Provocar, refletir, estimular... quanto a fala de um ídolo, de uma personalidade pública, pode influenciar crianças, jovens e adultos a pensar? Na opinião da professora de educação física Gabriela Nobre Bins, muito. Após assistir pela televisão ao discurso sobre racismo do técnico do Bahia, o gaúcho Roger Machado, no sábado passado (12), a professora da Escola Municipal Deputado Victor Issler, no bairro Mario Quintana, em Porto Alegre, decidiu que era o momento, mais uma vez, de trabalhar o tema em sala de aula.
— Ele deu uma aula sobre racismo estrutural, algo que a gente tenta explicar aos alunos, mas, nem sempre, é fácil compreenderem. A forma como ele colocou tudo, de maneira simples, fácil, me chamou atenção. Pensei: preciso usar isso — conta Gabriela.
Na noite daquele sábado, Roger e o técnico do Fluminense, Marcão, comandaram as equipes vestindo uma camiseta com a frase “Chega de preconceito”. Eles são os dois únicos treinadores negros da primeira divisão do Campeonato Brasileiro. O encontro foi proposto pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, que monitora casos de ofensas raciais no ambiente esportivo.
Na segunda-feira, enquanto a chuva insistia em cair na Capital, Gabriela resolveu deixar os exercícios físicos de lado e levar os alunos do 8º e 9º ano do Ensino Fundamental para a sala de aula. Reproduziu por meio de um projetor a entrevista onde o técnico comentava a ação realizada a convite do Observatório.
Roda de conversa
Em seguida, promoveu uma roda de conversa e pediu aos estudantes que escrevessem uma redação sobre o tema.
— Caprichem, porque eu vou mandar para o Roger — sentenciou a educadora, que obteve risos e desconfiança como resposta.
Mas o que soou como uma brincadeira, na verdade, concretizou-se já no dia seguinte. A ideia de Gabriela era procurar o preparador físico Paulo Paixão, que trabalha com Roger, e usá-lo como ponte para entrega das redações. A professora entrou, então, em contato com a esposa de Paulo, Georgete, e perguntou se ela poderia entregar os textos ao marido.
Leia também
Entenda por que o RS é líder em registros de casos de injúria racial
Iniciativas valorizam a cultura africana e incentivam a autoestima em crianças e adolescentes de Porto Alegre
Manoel Soares vibra com a formatura de mais de 200 jovens na Grande Cruzeiro
— Ela me disse que sim. Que eu poderia deixar na portaria, que entregariam ao Paulo. Mas, mais tarde, ela me ligou e disse: “O Roger quer vocês levem até ele, se vocês puderem”. Então, selecionamos um aluno de cada turma e fomos encontrá-lo — relembra.
125 redações
Na terça-feira, no Hotel Deville, em Porto Alegre, onde o técnico estava concentrado com o time que enfrentaria o Grêmio no dia seguinte, Roger recebeu os alunos Rodrigo Pinto, 16 anos, Maria Letícia Emidio, 15 anos, Andrielly Ocácio, 16 anos, a professora Gabriela e a diretora Adriana Presenti. O ex-jogador recebeu das mãos das docentes 125 redações e bateu um papo com o grupo.
— Ele nos contou muitas histórias, a vida antes e depois do futebol, como cresceu dentro do esporte. Se emocionou em diversos momentos e foi muito simpático — recorda Rodrigo — Inclusive falei para ele ganhar do Grêmio. Ele pegou a dica, e ganhou mesmo — brinca o garoto, referindo-se ao Grêmio 0 x 1 Bahia.
Gabriela diz que costuma tratar com frequência assuntos como racismo, machismo e questões de gênero. No ano passado, as turmas foram divididas em equipes e foram às ruas do bairro questionar os vizinhos sobre estes temas. Todas as atividades fazem parte do projeto Corpo e Ancestralidade, que aborda em sala de aula questões étnico-raciais.
"Negros sofrem racismo diretamente e indiretamente. O fato de praticamente não terem negros em faculdades, escolas privadas, lugares mais finos, é reflexo da falta de oportunidade dessas pessoas. Racismo não é vitimismo!”
TRECHO DA REDAÇÃO DE RAFAELA MAGALHÃES, 14 ANOS, ALUNA DO 9º ANO
Trabalhar a questão desde cedo
Para a escola, a oportunidade de estar próximo de um ídolo é uma maneira de tornar um assunto delicado em algo mais fácil de ser tratado. Acostumados com cenas de racismo dentro da escola, professores tentam de várias formas abordar o assunto para criar uma consciência crítica sobre as atitudes vivenciadas no ambiente escolar.
— Entre alunos é muito comum (o racismo). De aluno para professor bem menos, acredito que porque ainda se tenta ter um mínimo de respeito. Mas vejo o quanto é importante trabalhar o racismo desde cedo. A professora Gabriela fez isso de forma muito leve e o Roger também de maneira natural — descreve a diretora Adriana Presenti.