Os planos de reorganização da Secretaria Municipal da Educação de Porto Alegre (Smed) foram debatidos nesta terça-feira (4) com o novo titular da pasta, José Paulo da Rosa, em entrevista ao programa Atualidade, da Rádio Gaúcha. Rosa assumiu no lugar da ex-secretária Sônia da Rosa, que deixou o cargo no dia 18 de junho, após uma série de reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) sobre livros, equipamentos tecnológicos e esportivos comprados pela prefeitura e que estão em desuso, empilhados em escolas e galpões precários.
Gestor educacional e pós-doutor em Educação, Rosa destacou que "problemas de logística foram identificados", mas que, após "uma força-tarefa", boa parte daquele material já foi distribuído para as escolas. Ele falou, ainda, sobre uma dificuldade de comunicação entre os servidores da Smed, o que, segundo ele, tem relação com a pandemia, já que em função das regras de distanciamento social, as pessoas passaram a trabalhar de casa.
O novo secretário também citou os planos de melhorar o diálogo entre a Smed e as escolas, a importância da valorização salarial dos professores e os caminhos para buscar uma educação de qualidade em Porto Alegre.
Confira a entrevista:
O que o prefeito pediu para o senhor quando o convidou (para assumir a pasta)?
O prefeito obviamente está preocupado para que a gente melhore os índices da educação de Porto Alegre. Mas, especialmente neste momento, preocupado com os aspectos de gestão da secretaria que fizeram com que este problema surgisse (as denúncias de problemas de distribuição e de falta de uso de materiais didáticos). E, em um primeiro momento, talvez a maior demanda seja essa: resolver esses problemas de gestão, para que depois a gente possa trabalhar com diretores, professores e projetar o futuro da educação de Porto Alegre para um outro patamar. Então, essa foi a principal preocupação do prefeito nesse momento. E a minha experiência em educação e gestão da educação foi levada em consideração para esse convite.
Um elogio (dos professores) à secretária (anterior) era que havia um diálogo com ela, algo que, com outros gestores, não acontecia. E apesar de ter saído agora com essa situação, o diálogo era uma coisa que as escolas elogiavam. Como é que o senhor pretende manter esse diálogo?
É do meu perfil manter esta relação. Sempre trabalhei com ética, com responsabilidade, com transparência. E quando a gente trabalha assim, não tem problema em ouvir as pessoas. Algumas coisas a gente pode atender, outras não. Vamos negociar, não tem problema. E eu sempre tive esse perfil em todas as organizações que eu passei.
Nos últimos 22 anos, eu fui o CEO de redes de escolas como o Senac, como o Sesc, e a minha relação com os diretores é uma relação direta. Reuniões frequentes, que, inclusive, a pandemia facilitou, porque podemos fazer reuniões virtuais com mais frequência e reuniões presenciais. É isso que eu pretendo fazer com todo o grupo de diretores e professores. Conversar de forma aberta e transparente, porque melhorar a qualidade da educação é um desafio de todos nós.
Tem duas comissões parlamentares de inquérito (CPI) prestes a começar na Câmara de Vereadores. O que é algo inédito, duas CPIs ao mesmo tempo sobre a mesma matéria, a partir das denúncias feitas pelo Grupo de Investigação (GDI) da RBS. Gostaria de saber sua opinião sobre esse movimento do investigativo, não lhe parece uma ação um tanto eleitoreira, a um ano das eleições?
Eu estou chegando agora, então não conheço ainda as duas CPIs, as motivações. Eu sei que decorre muito do trabalho que vocês fizeram aqui do GDI, mas eu acho que o que foi feito – as compras que foram feitas – e o trabalho da ex-secretária Sônia é um trabalho sério. Eu confio no trabalho dela. As licitações foram corretas, e os valores pagos são valores normais de mercado. E talvez tenha pecado na distribuição, que o próprio prefeito reconheceu. Então, eu não vejo problema que a Câmara de Vereadores avalie isso.
Os problemas de logística que foram identificados, os bens que eventualmente estavam mal acumulados e não foram distribuídos, houve uma força-tarefa com o vice-prefeito Ricardo Gomes e a secretaria de Planejamento e boa parte daquele material já foi distribuído. Os problemas já estão praticamente todos solucionados e eu não vejo nenhum problema em explicar isso em uma CPI. Acho que a Câmara está cumprindo o seu papel, e é nosso papel dar as devidas explicações.
