No dia 31 de janeiro, Gabriel Cledson da Silva, 27 anos, pôs fim a uma jornada iniciada em 2018, de buscar sua aprovação em Medicina em uma universidade pública. O jovem, agora, precisa lidar com um "detalhe": a vaga que conseguiu pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) é na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, a 4 mil quilômetros de Natal, no Rio Grande do Norte, onde mora. Uma vaquinha foi criada para custear a viagem.
Filho de uma catadora, Gabriel passou boa parte desses seis anos trabalhando como auxiliar de serviços gerais em uma escola, de manhã e à tarde, e estudando para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) à noite. As dificuldades aumentaram no ano passado, quando resolveu pedir demissão, para ter mais tempo para se preparar e sua mãe perdeu o emprego.
— Foi uma caminhada muito difícil, mas pensei: se está acontecendo tudo isso, é porque já vem algo muito legal por aí. E veio, graças a Deus, a minha aprovação em Medicina — celebrou o estudante em entrevista ao Faixa Especial, da Rádio Gaúcha.
O vestibulando conta que a rotina, ao longo desses anos, foi cansativa. No segundo ano de preparação, conseguiu uma bolsa em um cursinho de sua cidade e, entre idas e vindas de ônibus, chegava em casa só para dormir. De manhã cedo, já estava de pé para trabalhar. Nos estudos preparatórios, aprendeu os conteúdos praticamente do zero.
— Infelizmente, o ensino público é muito deficiente aqui em Natal. Então, eu saí do Ensino Médio sem saber nada, praticamente. Não tinha base em Matemática, Língua Portuguesa, não sabia nem escrever uma redação. Basicamente, aprendi tudo em cursinhos online que eu pedia para a minha tia comprar no cartão dela — lembra o jovem.
No meio do caminho, chegou a passar em Direito na Universidade de São Paulo (USP), mas optou por não cursar e seguir com o seu sonho de estudar Medicina.
— A Medicina é uma profissão linda. Quero fazer Medicina principalmente porque, hoje em dia, infelizmente há muitos profissionais que nem olham na cara do paciente. O médico tem que ser humano, tratar o outro com empatia, alteridade, se colocar no lugar do outro, e isso, muitas vezes, não acontece nos hospitais. Eu quero fazer Medicina para fazer diferente.
A decisão de se candidatar a uma vaga para o curso de Medicina na UFRGS, tão longe de casa, aconteceu no último dia de inscrições. Estudar na instituição era um sonho antigo, mas, das outras vezes, a nota não foi suficiente para conquistar a posição. Conversando com a mãe sobre a boa estrutura da universidade e a confiança de que se tornará um bom profissional lá, ele resolveu encarar o desafio. Depois de tanto tempo, o momento é de assimilação.
— É muito surreal, porque eu vou ter que fazer faculdade em outro Estado, totalmente longe, com uma cultura totalmente diferente. Mas eu venho recebendo muitas mensagens positivas da região Sul. Sei que o processo de mudança vai ser muito difícil, mas eu me imagino, lá na frente, sendo um bom médico — vislumbra o estudante, que simpatiza com a área de neurocirurgia.
Gabriel cita Carlos Drummond de Andrade e seu poema “No meio do caminho”, para dizer que, apesar das pedras que encontrou pelo caminho, é importante retirar cada pedra e superar cada obstáculo para conquistar seus objetivos. A quem quiser apoiar o jovem a tirar algumas dessas pedrinhas, a vaquinha online criada pelo jovem está disponível neste link.
Ouça a entrevista na íntegra: