Modificado para garantir mais sustentabilidade fiscal ao programa que ajuda centenas de milhares de estudantes a pagar suas matrículas na rede privada de Ensino Superior, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), em seu novo modelo, que começa a funcionar neste ano, tem encontrado um misto de apoio e resistência. Enquanto o governo defende que as mudanças vão beneficiar quem mais precisa, algumas instituições, mesmo entre as que aderiram ao formato antigo, relatam não estar dispostas a assumir os riscos que, entendem, estão associados ao chamado Novo Fies.
Com a bandeira de que vai ofertar 310 mil novas vagas em 2018, sendo 100 mil a juro zero – para estudantes com renda per capita mensal familiar de até três salários mínimos –, o Ministério da Educação (MEC) aposta no programa para dar continuidade à política de financiamento estudantil que, por parte do governo, tem diminuído nos últimos anos. Diante da crise, porém, essa continuidade significou também ajustes para que a pasta, segundo informa, consiga continuar bancando o Fies a médio e longo prazos.
"O antigo modelo do Fundo de Financiamento Estudantil vinha gerando aumentos consecutivos no percentual de inadimplência registrado pelo programa, que chegou a atingir 50,1%. Em 2016, o ônus fiscal do Fies foi de R$ 32 bilhões, valor 15 vezes superior ao custo apresentado em 2011. Tais números, juntamente com um fundo garantidor insuficiente, colocavam em risco a existência do programa e a manutenção do ritmo de cessão de bolsas", explicou o ministério quando o Novo Fies foi sancionado pelo presidente Michel Temer, em dezembro.
Para entidades representativas das instituições da rede privada, porém, as mudanças significam que os riscos deixam de ser assumidos pelo governo e passam a ficar sob responsabilidade de quem receber os alunos que ingressarem com esse financiamento. As instituições que participarem do programa, nos novos moldes, são obrigadas a aderir ao Fundo Garantidor do Fies (FG-Fies), que será formado principalmente por aportes das instituições.
A Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) recomendou a mantenedoras e diretores de instituições de Ensino Superior a não adesão ao Fies em 2018. Para a Fenep, as novas regras do programa interferem na autonomia da gestão financeira das instituições e trarão prejuízos às instituições e aos alunos beneficiados pelo programa.
— O governo não consegue enxergar o investimento em educação como investimento no futuro do país. Hoje, o governo tem uma visão muito mais financista do que de futuro. Nós precisamos do investimento público em educação porque existem milhares de jovens que querem ingressar no Ensino Superior e não têm condições de arcar com os custos — declara Bruno Eizerik, diretor-administrativo da Fenep e presidente do Sindicato do Ensino Privado do Estado (Sinepe-RS).
Salientando que a participação das instituições no Fies é facultativa, o MEC lamentou, em nota, o posicionamento da Fenep, o qual julgou "pautado em informações equivocadas e que demonstram desinformação sobre o Novo Fies".
"A reformulação do programa é fruto de um extensivo diálogo entre todos os envolvidos no ciclo operacional, que permitiu transformar uma política pública com graves problemas, principalmente fiscais, em um novo programa mais eficiente, transparente e sustentável e que atende os interesses do país, das instituições de Ensino Superior e, principalmente, dos estudantes", informou a pasta.
Negação ao programa não é consenso
Levantamento realizado pelo Sinepe em novembro apontou que 70% das instituições de ensino gaúchas afirmaram que tendem a não aderir ao programa em 2018. O prazo para as interessadas informarem o governo se desejam fazer parte do programa vai até esta sexta-feira (19).
A não adesão ao Fies neste ano, porém, não encontra respaldo em todas as esferas de representação do Ensino Superior privado. Julgando precipitado recomendar que instituições "boicotem" o programa em seu novo modelo, a Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) defende que é preciso que cada faculdade, centro universitário e universidade confira se as regras atuais são ou não adequadas ao seu caso específico.
— O MEC fez um esforço muito grande para que esse Fies pudesse ser lançado. O modelo que temos hoje é o que é possível dentro das enormes restrições que o Ministério da Fazenda impôs. Então, a Anup não está incentivando que ninguém deixe de aderir ao programa. Mas é preciso que (as instituições de ensino privado) façam um exercício para ver se o modelo é ou não adequado para cada instituição — argumenta Elizabeth Guedes, vice-presidente da Anup.
Elizabeth descreve que instituições particulares de nível superior estão cada vez mais buscando alternativas próprias de financiamento estudantil. Isso é possível por meio de parcerias com bancos com o objetivo de oferecer aos alunos a opção de pagar parte da matrícula enquanto estudam e outra parte quando já estiverem formados.
— Vamos precisar continuar encontrando formas de financiar os nossos alunos. Já temos feito isso, com nossos próprios programas. É um erro imaginar que nós vamos continuar dependendo do governo. Vamos contar com a colaboração do MEC, mas sabendo que a Fazenda não gosta de financiamento estudantil, porque acha que isso dá prejuízo para o país. Então, nós vamos continuar perseverando nisso e encontrando novas formas de financiamento.
Novo Fies
*Serão ofertadas 310 mil vagas.
*Dessas, 100 mil vagas (32%) serão com financiamento a juro zero para estudantes com renda familiar mensal de até três salários mínimos.
*O preenchimento das vagas vai depender da adesão das instituições de Ensino Superior e da demanda dos estudantes.
O QUE MUDA COM O NOVO FIES?
Tipos de contrato
Como era: existe apenas um tipo de financiamento, para alunos com renda familiar per capita de até três salários mínimos e juros de 6,5% ao ano.
