A diminuição no número de matrículas na rede privada distancia o Brasil da meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê elevar, até 2024, a taxa líquida de matrículas no Ensino Superior para 33% da população de 18 a 24 anos – em 2015, apenas 18,1% das pessoas nessa faixa etária estavam matriculadas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) compilados pelo movimento Todos pela Educação.
Essa desaceleração, conforme instituições da rede privada, deve-se muito a mudanças como as promovidas pelo governo no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Com mais requisitos para aprovar créditos aos candidatos, as alterações levaram a uma oferta bem menor de contratos. Em 2014, no Estado, foram oferecidas 29,5 mil vagas para o Fies, segundo o Sinepe; em 2015, foram 10,3 mil – queda de aproximadamente 65%. No ano passado, foram 7,8 mil contratos do Fies no Rio Grande do Sul, também conforme o sindicato. Assim, de 2014 para 2017, a oferta do financiamento estudantil pelo governo federal caiu 73%.
– Tem uma redução importante de políticas públicas como o Fies, política de financiamento endurecida até o ponto em que chegamos hoje, de colocar menos pessoas na educação superior – afirma Amarildo Cenci, diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS (Sinpro/RS).
Vice-presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Elizabeth Guedes relativiza o impacto da diminuição no número de contratos firmados com o Fies:
– Não é só a redução do Fies que fez cair o número de alunos. O país passou por uma recessão. Estávamos com quase 14 milhões de desempregados. As pessoas dizem: "Ah, a matrícula no Ensino Superior caiu porque acabou o Fies", mas não é isso. É que, além de ter diminuído o Fies, a classe média quebrou. E muita gente teve de voltar a trabalhar e não pôde mais pagar seus cursos. Ou perdeu o emprego e teve de sair da escola.
O Fies custeia a graduação na rede privada oferecendo, no modelo adotado até o ano passado – que segue vigente para os contratos já firmados –, carência de até 18 meses após o fim do curso para que o estudante pague o valor financiado. O programa chegou a 733 mil contratos em todo o país no auge, em 2014, o que representou um aumento de quase 10 vezes em relação a 2010, quando foram registrados 76 mil contratos (embora o número total de matrículas não tenha crescido proporcionalmente), mas encolheu no segundo mandato de Dilma Rousseff e também no governo Michel Temer.
Foram adotadas regras mais rígidas a partir de 2015, com o MEC reajustando o limite da renda familiar para os interessados, privilegiando instituições de ensino fora dos grandes centros e exigindo que os estudantes interessados em contratos de financiamento do governo tivessem média de pelo menos 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A taxa de juros também subiu nesse intervalo, passando de 3,4% para 6,5% ao ano. Em 2016, o número de contratos firmados caiu para 204 mil.
Em julho de 2017, o Ministério da Fazenda elaborou um relatório em que descreveu o impacto do Fies sobre as contas públicas, elencando "as causas para ausência de sustentabilidade fiscal do modelo vigente". O documento aponta que o programa chegou a uma situação de "insustentabilidade fiscal" porque, em resumo, concentrou o risco de crédito sobre a União, liberou recursos muito rapidamente e cobrou juros sob uma estimativa muito modesta da inadimplência dos estudantes.
Novas regras foram adotadas para 2018, em que foram anunciadas 310 mil novas vagas, sendo 100 mil a juro zero, renovando a expectativa do governo de manter um programa sustentável e prometendo novo fôlego para as instituições da rede privada que querem receber mais estudantes. As principais universidades privadas gaúchas, no entanto, decidiram não aderir ao programa em seu novo formato (leia mais abaixo).
Intacto em meio às dificuldades do Fies, o Programa Universidade para Todos (Prouni) – que concede bolsas de estudo integrais e parciais para alunos com renda familiar per capita máxima de três salários mínimos – até tem se fortalecido. Em 2017, já havia oferecido o maior número de bolsas (214 mil) desde a criação do programa, em 2004, e no início deste ano chegou a um novo recorde, com 242.987 oportunidades em 2.976 instituições privadas de Ensino Superior. No Rio Grande do Sul, a oferta total de bolsas pelo programa passou de 8.936 no primeiro semestre de 2017 para 13.153 no primeiro semestre deste ano – um aumento de 47%.
– O Prouni, felizmente, está se mantendo. É um programa bonito, é interessante, é tudo isso. Mais ainda é pouco para um país que precisaria ter muito mais possibilidades de ingressos dessa forma (com bolsas de estudo) – avalia o sociólogo Carlos Monteiro.
Os candidatos são selecionados pelas notas obtidas no Enem e não podem ter zerado a redação. Em contrapartida pelas bolsas, as instituições da rede privada participantes recebem isenção de tributos.
Universidades rejeitam o Novo Fies
O Novo Fies, como o Ministério da Educação batizou o fundo de financiamento reformulado para 2018, promete oferecer 310 mil contratos neste ano – sendo 100 mil destinados a estudantes de baixa renda, com taxa de juros real igual a zero. Como não foi feita uma divisão por Estado, não há um número definido de vagas para o Rio Grande do Sul. Contudo, das cinco maiores universidades privadas do Estado, citadas na outra parte desta reportagem, só a UniRitter afirmou que vai aderir ao programa. Todas as demais apostam na oferta de financiamentos próprios e criticam as novas regras impostas pelo governo federal.
Com três diferentes modalidades, que contemplam estudantes com renda familiar de até cinco salários mínimos per capita, o Fies passa, agora, a contar com fontes de recursos diferentes, o que, pela estimativa do governo, vai ajudar a consolidar o programa mesmo diante de desafios econômicos. Apenas a primeira modalidade, voltada a estudantes com renda familiar per capita mensal de até três salários mínimos, terá recursos diretamente da União. Nas outras duas, os recursos virão de bancos regionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste – na modalidade 2, apenas para alunos dessas regiões – e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – na modalidade 3, para estudantes de todo o país.
