Estamos conectados e é irreversível. O aparato tecnológico que permeia a rotina de trabalho, estudo e lazer já está tão integrado à vida das pessoas que muitas vezes passa despercebido. Do despertar até o fim do dia, são inúmeros desbloqueios de tela, interações em redes sociais, monitoramento de exercícios físicos, acesso a entretenimento, transações financeiras. Isso só para citar o básico. Toda essa demanda, que só faz aumentar, faz do setor tecnológico o mais promissor para quem está iniciando a carreira — ou pretende tomar novos rumos.
— Desde o início da pandemia, muitas empresas aceleraram o seu processo de digitalização. Então, quando nos referimos ao mercado de tecnologia da informação, podemos dizer que todas as áreas estão aquecidas — garante o presidente da Plataforma de Negócios Digitais das Empresas de Informática do Rio Grande do Sul (Seprorgs), Rafael Krug.
A demanda é por programadores, especialistas em infraestrutura de tecnologia, gerenciamento de projetos digitais, qualidade de software e cientistas de dados. Quase todas as especialidades têm grande procura e são exatamente o que as empresas precisam para poder se digitalizar da forma mais rápida possível. Ao mesmo tempo, profissões tradicionais se ressignificam e ganham muita importância para ajudar no encaixe das engrenagens. É o caso de matemática, estatística e até mesmo das ciências sociais.
— Uma vez que estamos rumando para um mundo cada vez mais interconectado, a tecnologia da informação vai precisar de conhecimentos de outras áreas para poder desenvolver ainda mais o seu propósito. Quando recebemos uma sugestão de filme no nosso serviço de streaming preferido, pode ter certeza de que existem algoritmos e equações matemáticas complexas para poder acertar a sua preferência e trazer uma melhor experiência de uso — lembra Krug.
Para se ter uma ideia do aquecimento do mercado, um estudo publicado no ano passado pela consultoria McKinsey apontou carência de 1 milhão de profissionais de tecnologia no Brasil até 2030. Outro levantamento, feito pela Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), revelou que nos quatro primeiros meses de 2021 foram abertos 69 mil postos de trabalho, 10 mil a mais do que em todo o ano passado.
Diretora de Inovação da Unisinos e CEO do Tecnosinos, Susana Kakuta explica que a carência de mão de obra é uma questão muito séria não só no Brasil, mas um fenômeno global — causa e consequência de uma mudança geoeconômica no mundo.
— Se a gente olhar 15 anos atrás, as top ten eram empresas petroleiras e algumas grandes de comércio ou energia. Isso mudou radicalmente: hoje são Alibaba, Facebook, Google e outras empresas que podemos colocar debaixo de um grande guarda-chuva chamado digital — aponta.
Essa movimentação tem a ver com o surgimento de novas empresas, especializadas em áreas específicas, mas também diz respeito à necessidade do digital perpassar economias tradicionais. Setores como agricultura, judiciário, medicina, finanças, educação e tantos outros evoluem com base na tecnologia.
— Sem dúvida, entram robótica, tecnologia da informação, biotecnologia, inteligência artificial, internet das coisas, blockchain. Áreas como estas são as norteadoras da nova economia. E, obviamente, quanto mais um país ou Estado quer acelerar a inserção no mundo novo, que é o que vai garantir rentabilidade, mais precisa de talentos nessas áreas — garante Susana.
Ao mesmo tempo em que as empresas crescem e precisam de mais funcionários, elas se livram de amarras geográficas e aproveitam que podem contar com pessoas de qualquer lugar do mundo. Por sua vez, o profissional também já não se limita ao lugar onde vive e vislumbra oportunidades até mesmo fora do país, ganhando em dólar ou euro, por exemplo.
Atuação transversal
A tecnologia não existe por si só. Ela é um meio para agilizar, equacionar e otimizar questões da sociedade. Como essas demandas estão espalhadas por todos os recantos, é natural que tudo dialogue com o desenvolvimento tecnológico.
— Além dos cursos de tecnologia propriamente ditos, que são reconhecidos porque até o próprio nome sugere algo vinculado a isso, praticamente todas as áreas vêm se aproximando também da tecnologia, como educação e saúde — observa a consultora Gabriela Techio, do PUCRS Carreiras.