O senhor comentou que é um homem do diálogo. Pretende melhorar isso (na sua gestão)?
Acho que tem espaço para melhorar, especialmente nessa conversa, nesse diálogo com as escolas. Eu acho que o momento agora é muito propício. Estou entrando no início do segundo semestre, e é um momento que a gente tem que discutir e planejar 2024. Então, que a gente não cometa os mesmos erros do passado, que vamos conversar. Eu compreendo, e acho que temos que compreender, algumas dificuldades que a legislação impõe. Que, talvez, tenham levado a comprar alguns bens e o tempo entre a compra e essa negociação com a rede talvez não tenha sido adequado.
Os nossos colegas mostraram que o preço foi superior em algumas aquisições do que no interior do Estado, para quantidades menores.
Eu não me informei ainda de todos esses preços e das formas de compra. Em princípio, do que eu acompanhei, os preços estão adequados. Os chromebooks, por exemplo, se pagou R$ 1.960 por chromebook. Eu estive pesquisando os valores de chromebook e ficam entre R$ 1,9 mil e o melhor, até R$ 13 mil. E foi pago R$ 1.960, em um processo licitatório legalmente constituído.
Mas de carona (no caso dos chomebooks, a compra foi feita por licitação própria) ...
Isso não é problema. Eu não vejo problema em fazer adesão a um processo licitatório legal em andamento. Eu acho que o poder público sempre foi cobrado e criticado pela demora, pela morosidade. Aí, quando se encontra uma forma legal de agilizar o processo, vem uma crítica que não pode fazer adesão. Acho que pode fazer adesão, desde que seja um processo legal, correto, de interesse público. Que me parece que foi o caso, dessas adesões que foram feitas. Acho que não está aí o problema. O problema é ser um processo que tenha um preço superfaturado, e depois a distribuição... aí, sim, tem problema. Mas fazer adesão não é um problema.
Acho que pode fazer adesão, desde que seja um processo legal, correto, de interesse público.
O prefeito anunciou, entre as medidas, a criação de uma diretoria de logística dentro da secretaria (de Educação) para ficar responsável por essa área, exatamente onde há uma falha gritante. Esse tipo de comunicação, não sei se o senhor já conseguiu entender, onde ocorreu essa falha? Não se sabia dessa situação na secretaria?
É uma rede de Porto Alegre antiga e que carece realmente de melhorias na infraestrutura. Essa diretoria de logística foi criada, mas ainda não está constituída. Não tem pessoas lá, vamos trabalhar nisso. Todavia, o prefeito já fez e determinou uma parceria com a secretaria de Obras e a secretaria está fazendo essas manutenções mais rápidas. Elétricas, hidráulicas e outras que as escolas necessitam. Ele lançou, inclusive, um programa, agora nas últimas semanas, que é a Escola Bem Cuidada, uma parceria público-privada (PPP) que deverá corrigir esse problema da manutenção.
E eu vou trabalhar nisso com a equipe a partir de agora. Até tento compreender como chegamos nesse estado de coisas. Tivemos dois anos de pandemia, nos quais muitos passaram a trabalhar de home office. A secretaria, na Rua das Andradas, está hoje, provisoriamente, atrás da prefeitura antiga. E deverá se mudar, a partir da próxima semana, para outro prédio. Isso fez com que cerca de 80% dos colaboradores da secretaria estivessem em home office e parte nessa estrutura. Acredito que tudo isso, de algum modo, criou essas condições para que essa relação entre as escolas não fosse a melhor. Mas estamos virando a chave.
Pode parecer heresia, mas agradeço ao GDI que levantou esses problemas e nos permitiu corrigir a tempo. Nas últimas duas semanas, esses livros foram distribuídos às escolas, a parceria com a secretaria de Obras permitiu que boa parte dos problemas já começassem a ser resolvidos, e os programas que estão sendo lançados nos permitirão fazer a correção. É meu segundo dia na secretaria, não tenho todas as informações e nem todas as soluções. Mas espero em breve retornar, em um outro cenário, no qual esses problemas e soluções já apareçam para toda a sociedade.