"As gestões passadas do governo federal deixaram o Fies com uma inadimplência de quase 50% e com um fundo garantidor que só cobriria 10%. Segundo diagnóstico do Ministério da Fazenda, que contou com o apoio do Ministério da Educação, o ônus fiscal do Fies em 2016 chegou a R$ 32 bilhões, valor 15 vezes superior ao custo apresentado em 2011. Se o programa se mantivesse como concebido e projetado, se tornaria insustentável, com o Tesouro Nacional e o governo federal sem condição de mantê-lo, o que provocaria o fim da política", declarou o MEC ao anunciar a reformulação do programa.
O ministro da Educação, Mendonça Filho, estimou que o Tesouro Nacional vai economizar algo entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões em 10 anos com o Novo Fies. Mas, segundo levantamento realizado pelo Sinepe-RS em novembro, 70% das instituições de ensino gaúchas afirmaram que tendem a não aderir ao programa em 2018. Em entrevista a ZH, Evaldo Kuiava, reitor da UCS, chegou a nomear o novo fundo como "um engodo".
É bom deixar claro que não é preciso aderir ao Novo Fies para manter os contratos de alunos que estudam ou estudaram com financiamento no modelo antigo.
Temendo prejuízos às instituições e aos alunos beneficiados pelo programa, a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) chegou a recomendar a mantenedoras e diretores de instituições de Ensino Superior a não adesão ao Fies em 2018 – decisão lamentada pelo ministério. A orientação foi dada porque, segundo a federação, as novas regras do programa, sancionadas em dezembro, interferem na autonomia da gestão financeira das instituições.
Muitas universidades da rede privada, desde o declínio na oferta de vagas no Fies, têm oferecido programas independentes do governo federal para estudantes que queiram ingressar no Ensino Superior, mas encontram dificuldades em arcar com as mensalidades. Ulbra e PUCRS informaram que contam com linhas próprias de crédito educativo, em que alunos de todos os cursos, presenciais e a distância, podem solicitar financiamento de até 50% da mensalidade – a outra metade deve ser paga após a conclusão do curso, com baixas taxas de administração. A Unisinos também conta com opções de crédito universitário – um deles em parceria com o Pravaler, que afirma ser o maior programa de crédito universitário privado do país e também é adotado pela UniRitter –, além de diversos tipos de descontos para a graduação. A UCS anunciou um novo sistema de pagamentos para 2018, em que há, para alguns cursos, opções de parcelamento do total do curso com prazo estendido. O sistema, assim como no Novo Fies, permite que os alunos tenham acesso ao valor total da graduação no momento da contratação.
Para a vice-presidente da Anup, a oferta de linhas de crédito próprias é o caminho que as maiores instituições do Ensino Superior privado devem seguir para continuar atraindo estudantes:
– Precisamos encontrar formas de financiar os nossos alunos. Já temos feito isso, com nossos próprios programas de bolsa. No ano passado, tivemos mais de 1 milhão de bolsas concedidas pelas próprias instituições para financiar os seus alunos. Vamos continuar contando com a colaboração do MEC, mas buscando novas formas de financiamento.
Apesar de o Novo Fies ter sido criticado pelas universidades, o Ministério da Fazenda comemorou que "a experiência nos anos de 2015 e 2016, quando o programa sofreu certo nível de restrição fiscal, mostrou o desenvolvimento, ainda que incipiente, do mercado de crédito privado de financiamento estudantil", passando a fazer com que também as instituições de Ensino Superior assumissem parte dos riscos financeiros do financiamento.
Cursos de EAD ganham força
Paralelamente à queda nas matrículas de graduações presenciais, o ingresso de alunos em cursos a distância aumentou. Em 2016, 1,49 milhão de estudantes estavam matriculados em EAD, o que representa 18,6% dos 8,05 milhões de alunos do Ensino Superior – em 2006, as matrículas nessa modalidade representavam 4,2% do total.
O ingresso em cursos EAD disparou em 2016, com 843 mil novos alunos entrando em graduações a distância. A oferta desse tipo de curso é vista como alternativa para as instituições da rede privada, diante da dificuldade de atrair e manter estudantes em cursos presenciais, que costumam ter mensalidades mais caras.
No primeiro semestre de 2017, o MEC afrouxou as regras para o ensino a distância, permitindo que as instituições ofereçam cursos exclusivamente em EAD, na graduação e na pós-graduação, sem precisar de credenciamento para cursos presenciais.
Para a professora da Faculdade de Educação da UFRGS Patrícia Behar, o EAD tem vantagens e pode atrair mais alunos, porém, as instituições devem entender que não é qualquer aluno que se adapta às aulas virtuais:
– O estudante precisa ser organizado, ter iniciativa e independência. As universidades podem abrir muitas vagas para esse público, mas, se os alunos não se encaixarem no formato, haverá um grande índice de evasão.
Pesquisadores em educação também se preocupam com a possibilidade de o ensino a distância ser utilizado como forma de baratear os custos com infraestrutura e contratação do corpo docente.
– Os cursos EAD, baseados apenas no modelo instrucional, na simples transmissão de conteúdo, têm custos mais baixos, pelo menos a longo prazo, porque podem atingir muitos alunos, mas também apresentam menor qualidade. O aluno paga pouco, mas pode ter uma formação precária – diz a professora Rosane Aragón, doutora em Informática na Educação pela UFRGS.