Além de criar ambientes de trabalho mais humanizados, a busca pela diversidade dentro das empresas pode ser um passo certeiro para gerar inovação e maiores lucros. Conforme a psicóloga Elaine Terceiro, mestranda em Educação Sexual pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e consultora da Mais Diversidade, de São Paulo, trata-se de um fato: equipes que mesclam diferentes perfis de profissionais tendem a ser mais eficientes e produtivas. Defendendo que já passou a hora de as organizações criarem políticas de inclusão e facilitar a promoção de minorias como negros, LGBTs e deficientes físicos, além de mulheres, ela conquistou espaço, conscientizando empresários em suas viagens pelo país para palestrar e prestar serviços de consultoria. Nesta entrevista, defende que há trilhas bem definidas para conduzir à diversidade, mas demonstra como a desigualdade de oportunidades e a não valorização dessas minorias ainda está presente nos ambientes corporativos.
Quais fatores costumam barrar a diversidade nas empresas brasileiras?
Temos uma ampla diversidade no Brasil em questões culturais, nas regionalidades e nos grupos de vulnerabilidade social, que de certa forma está representada nas empresas. O grande desafio no ambiente organizacional é fazer a inclusão de fato acontecer. As empresas até contratam pessoas diversas, mas, em geral, continua havendo segregação no que diz respeito a oportunidades de ascensão e mesmo na remuneração dos profissionais. Vemos, por exemplo, grande entrada de mulheres no mercado de trabalho, só que nas carreiras de base. Elas não ascendem para os cargos executivos. Isso ocorre porque as pessoas com poder vivem muito em seu ambiente de bolha e acabam não se dando conta de que exercem determinado privilégio. Não percebem a influência que têm e que poderia estar sendo usada em favor dessas minorias, e não na repetição dos estereótipos existentes no ambiente corporativo.
O que explica que ainda haja baixa representatividade de negros em cargos bem remunerados nas empresas, já que se trata de uma questão discutida há bastante tempo na sociedade?
Existe um tabu de que os negros não têm as mesmas competências desenvolvidas para exercerem papéis mais estratégicos e menos fabris. Mas é uma questão de dar oportunidades e condições no momento de contratar. Por vezes, as empresas ainda têm em sua descrição das vagas a faculdade de primeira linha, aí você barra a entrada desse jovem talento no mercado de trabalho em programas de trainee, por exemplo. Aí cerceamos as oportunidades de trabalho e desenvolvimento desses profissionais, pois a partir do momento em que eles entrassem em uma empresa, teriam uma remuneração, incentivos ao desenvolvimento profissional e ao estudo e, aí, teriam oportunidade de se tornarem profissionais cada vez mais qualificados.
Como quebrar esse paradigma?
Quando orientamos nossos clientes a flexibilizarem exigências como universidades de ponta ou cursos que são tidos como de “primeira linha” ou mais “elitistas”, aumenta-se muito a possibilidade de haver mais pessoas em vulnerabilidade social concorrendo pelas vagas. Outra questão é a dos idiomas: pede-se fluência em todas áreas da organização. E muitos jovens negros ou pardos em situação de vulnerabilidade até falam idiomas estrangeiros, mas não com fluência. Então, a empresa precisa refletir se aquela vaga, em específico, realmente precisa de inglês fluente, ou se um nível intermediário ou ainda em lapidação poderia ser suficiente.
As empresas até contratam pessoas diversas, mas continua havendo segregação no que diz respeito a oportunidades de ascensão e mesmo na remuneração. Isso ocorre porque as pessoas com poder vivem muito em seu ambiente de bolha. As empresas precisam entender que é importante ter representatividade para se abrirem novas perspectivas, oportunidades, argumentos que muitas vezes a branquitude não enxerga.
Alguns consultores de carreira enxergam um movimento massivo de empresas que contratam alguns funcionários negros principalmente para usar em campanhas de marketing ou se dizerem inclusivas – fenômeno chamado “tokenismo”. Você também identifica esse movimento?
Essa questão de ter a representatividade de algumas pessoas em alguns setores é importante, mas não pode ser usada nesse sentido pejorativo de “estou cumprindo uma cota social”. Então eu tenho lá “x” pessoas em determinado nível de cargo para dizer que cumpro cotas em relação a mulheres, negros, pessoas com deficiência. As empresas precisam entender que é importante ter representatividade para se abrirem novas perspectivas, oportunidades, argumentos que muitas vezes a branquitude não enxerga.
Empresas que perseguem a diversidade podem se tornar mais competitivas?
