Não é raro um profissional descobrir, já nos primeiros anos de carreira, que tem vocação para outra área – ou simplesmente não se identifica com o que um dia imaginou fazer. Menos comum é resolver mudar de ares depois de uma caminhada considerável dentro de sua formação original. Para ambos os casos, a pós-graduação se mostra um caminho interessante rumo às novas funções.
Isso porque os cursos de pós não servem apenas para delimitar a área de atuação ou aprofundar algum aspecto que pode ter passado batido na graduação. Eles podem ajudar com competências que sejam complementares à rotina daquela profissão ou, mais do que isso, apresentar uma área diferente. O sinal de alerta para a troca de área pode vir de alguns gatilhos, como frustração com as entregas e com o dia a dia em geral.
— A pessoa pode sentir que não está entregando, que o trabalho não tem impacto — exemplifica Shaíze Roth, psicóloga e especialista em soft skills.
Quando chega esse momento, a pós-graduação serve como um atalho para migrar:
— A pós é muito rica porque tem professores com experiência, vivência de mercado e normalmente é mais direcionada para uma área que você tenha interesse. Isso te credencia para essa nova oportunidade.
Essa tendência vem se acentuando. Segundo a supervisora de recursos humanos do PUCRS Carreiras, Priscila Dietrich, as instituições oferecem cursos cada vez mais alinhados com o mercado.
— Vem um profissional que tem anos de experiência em recursos humanos, auditoria. Isso é muito valorizado. As universidades optam por profissionais de mercado — observa a psicóloga especialista em gestão de pessoas.
Tal característica faz com que os cursos sejam ideais para quem está migrando de um ramo para outro. Muito mais do que as lições, as aulas se tornam oportunidade de networking e fonte de aprendizado com a experiên cia de quem já vive aquele mercado.
Desbravar uma nova profissão torna iniciantes até mesmo os mais experientes em outros segmentos. Com isso, a procura pela prática se tornou tão necessária que alguns cursos de pós-graduação contam com programa de estágio. Networking e experiência prática, aliás, devem estar entre os pontos analisados na hora de escolher curso ou instituição.
— Rede de contatos é o que mais pega. É fundamental que uma pessoa que queira fazer essa transição vá planejando, que não seja de uma hora para outra — alerta Priscila.
Transição planejada
Antes de escolher a pós, o profissional precisa estar ciente do que quer. Autoconhecimento é a chave nesse processo. Fazer exercício de reflexão, pesquisar, visitar eventos e tentar vivenciar a área de interesse estão entre as opções. Depois, analisar as principais demandas do mercado e buscar um curso alinhado a isso – sem deixar de lado o que mais desperta o interesse, sob pena de querer outra mudança tempos depois.
— A gente deve fazer o que gosta. Sendo bom profissional, se destacando, mesmo em áreas saturadas vai ter oportunidade — ressalta Shaíze.
Deixar que o mercado saiba dessa mudança também é importante. É o bom e velho “quem não é visto, não é lembrado”. Comunicar as novas aptidões facilita o surgimento de oportunidades e projetos. Paralelo a isso está a rede de contatos, também reforçada na pós-graduação. Participar de parcerias ou mesmo trabalhos voluntários contribuem para a inserção em um novo mercado.
Se os cursos de pós-graduação absorvem cada vez mais os profissionais com experiência de mercado, automaticamente está aí mais uma opção para quem pretende mudar de ares. Neste caso, o indicado é procurar instituições de ensino confiáveis e se informar sobre os requisitos para se tornar professor e compartilhar o conhecimento.
Se antes a docência era indicada ao perfil do estudioso e pesquisador, isso vem mudando.
— O profissional que está há mais tempo na área traz uma visão de necessidades de mudanças, melhorias. Consegue ter visão crítica sobre cenários e trazer isso para a academia, que deve ser pensada como formadora de seres pensantes sobre sua atuação — defende Priscila.
Do turismo para a gestão de pessoas
Em visita a uma feira de profissões, Liziane Breissler da Silva, 27 anos, de Porto Alegre, conheceu o curso de Turismo e se encantou. Gostava de viajar e já se falava na Copa do Mundo de 2010, recorda, lembrando de um período efervescente para o setor. Foi o que bastou para que optasse pelo curso. Durante a graduação teve contato com a área de eventos e resolveu se dedicar a isso, procurando inclusive uma pós.
Depois, Liziane trabalhou em uma empresa de turismo de lazer, uma novidade para ela. Chegou ao cargo de diretora, o que a levou a conhecer mais de perto processos de gestão financeira e administrativa. Percebeu que precisava aprimorar a comunicação e começou outro curso superior: marketing. Estava no caminho, mas ainda não se satisfazia.
— Sempre tive intuito de trabalhar com pessoas. Passei por algumas empresas em que tive frustrações, ficava pensando: "Poxa, como trabalhamos oito horas por dia onde as pessoas não são felizes?" — reflete.
Essa reflexão é fundamental, salienta Shaíze Roth.
— Dentro de processos de coach a gente recomenda que a pessoa entenda se está satisfeita com a carreira, a empresa, a escolha de área. Muitas vezes não é que não goste do trabalho, mas tem a ver com a empresa, sua cultura ou a atividade que desempenha.
Ainda trabalhando com turismo de lazer, Liziane começou a cursar pós-graduação em Gestão de Pessoas, Coaching e Liderança. Era o que procurava de fato e onde imaginava que se encontraria de vez. As oportunidades apareceram na própria empresa, onde se tornou diretora e aplicou o que aprendia no curso. Mas aí veio a pandemia e ela perdeu o emprego.
— Tinha conhecimento do curso e pela oportunidade que tive de aplicá-lo. Entrei para o mercado com essa nova profissão — conta.
A virada de chave veio com a entrada na Dasspet, uma distribuidora de produtos pet em Guaíba, onde atua como consultora interna na gestão de pessoas. O turismo ficou para trás, embora ressalte que toda a trajetória se reflita em uma visão completa e multidisciplinar. Liziane garante que faria tudo de novo se novamente sentisse vontade de mudar - e já projeta uma nova pós-graduação, pois, diz, conhecimento nunca é demais.
Qual é a minha pós?
Critérios que devem ser levados em consideração na hora de escolher o curso.
- Corpo docente: professores ligados ao mercado costumam agregar essa vivência às aulas.
- Perfil do curso: observe a programação e dê preferências a conteúdos atualizados e alinhados às maiores demandas do mercado.
- Networking: estabelecer conexões com professores e colegas naturalmente leva ao novo mercado.
- Experiência prática: diversas instituições já contam com programa de estágio na pós-graduação, facilitando o acesso ao mercado.
5 dicas para fazer transição de carreira de forma segura
- Identificar competências: descobrir quais são as habilidades técnicas e as chamadas soft skills, como relacionamento interpessoal, capacidade de comunicação e liderança
- Investir em autoconhecimento: trata-se de uma jornada pessoal. Pode ser por meio de terapia, cursos de vivência, troca de ideia com colegas e amigos.
- Buscar um propósito: nada mais é do que entender o que faz sentido para a vida.
- Visão de mercado: analisar as principais demandas da área desejada e buscar cursos alinhados a elas - sem deixar de lado o que gosta de fazer.
- Consultoria de carreira: processos de coaching ajudam no percurso do autoconhecimento e mapeamento do mercado.
* Pedro Henrique Pereira/Especial