não tendo uma bateria, não vejo empecilhos para a realização da minha atividade – explica.
Contente com as aulas que faz uma vez por semana, Anderson espera começar a tocar no grupo de jovens da igreja no início de janeiro.