O Brasil apresenta defasagem histórica na aprendizagem e no ensino de matemática. É o que apontam os principais indicadores de avaliação da Educação Básica, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), bem como pesquisas globais. Com o fim do ano letivo, esse pode ser mais um fator a impactar os estudantes, em especial os que têm dificuldades na disciplina.
Conforme os dados mais recentes do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), em 2022, apenas 27% dos alunos brasileiros de 15 anos de idade atingiram o nível mínimo de proficiência em matemática. A média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 69%.
Realizado a cada três anos, o estudo avalia o conhecimento dos estudantes em Matemática, Ciências e leitura. No total, 10,7 mil alunos de 599 escolas no país passaram pela avaliação em 2022. As notas dos jovens em matemática caíram de 383,6, em 2018, para 378,7 no último levantamento. A pesquisa dá notas de zero a 600 pontos – quanto mais alto o valor, melhor a avaliação.
Segundo a diretora do Instituto Reúna e doutora em Educação, Katia Stocco Smole, recuperar as aprendizagens em Matemática precisa ser um projeto no país, tendo em vista que esse problema perdura há décadas, desde muito antes da pandemia. Ela diz que o próprio desempenho ruim dos alunos na disciplina foi naturalizado no Brasil, como se fosse algo normal.
— O Pisa mostra que quando os estudantes não sabem matemática, ou sabem em um nível baixo, eles vão ter menos chances de trabalho, vão ter menos chances de seguir aprendendo coisas das áreas acadêmicas. O próprio desenvolvimento pessoal e profissional fica comprometido.
Vencendo os medos
Segundo o professor de matemática Arthur Barcellos Bernd, que leciona para adolescentes há cerca de 10 anos, álgebra, geometria e probabilidade são as campeãs em termos de dificuldades dos alunos. Para obter melhor desempenho, ele diz que os estudantes devem deixar de encarar a disciplina como algo inalcançável.
— Quando o aluno resolve uma operação e chega a uma resposta absurda, claramente está errado. A matemática tem essa tendência de escancarar os erros, e isso é frustrante para eles. Existe uma grande ansiedade em relação a avaliações nessa disciplina. É algo cultural, que tem a ver com o nosso sistema educacional — diz o diretor do Anglo Pré-Vestibular.
Comecei a gostar disso na matemática, as coisas nunca deixam de fazer sentido, é bem mais simples do que eu pensava.
LARA VALLIM
19 anos
Conforme se acumula essa ansiedade, vai se criando um estigma em torno da disciplina. Por isso, é importante que os alunos se desafiem e vençam os medos. Foi o caso de Lara Vallim, 19 anos, que está se preparando para o vestibular. A jovem conta que passou por uma reviravolta – após anos sem gostar de matemática e se considerar uma pessoa “de humanas”, ela diz que começou a gostar das ciências exatas, depois de mudar sua perspectiva:
— Nunca tive muita facilidade com matérias de exatas. No último ano do Ensino Médio eu me neguei a aprender números complexos. Eu não queria aprender, porque parecia algo que eu não ia usar para nada na vida, eu não via aplicação na realidade. Quando entrei no cursinho, eu acabei aceitando o desafio e dando uma chance para a matemática — relata.
Depois que começou a se debruçar nos estudos e fazer mais exercícios em casa, para além dos momentos em sala de aula, a estudante começou a identificar seus pontos fracos e melhorar seu desempenho. Segundo ela, o que mais a ajudou foi ganhar confiança e aplicar a criatividade na resolução das questões, e não buscar uma única solução "mágica". Com isso, o estudo se tornou mais prazeroso.
— Eu comecei a tomar mais liberdade para ver uma mesma questão por mais pontos de vista. Agora, quando faço uma questão, sei pelo menos três jeitos diferentes de resolver. Comecei a gostar disso na matemática, as coisas nunca deixam de fazer sentido, é bem mais simples do que eu pensava — diz.
Foco e estratégia
Conforme Bernd, resolver problemas de matemática não tem mistério: é sempre uma sequência de etapas, como se fosse uma receita de bolo. A leitura atenta e a interpretação de texto são essenciais para compreender as questões em provas, por exemplo. Outro ponto importante é ter uma relação saudável com as telas, para não prejudicar a concentração.
— O pensamento complexo exige tempo, dedicação. Hoje em dia, as redes sociais não nos permitem tempo para refletir, parar e pensar sobre o problema. Isso dificulta a aprendizagem. Qualquer problema complexo da vida envolve também hipótese, tentativa e erro. Ao resolver um problema, é preciso respeitar essa sequência de passos — explica Bernd.
Katia entende que desenvolver essas competências desde a infância e aprofundar os conhecimentos e habilidades ao longo da trajetória escolar é fundamental:
— As pesquisas indicam que, se as crianças começam a aprender matemática desde cedo, a chance delas não terem dificuldades para aprender a disciplina nas séries posteriores, de serem bem-sucedidas nessa aprendizagem, vai ser maior do que se eu dou foco para a alfabetização em línguas, achando que, primeiro, elas precisam aprender a ler e escrever para depois aprender matemática.