Sem dúvida. Elas pensam em novos produtos, serviços, atendem um consumidor que foi por muitos anos sub-representado, mas a partir das redes sociais e da globalização passou a ter força de voz – e precisa ser atendido. Desde o Código de Defesa do Consumidor a população que era menos ouvida está sendo educada, tornando-se criteriosa e exigente. Passou a buscar a sua representatividade em produtos e serviços, buscar marcas que acredita serem socialmente responsáveis. Começou a querer, por exemplo, produtos que espelhem os cabelos dos seus filhos, maquiagens para diversos tons de pele. Esses consumidores passaram a ser mais protagonistas de sua diversidade e a levar as empresas a se preocuparem mais com sua postura social.
Na área de tecnologia, por exemplo, algumas companhias globais já começam a mesclar pessoas de diferentes culturas, nacionalidades e raças para criar produtos mais abrangentes. Diversidade pode se refletir em mais vendas?
Sim. De 2013 a 2017, o Google, por exemplo, estudou as suas equipes mais inventivas e que traziam mais inovação para entender as características delas – ação que chamou de Projeto Aristóteles. E a empresa viu que os times que mais traziam vantagens competitivas eram os com perfis mais diversos, que acabavam gerando segurança psicológica, que é quando você entende as emoções dos outros, acolhe as diferenças e é consciente de como você pode contribuir para essa equipe. Ou seja, eram as equipes inclusivas as que produziam melhor.
Os estudos de tendência de trabalho apontam como as competências humanas – o chamado ‘soft skill’ – serão cada vez mais importantes. Será essencial ter empatia, transparência, senso de comunidade, criatividade e senso de experimentação. e, por uma questão histórica, as mulheres têm mais sensibilidade para lidar com essas competências humanas.
Como garantir igualdade de condições para que mulheres, negros e LGBTs consigam ascender de cargo dentro das empresas?
É muito propício, antes de uma avaliação semestral ou anual de desempenho dos colaboradores, que os gestores sejam capacitados no que é chamado de vieses inconscientes. Há três tipos de vieses que acometem gestores e podem prejudicar inconscientemente as minorias dentro das organizações. Um deles é de afinidade, no qual eu me afino com um grupo de pessoas com minha imagem e semelhança. Ou seja, eu fico muito na minha bolha e parto do princípio de que minhas características são as melhores para a contratação ou promoção. Por exemplo, descartar um candidato que não tem a mesma vivência cultural que eu, não estudou na mesma universidade ou não fala os mesmos idiomas. Outro viés é o de estereótipo, no qual a gente tende a reforçar características citando dados ou fatos. Ou seja, por estatística comumente podemos achar que mulheres são menos familiarizadas em áreas de exatas, como tecnologia ou engenharia. Aí, eu inibo a contratação de mulheres por achar que não irão se adequar, por achar que terão jornada dupla em casa e não darão conta de um trabalho mais complexo ou que faltarão mais por ter filhos...
Essas decisões de fato são tomadas? há esse preconceito enraizado que faz com que, por exemplo, sequer se consulte a profissional antes de decidir que ela ficará sobrecarregada com uma promoção?
Sim. Já vi uma situação em que se desistiu de fazer uma transferência de uma mulher divorciada, com filhos, para outro Estado. Seria uma oportunidade de crescimento para ela, mas o comitê de avaliação achou que geraria um estresse grande à profissional, sem perguntar o que ela própria acharia – e talvez ela achasse o máximo! O mesmo ocorre com pessoas com deficiência para cargos que exigem mais mobilidade física. Às vezes inviabilizamos o sonho de ascensão dessas pessoas sem dar a oportunidade de um diálogo, de saber o que pensam e se estão dispostas a aceitar um desafio para uma mudança. Ao contrário, julga-se por viés inconsciente e se elimina determinado perfil de uma possibilidade de promoção.
Qual o terceiro viés que impede a diversidade no ambiente de trabalho?
O terceiro é o de grupo, chamado popularmente de “Maria vai com as outras”. É quando você tem uma posição majoritária em uma reunião e não consegue romper essa posição por medo do isolamento social, ou então porque você acha que não fica bem se posicionar em relação a uma postura tradicional e estabelecida em uma empresa. No comitê de avaliação de pessoas isso muitas vezes acontece: um gestor vai conforme a posição majoritária, mesmo que iniba a ascensão de grupos de diversidade.
O IBGE mostra que as mulheres ganham menos do que os homens em todas as ocupações, chegando a uma diferença de até 20,5% nos salários. Ao que se deve a persistência dessa diferença?