O prefeito falou que não tinha intençãode mexer muito na parte pedagógica, que achava que o município estava indo bem. Mas o senhor, secretário, vem com o foco muito forte no ensino profissionalizante. Isso deve, de alguma forma, ser inserido na rede municipal?
A educação profissional é mais presente no Ensino Médio, e menos no Ensino Fundamental, embora seja importante, nas séries finais, já trabalharmos todas essas questões da educação profissional. Mas, no Ensino Médio tem, inclusive, uma trilha, daquelas que foram criadas agora, que é de educação profissional, e ali, sem dúvida, a educação profissional tem um papel fundamental.
Uma coisa que precisamos ampliar é a educação em tempo integral. Escolas de turno integral, hoje temos cinco no município, e acho que temos que aumentar esse número. E também o contraturno, que é um grande problema para as famílias. Aí eu o acho que tem um espaço para a gente trabalhar, além de todos os programas que a parte pedagógica já faz.
Falando de outro problema histórico, que é o déficit de vagas em creches públicas, que aumentou 10,5% em um ano em Porto Alegre. Ou seja, são mais de seis mil famílias sem ter onde deixar os filhos pequenos. Em março, a prefeitura encaminhou uma parceria com o objetivo de utilizar as escolas estaduais para instalar turmas de creches e pré-escola. O senhor pretende levar a diante essa ideia ou tem outro projeto nesse sentido?
Sem dúvida, há um déficit, realmente, da Educação Infantil. A prefeitura tem uma rede própria e consolidada, mas têm 214 escolas conveniadas e que minimizam esse déficit que a gente tem. Então, tem esta parceria com o governo do Estado. A secretária Raquel Teixeira estava ontem comigo, quando foi feita a posse, já conversamos e ela já disponibilizou. Acho que têm grandes possibilidades de parceria que a gente pode fazer com o governo do Estado e com as escolas estaduais, têm projetos de investimento em escolas infantis que vão permitir corrigir esse déficit. Então vamos dar continuidade e acredito que esse seja um problema que a gente consiga solucionar em médio tempo.
Algumas pessoas justificam salários baixos para falta de motivação e de envolvimento de professores ou diretores. (...) Qual o peso salarial na motivação das equipes das escolas?
Acredito que é um problema do Brasil. O Brasil precisa priorizar a educação. Nós tivemos, em vários governos, no governo Lula anterior, na Dilma, e agora no Bolsonaro, cinco ministros de educação. Eu já sou o terceiro (secretário de Educação) do Sebastião Melo e espero que a gente não bata o recorde do Jair Bolsonaro e a gente consiga concluir essa gestão.
É claro que eu tenho limitações, e a prefeitura tem limitações, mas eu vou trabalhar para que tenhamos aqui professores bons, valorizados e motivados. Para que a gente possa a diferença na educação de Porto Alegre e a do Brasil.
JOSÉ PAULO DA ROSA
Secretário de Educação de Porto Alegre
De algum modo, isso demonstra que nós não priorizamos a educação. E enquanto isso acontecer, não vamos mudar de patamar no país. Quando fazemos testes comparativos como o Pisa, por exemplo, e ficamos nessa posição que nos encontramos, demonstra que os nossos estudantes não se apropriam de conhecimentos de matemática, português e ciências no tempo devido. Isso faz toda a diferença no mundo tecnológico, como esse que a gente vive.
E nesses países como Coréia, como Singapura, o professor é valorizado, tem bons salários e tempo para fazer pesquisa. Em uma das escolas que visitei na Coréia do Sul, me acompanhou o professor de matemática, que era doutor em matemática, autor do livro utilizado em toda a Coréia para matemática, e estava atuando em uma escola pública de Ensino Médio. Perguntei para ele por que ele estava na escola, com toda aquela formação acadêmica, e ele disse que na Coréia do Sul ele tem benefícios e um salário melhor por estar na Educação Básica.
É claro que eu tenho limitações, e a prefeitura tem limitações, mas eu vou trabalhar para que tenhamos aqui professores bons, valorizados e motivados. Para que a gente possa a diferença na educação de Porto Alegre e na do Brasil. Eu não me contento em ver os índices de Porto Alegre inferiores aos de outras capitais. Como fazer isso? A partir de agora, com a ajuda de vocês, certamente a gente vai mudar a realidade da educação de Porto Alegre.