Marcada por polêmicas, embates e desavenças, a gestão de Abraham Weintraub no Ministério da Educação, encerrada na última quinta-feira (18), deixa como herança uma coleção de desafios. Para especialistas ouvidos por GaúchaZH, o MEC precisa, a partir de agora, liderar a resposta educacional à pandemia no país, apaziguar ânimos, buscar novas formas de financiamento frente à crise do coronavírus e voltar a apostar em projetos capazes de melhorar o aprendizado, inclusive a distância.
Conturbada desde o início, a atuação do ex-ministro foi assinalada por tensão constante com educadores, secretários, estudantes e reitores de universidades. Sem experiência na área, Weintraub chegou ao MEC por afinidade política com bolsonaristas e acumulou conflitos. Além disso, minimizou o alcance do coronavírus, o que, na avaliação de pesquisadores, foi um erro.
— O MEC praticamente se omitiu diante da epidemia, como se não tivesse nada acontecendo. O que precisamos é de um ministério realmente atento, que dê um norte. Numa época em que a única condição possível é o ensino remoto, o órgão tem de encabeçar esse movimento — defende Fernando Becker, professor dos cursos de pós-graduação em educação e informática na Educação da Universidade Federal do RS (UFRGS).
Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Claudia Costin concorda. Daqui para frente, avalia Claudia, caberá ao MEC apontar o caminho para que o país avance de forma sólida rumo ao ensino híbrido (que mescla atividades presenciais e a distância), com uma agenda nacional clara.
— Espero que quem suceder Weintraub seja alguém que entenda de gestão pública e que, no mínimo, olhe para a educação como prioridade. Também espero que esteja atento ao processo de aprendizagem em casa e à organização da volta às aulas. Mesmo que tenhamos redes municipais e estaduais, é muito importante que haja uma coordenação nacional — diz a diretora.
Na avaliação de Mozart Neves Ramos, professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco e catedrático da USP, só haverá condições para atenuar os problemas se o MEC deixar se abrir ao diálogo. Até o fim de sua gestão, Weintraub fez o oposto. Antes de ser demitido, revogou portaria que estipulava a reserva de vagas a negros, indígenas e pessoas com deficiência em programas federais de pós-graduação. Ainda que, na prática, as instituições continuem tendo autonomia, a medida unilateral gerou críticas.
— Se o MEC não abandonar a postura ideológica, essa suposta divisão entre o bem e o mal que tem afastado muita gente boa, não vamos conseguir avançar, nem que o novo ministro seja o Pelé da educação. Precisamos de serenidade para voltar a discutir o que realmente importa — resume Mozart.
Para Olavo Nogueira Filho, diretor de Políticas Educacionais do movimento Todos pela Educação, o debate passa por um conjunto de temas, da necessidade de propostas concretas para melhorar a qualidade do ensino básico às definições envolvendo o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Há dúvidas, por exemplo, sobre a realização das provas neste ano e a aplicação do Enem Digital (com testes via internet para parte dos candidatos).
Por fim, o MEC precisa começar a pensar, segundo Nogueira Filho, nos efeitos nocivos da crise econômica sobre o financiamento do sistema. Além de acelerar a aprovação do novo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) no Congresso, será necessário ir além.
— A queda na arrecadação de Estados e municípios será brutal e terá impacto direto na receita da educação. É fundamental que quem estiver à frente do MEC tenha a compreensão de que há uma agenda fiscal urgente do ponto de vista da educação. Do contrário, corremos o risco de um completo desmantelamento das redes de ensino — adverte o especialista.