Muitas vezes se entende que algumas atividades não são para mulheres praticarem, aí entra uma questão de sexismo. Além disso, como no topo de cargos em geral estão os homens, pelo viés de afinidade o chefe olha para o lado e vê outro homem como colega, e acaba enxergando o perfil masculino como ideal para novos cargos que surjam. Então acaba reproduzindo modelos de oportunidades para homens. Além disso, as mulheres precisam lutar contra a chamada “síndrome de impostora”: quando nunca acham que estão prontas para desempenhar determinada atividade, mesmo que tenham mais estudo e qualificações do que os homens. A autoestima por vezes impede que elas concorram a determinadas posições. Enquanto isso, os homens fazem melhor suas redes de networking, seja durante seu jogo de futebol, na cerveja depois do trabalho. Os homens trocam mais, falam mais, se recomendam muito mais.
Então não basta que as mulheres esperem que as empresas coloquem a mão na consciência – elas precisam fazer a sua parte?
Sim. Elas também precisam se desafiar mais, acreditarem mais em seu potencial. Certamente vão quebrar barreiras em algumas áreas. Podem ouvir algumas coisas, mas terão de enfrentar isso para que outras mulheres ocupem espaços no futuro.
Alguns países, como Islândia e Portugal, criaram políticas públicas para eliminar as diferenças salariais entre homens e mulheres nos mesmos cargos e nas mesmas empresas. Seria um bom caminho também para o Brasil?
Essas políticas públicas ocorreram em muitos lugares do mundo porque foram uma forma – ainda que pela dor, já que pelo amor não funcionou – de impulsionar a igualdade de gênero nas organizações. Nos países que tiveram essa intervenção, já pudemos perceber que, ao longo de algumas décadas, houve mais equidade de gênero, oportunidade de trabalho e mulheres em mais áreas que eram tidas como masculinas. Hoje, esses países já têm bem mais mulheres em cargos de gestão do que o Brasil, em que elas estão em 31% dos cargos. Então, por vezes, se isso não acontece por vias naturais, o uso de políticas governamentais é o que vai fazer de fato que a mudança aconteça. Depois talvez se torne uma cultura e não precise mais ser obrigatório. Mas por vezes o caminho para começar é esse.
As mulheres precisam lutar contra a chamada 'síndrome de impostora': quando nunca acham que estão prontas para desempenhar determinada atividade, mesmo que tenham mais estudo e qualificações do que os homens. A autoestima por vezes impede que elas concorram a determinadas posições.
Muitos consultores preveem que o profissional do futuro precisará ter noções de Tecnologia da Informação (TI) e saber desenvolver aplicativos – ou seja, navegar em mares predominantemente masculinos. É uma barreira a mais para a mulher no ambiente corporativo?
Eu vejo muitas empresas de tecnologia investindo para qualificar meninas em escolas públicas, para ajudar que elas visualizem o mercado de tecnologia como um ambiente para elas. Assim como empresas de engenharia e do setor elétrico também investem na formação do jovem da periferia, com atenção às meninas, como incentivo para inclusão em áreas predominantemente masculinas, inclusive bancando os estudos. São caminhos para que haja mais mulheres nessas áreas no futuro.
Também se prevê que o mercado cada vez mais valorizará a empatia como diferencial no recrutamento. É um ponto a favor das mulheres?
Correto. Os estudos de tendência de trabalho apontam como as competências humanas – o chamado “soft skill” – serão cada vez mais importantes nessa era de robôs, chatboots e inteligência artificial. Será essencial ter nas organizações pessoas com competências como empatia, transparência, senso de comunidade, compartilhamento, criatividade e senso de experimentação. E, por uma questão histórica, as mulheres têm mais sensibilidade para lidar com essas competências humanas.
Números da desigualdade
- Um estudo realizado em 2017 pela consultoria empresarial McKinsey & Company com mil empresas de 12 países apontou que as que apostam na pluralidade têm 21% mais chances de ter lucratividade acima da média em sua área de atuação. Além disso, com maior diversidade de funcionários, uma organização tem 33% mais chances de superar suas concorrentes em lucratividade, pois tende a produzir com mais versatilidade e senso de experimentação, ampliando o espectro criativo de seus produtos.
- Ainda falta muito para haver equidade nas empresas, no entanto. Levando apenas em conta as questões de raça, por exemplo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que o rendimento médio dos trabalhadores brancos, no Brasil, é de R$ 2.814. O dos pardos é de R$ 1.606. E o dos negros, R$ 1.570.