Uma auditoria operacional realizada pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE) aponta para desigualdade persistente entre as escolas municipais e as conveniadas da rede de ensino da prefeitura de Porto Alegre que oferecem Educação Infantil. Obtido pela Zero Hora por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o resultado dessa análise, realizada em 2022, sinaliza condições piores de formação e salário de docentes, merenda, proporção de alunos por professor e oferta de equipamentos pedagógicos nas instituições parceirizadas.
A auditoria operacional foi desenvolvida no segundo semestre de 2022 e envolveu visitas às escolas de Educação Infantil das redes própria e conveniada, realização de grupos focais com diretores, professores e famílias de alunos e entrevista com a Secretaria Municipal de Educação (Smed). A conclusão foi que há dois principais desafios para o município nessa etapa: garantir o acesso à educação, com atingimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), e a equidade entre os estudantes matriculados nos estabelecimentos municipais e parceirizados.
A preocupação relativa à desigualdade da qualidade no atendimento da rede própria e da conveniada é acrescida pelo fato de que, no período analisado, em torno de três quartos das 27,5 mil matrículas da Educação Infantil eram nas instituições parceirizadas, que não são municipais, mas, a partir de contratos com a prefeitura, atendem alunos que demandaram aquela vaga para o município. O índice era ainda maior entre as creches, de 84%.
A parceria com escolas comunitárias foi crescendo, ao longo dos anos, como solução para suprir a falta de vagas na rede própria. Mesmo assim, em 2022 a Smed relatou ao TCE que 6.573 crianças aguardavam em lista de espera. A situação mais grave era na etapa da creche, de zero a três anos, com falta de 5.521 vagas. Para zerar o déficit, o tribunal estimou, com valores de 2021, que o município precisaria despender R$ 71,8 milhões, se o atendimento fosse oferecido por convênio, e R$ 79,4 milhões, se fosse na rede própria.
Já altos, os números foram entendidos pela corte como dados que “não revelavam o real cenário de carência de vagas”, pois não havia busca ativa do município por crianças em idade escolar que não requisitaram vagas. O TCE apontou que “o número de vagas a ser criado é consideravelmente maior”, se o objetivo for atingir a meta 1 do PNE, de atender 50% da população de até três anos em creches e 100% das crianças de quatro a cinco em pré-escolas.
O TCE reconhece que a rede comunitária apresentava estrutura “significativamente inferior” em vistorias feitas em anos anteriores, e que houve “relevante incremento” do valor médio repassado por aluno em 2018 e elevação do nível de exigências para credenciamento. Por esse motivo, ocorreu uma evolução da rede comunitária, em termos de infraestrutura, na comparação com a encontrada em 2014, mas notou-se a manutenção da desigualdade “no tocante à disponibilidade de brinquedos, equipamentos pedagógicos e gêneros alimentícios”. Há, ainda, disparidade quando é avaliada a formação e o salário dos professores, a relação de alunos por professor e a oferta de monitores para o atendimento da Educação Especial.
Esforços para melhorar
O trabalho da Smed para reduzir a desigualdade entre a rede comunitária e a própria ocorre em diferentes frentes, segundo Julia Scalco, coordenadora de Educação Infantil da pasta. A partir de uma aproximação do fórum representativo dessas instituições, a secretaria tem mapeado as demandas dessas escolas, focando na questão financeira para, lá na ponta, viabilizar uma qualificação do processo pedagógico.
— Desde o ano passado, reforçamos em 7% o repasse de valores para as escolas e a ideia é que em setembro as instituições que tenham berçário recebam um valor extra, para pensar nas especificidades dessa faixa etária. Esse recurso vai variar, de acordo com o número de crianças atendidas pela escola e pelo número de horas que a escola atende — relata Julia.
Das 220 escolas conveniadas, 54 recebem um repasse maior por aluno, porque atendem as crianças por um período de 12 horas, em vez as 10 horas padrão. A intenção da Smed é ampliar o número de instituições com essa carga horária, mas não há prazo para que isso ocorra.
A partir de um acordo junto ao Sindicado dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS), Julia pontua que muitos docentes já têm sido promovidos de cargos de auxiliares para professores, o que representa um acréscimo salarial, e uma série de formações e apresentações de boas práticas têm buscado qualificar a parte pedagógica das instituições.
Um estabelecimento comunitário apresentado como exemplo entre as conveniadas é a Escola Comunitária de Educação Infantil Vivi Reis, na Restinga. Lá, um espaço que iniciou recebendo 113 crianças foi crescendo, passando para 133, depois para 173 e, em julho, inaugurou um novo prédio que ampliará o atendimento para um total de 280 estudantes.
O novo espaço tem quatro salas de aula, todas com ventilador, televisão e split, e conta com novo refeitório que receberá quatro turmas por vez. O refeitório antigo, no prédio principal, será desativado e passará a servir de ateliê. A última ampliação foi com verba da própria Smed, mas André Seixas, dirigente da escola, diz que faz um esforço constante de busca por recursos do Orçamento Participativo, de emendas parlamentares e organização das finanças.
— A gente foi organizando, reforçando e mudando a questão pedagógica para um sistema mais moderno. Com isso, conseguimos essa ampliação e, agora, atendendo 280 crianças, nos tornamos a maior escola de Educação Infantil de Porto Alegre — celebra Seixas.
O gestor administra outras instituições comunitárias da região e, para reduzir custos administrativos, unificou esse setor em um só lugar. Com reformas e organização dos horários dos professores e volantes, viabilizou o atendimento de mais alunos nos espaços, sempre respeitando as metragens previstas por lei. Para a merenda, recebe o kit rancho do município, mas o reforça com outros alimentos, para oferecer uma variedade maior.