Como fica:
Modalidade 1 – destinada à oferta de vagas com juro zero para os estudantes que tiverem uma renda per capita mensal familiar de até três salários mínimos. Nessa modalidade, o aluno começará a pagar as prestações respeitando o seu limite de renda, fazendo com que os encargos a serem pagos pelos estudantes diminuam consideravelmente.
Modalidade 2 – destinada às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com recursos dos Fundos Constitucionais e de Desenvolvimento, para os estudantes que tiverem uma renda per capita mensal familiar de até cinco salários mínimos.
Modalidade 3 – destinada a todas as regiões do Brasil, com recursos do BNDES. Assim como a modalidade 2, será destinada para os estudantes que tiverem uma renda per capita mensal familiar de até cinco salários mínimos.
Pagamento
Como era: pagamento independe de o recém-formado conseguir um emprego.
Como fica: ao conseguir emprego e renda, o ex-aluno terá desconto automático no salário.
Carência
Como era: estudante tem 18 meses para começar a quitar o financiamento após o fim do curso.
Como fica: a devolução começa partir do primeiro mês após a conclusão do curso.
Valor financiado
Como era: varia ao longo do curso, seguindo os reajustes das mensalidades.
Como fica: o aluno vai saber o valor total da dívida ao assinar o contrato.
Quem pode participar
Estudantes de todo o Brasil com renda per capita mensal familiar de até cinco salários mínimos, com nota mínima de 450 pontos no Enem e que não tenham tirado nota zero na redação.
O que muda para quem já tem Fies?
As novas regras serão aplicáveis aos contratos firmados a partir do primeiro semestre de 2018. Para os estudantes que possuírem contratos celebrados até o segundo semestre de 2017, será opcional a migração para as novas regras.
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Confira, na íntegra, a nota do MEC:
O Ministério da Educação lamenta que a FENEP emita posicionamento pautado em informações equivocadas e que demonstram desinformação sobre o Novo Fies. A atual gestão, quando assumiu o MEC, em maio de 2016, encontrou o FIES submetido a uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), cuja conclusão identificou rombo fiscal no programa, “descalabro” na gestão do Fundo e dificuldades para que o programa banque os estudos de gerações futuras em instituições privadas de ensino superior.
As gestões passadas do governo federal deixaram o FIES com uma inadimplência de quase 50% e com um Fundo Garantidor que só cobriria 10%. Segundo diagnóstico do Ministério da Fazenda, que contou com o apoio do Ministério da Educação, o ônus fiscal do FIES em 2016 chegou a R$ 32 bilhões, valor 15 vezes superior ao custo apresentado em 2011. Se o programa se mantivesse como concebido e projetado, se tornaria insustentável, com o Tesouro Nacional e o governo federal sem condição de mantê-lo, o que provocaria o fim da política.
O novo FIES é um modelo de financiamento estudantil moderno, que divide o programa em diferentes modalidades, possibilitando juros zero a quem mais precisa e uma escala de financiamentos que varia conforme a renda familiar do candidato. Além disso, traz melhorias significativas na gestão do novo Fundo Garantidor, dando sustentabilidade financeira ao programa a fim de viabilizar um acesso mais amplo ao ensino superior.
A reformulação do Programa é fruto de um extensivo diálogo entre todos os envolvidos no ciclo operacional, que permitiu transformar uma política pública com graves problemas, principalmente fiscais, em um novo programa mais eficiente, transparente e sustentável e que atende os interesses do País, das instituições de ensino superior e, principalmente, dos estudantes.
Como forma de minimizar os riscos, a proposta cria o Fundo Garantidor do Fies (FG-Fies). O FG-FIES é um fundo privado e garantidor dos contratos de crédito do novo FIES, onde as instituições de ensino são cotistas e respondem até o limite de suas cotas no FG-FIES pelo não pagamento dos alunos da instituição.
Conforme artigo 4º, § 11 da Lei 10.260/2001, o aporte das IES (Instituições de Ensino Superior) é de 13% no primeiro ano e entre 10% e 25% do segundo ao quinto ano da entidade mantenedora no FG-FIES. A partir do sexto ano, o percentual de contribuição não poderá ser inferior a 10%. O aporte é variável, tendo em vista que será calculado em função da evasão dos estudantes, do não pagamento da coparticipação ou do não pagamento de outros valores devidos pelo estudante financiado pelo FIES, sempre respeitando os limites da lei. Dessa forma, mesmo com o aporte da União, que pode chegar a R$ 3 bilhões, este fundo será formado também por aportes das instituições, que passam a ter risco compartilhado com o governo. Quanto menor o número de alunos inadimplentes a instituição tiver, menor será o aporte necessário ao fundo. Anteriormente, apenas o governo federal teria que cobrir a inadimplência deixada pelos alunos de todas as instituições participantes.
O repasse da parcela de coparticipação do aluno no novo FIES será realizado diretamente para o agente operador do programa. Ela permite inclusive, que as instituições recebam os valores dos alunos em um prazo não superior a 2 dias e sem custos adicionais de cobrança.
A alteração da forma de reajuste da mensalidade dá transparência ao aluno da estimativa do valor do curso e do crédito educacional que ele contratará, além de garantir a comparabilidade de preços das diversas ofertas de cursos entre as instituições. As instituições de ensino podem aplicar o reajuste que julgarem adequado, acima ou abaixo da inflação, informando, no momento da oferta de vagas, qual percentual do índice de inflação oficial deverá ser aplicado durante o contrato. O MEC não interfere na política de preços praticados.
A participação das instituições no FIES é facultativa. As regras permitem que elas decidam ofertar vagas ou não a cada processo seletivo. Destaca-se, entretanto, que as instituições assumem o compromisso de continuar prestando o serviço aos alunos que contrataram o FIES durante a sua permanência no programa. Essa regra atende ao critério de segurança jurídica necessário para preservar o direito de todas as partes envolvidas.