É o caso da estudante de sistemas de informação Larissa Mazeron. Formada em biomedicina, logo que começou a carreira em laboratórios percebeu que os softwares usados eram pouco intuitivos e, ao invés de ajudar, acabavam atrapalhando. Como já era afeita ao uso de tecnologia, entendeu que poderia ajudar a desenvolver ferramentas mais úteis:
— Inicialmente, a programação é assustadora por ser um universo gigantesco. Mas estou no segundo semestre e já percebi que se aprende muita coisa rapidamente. Já desenvolvo programas completamente diferentes do que no começo do curso e é muito empolgante perceber essa escala de progresso.
A presença de mulheres nesse meio ainda é incipiente, mas, assim como tudo ligado a tecnologia, também tende a aumentar. Conforme Larissa, ainda é um cenário majoritariamente masculino.
— E o que eu posso tirar disso é: se comunica com mulheres que fazem algum curso relacionado. Conversa, chama, pergunta como está a faculdade, como se sentiu no primeiro estágio — sugere.
CEO do Share, empresa da área de educação, Rafael Martins acredita que ainda existem muitas novas profissões que sequer conseguimos visualizar, mas com uma valorização cada vez maior da automação e do uso de dados, as carreiras de tecnologia vão continuar concentrando as maiores ofertas.
— Vejo uma demanda muito grande de transformação digital, por mais que pareça um assunto batido. Muitas empresas ainda têm dificuldade de implementar, pela dificuldade de encontrar profissionais qualificados — alerta.
"Quem faz tecnologia para e-commerce não é simplesmente um profissional de TI, ele tem que entender da lógica e do processo comercial e financeiro da empresa."
SUSANA KAKUTA
DIRETORA DE INOVAÇÃO DA UNISINOS E CEO DO TECNOSINOS
Para ele, mesmo os setores tradicionais serão automatizados, mas com um gargalo: a relação humana — ou a falta dela. Entre a frieza das linguagens de programação e infinitas combinações de zeros e uns, é preciso que exista uma pessoa que reúna atributos que dificilmente as máquinas conseguem emular. Capacidade de trabalhar em equipe, gerir projetos, liderança e convivência com diferentes culturas são fundamentais para o profissional de tecnologia. Além de compreender os problemas, ele precisa pensar (geralmente em conjunto) para encontrar não apenas uma solução, mas a melhor e mais ágil.
— Tudo isso é muito importante em todas as áreas mas, especialmente, para os profissionais de tecnologia, porque estão sempre tendo que aprender coisas novas em uma velocidade muito maior — explica Gabriela Techio.
A dica que ela dá é que estudantes e profissionais fiquem atentos ao LinkedIn, onde as empresas costumam publicar o perfil ideal para cada vaga e as competências que julgam pertinentes. Assim é possível monitorar o que vem sendo mais requisitado pelo mercado. Além das habilidades interpessoais, é preciso ter um olhar abrangente para compreender as angústias de cada setor e, assim, oferecer aprimoramento de processos. Cada vez mais as empresas de tecnologia precisam de conhecimento integrado organizacional.
— Quem faz tecnologia para e-commerce não é simplesmente um profissional de TI, ele tem que entender da lógica e do processo comercial e financeiro da empresa — exemplifica Susana Kakuta.
Isso faz com que o ensino tenha que ser mais matricial, ponto de partida para diversas resoluções, daí a importância de buscar uma graduação qualificada.
Diante de tantas possibilidades, definir qual caminho seguir pode ser complicado. Antes de mais nada é preciso ter em mente que, seja qual for a escolha, todas as portas se mantêm abertas, já que a tecnologia dialoga em suas diferentes áreas. Ao buscar um curso ou instituição, a dica é levar em consideração a metodologia de ensino e a conexão prática com o mercado.
— Também vale pensar em graduações que possam ser complementares à sua profissão de forma não óbvia. Um publicitário pode estudar na área de tecnologia, por exemplo — sugere Rafael Martins.
A oportunidade em números no Brasil
Falta de qualificação cria gargalos no setor de tecnologia e, ao mesmo tempo, representa a chance de trilhar uma carreira de sucesso para quem está ingressando na graduação. Entre janeiro e abril, foram abertas 10 mil vagas a mais do que em todo o ano de 2020.
- 1 milhão de vagas sem preenchimento até 2030
- 53 mil vagas abertas entre janeiro e março de 2021
- 3x mais vagas em relação ao primeiro trimestre de 2020
- 25% de demanda reprimida (vagas sem preenchimento) em internet das coisas
- 11% de demanda reprimida em segurança de dados
- 10% de demanda reprimida em big data
Fonte: estudo Monitor de Empregos e Salários, publicado pela Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom), em junho de 2021.
*Reportagem de Pedro Henrique Pereira