O cenário de crise econômica e o desemprego fazem com que alguns trabalhadores busquem na abertura do próprio negócio uma forma de reinserção no mercado. A facilidade para abrir a empresa garante o impulso inicial. Em 15 minutos, é possível fazer o registro de Microempreendedor Individual (MEI), já com Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). No Rio Grande do Sul, são 433 mil MEIs, segundo dados da Junta Comercial.
A manutenção de uma empresa, no entanto, exige planejamento e capital suficiente para garantir a sobrevivência do investimento. Nesses dois pontos, muitos empreendedores esbarram. Segundo Alessandro Machado, gerente de Políticas Públicas do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), cerca de 25% das empresas não resistem aos dois primeiros anos. Ele ainda afirma que a situação econômica do país e o desemprego não deixam de impactar a pequena empresa.
— A partir do momento em que diminuem as vagas de trabalho, muitas vezes o trabalhador encontra como alternativa apenas empreender. Isso aumenta o empreendedorismo por necessidade, e não por oportunidade. Muitas vezes, a pessoa não está enxergando uma oportunidade para explorar e, em grande parte das vezes, ele não está totalmente preparado para abrir – diz Machado, que acrescenta:
— Ele não tem um plano para saber quanto tempo vai trabalhar sem ter uma receita para cobrir os custos. E aí encontra um mercado com grande competição, em que as pessoas estão consumindo menos, pela crise. Ele não vai ter crédito, porque quem tem acesso são as empresas mais sólidas, que estão há mais de um ano e têm como comprovar faturamento.
Abandono do negócio
O presidente da Junta Comercial do Rio Grande do Sul, Itacir Amauri Flores, explica que esse cenário faz com que muitos microempreendedores acabem abandonando o negócio:
— A pessoa abre uma empresa limitada com R$ 1 mil de capital social. Vai para um ano e não dá mesmo. Então, acaba fechando. Um grande número de pessoas simplesmente fecha as portas ou abandona a situação e vai arrumar um emprego. Vem um problema comum e que gera problemas para vários ex-empresários, quando são demitidos. No momento que ele pedir o seguro-desemprego, vão fazer um levantamento e vai constar uma empresa que ele esqueceu de fechar. Aí, ele não recebe.
A luta pela sobrevivência do negócio também atinge quem já empreende há mais tempo. Neste caso, Alessandro Machado, do Sebrae, ressalta que a legislação trabalhista exige uma série de obrigações do empregador em relação aos funcionários. Ele deve saber exatamente quantos clientes precisam entrar no negócio e consumir para cobrir os custos. O que acontece é que, na prática, os gastos acabam sendo o dobro do que o empresário previu.
— Ele tem uma série de obrigações acessórias que, se não são cumpridas, viram multa. Isso se torna uma bola de neve. Quando vê, o empresário já está devendo metade da empresa para o governo e isso impede de prosseguir o negócio — afirma Alessandro Machado, do Sebrae.
A história de Silvana
A depiladora Silvana Amorim, 44 anos, foi proprietária de um salão de beleza por cerca de oito anos. Em 2017, ela decidiu abrir mão da empresa, registrada como limitada, e passou para o outro lado, virando MEI e atuando como funcionária autônoma dentro da estética que, antes, era sua.
Ela ingressou no ramo da beleza ao assistir a dicas de depilação em um programa de televisão, no final dos anos 1990. Na época, era casada e não tinha incentivo do marido para trabalhar fora. Começou a fazer depilação na irmã e na cunhada. Depois, foi atendendo vizinhas. Com o final do relacionamento, no início de 2000, arriscou-se como manicure em um salão de beleza, onde ficou por quase oito anos.
Depois disso, decidiu ampliar o sonho e tentar ter o próprio negócio levando as clientes mais fiéis. O aluguel inicial era de R$ 1,5 mil, valor abaixo da média para uma estética na Avenida João Wallig, no bairro Passo da Areia, em Porto Alegre. Como chefe, vieram os desafios para lidar com os custos, algo que, quando era empregada, não imaginava.
Passados quatro anos, o preço do aluguel já não permitia manter o salão no mesmo local. Por isso, Silvana optou pela mudança para outro espaço no mesmo bairro, em 2013. Como ia ter mais custos, teve que reduzir a comissão dos funcionários. Este foi o momento em que sentiu mais o reflexo da crise e passou a fazer promoções.
— Vim com o sonho de empregada. Pensava ‘Quero pagar bem... para ter a pessoa feliz’. Mas não funciona assim, tem que pensar na empresa. Se desse 70% pra eles, o resto não pagava os custos do salão”, comenta.
Em 2017, Silvana decidiu vender a estética para uma cliente. Seguiu atendendo no local, mas agora como funcionária autônoma. No começo do ano, descobriu uma gravidez inesperada durante um tratamento para miomas, e sem a estética poderá se dedicar ao bebê.
— Eu não senti aquela dor, aquela perda [do negócio]. Eu não sou apegada a bens materiais. Agora com a chegada da Maria Vitória, estou pensando é nela.
Migrações como a de Silvana têm crescido bastante nos registros da Junta Comercial, de acordo com Itacir Amauri Flores. Um grande número de pessoas está fechando a empresa limitada e virando Mei. A empresa do tipo MEI deve faturar no máximo 81 mil reais por ano e pode contratar apenas um empregado pagando salário mínimo ou piso da categoria.
A história de Ricardo
A vida do ex-empresário Ricardo Inácio Dias, de 40 anos, teve uma reviravolta devido à crise. Ele era proprietário de uma gráfica digital em Porto Alegre. Na época, os lucros garantiam a ele e à família estabilidade e uma boa condição de vida. Entretanto, o negócio parou de render, assim como os pedidos e os vencimentos. Ele teve que tomar uma decisão mais drástica.
— Decidimos fechar. Surgiu a ideia de fazer Uber nesse meio tempo.
O salário diminuiu e o trabalho aumentou. Porém, segundo ele, se desconstruir foi a melhor opção para alcançar novos objetivos.
— Desconstruir completamente aquilo que tu dominava, fazia. Ter que te recolocar em algo novo é te desconstruir e construir algo que vá fazer a diferença na minha vida. Nesse meio tempo, tento me recolocar no mercado. Há um ano e meio, consegui entrar na indústria farmacêutica.
Agora, Ricardo concilia os trabalhos de motorista de aplicativo e representante comercial. Inclusive, ele se prepara para fazer cursos na área farmacêutica.
Itacir Amauri Flores comenta que a Junta Comercial reconhece a situação de Ricardo como empresas em "stand by". No entanto, nesses casos o empreendedor precisa deixar, em todo final de ano, uma declaração para a receita federal indicando essa condição. Ricardo encerrou as atividades, mas não fez comunicado formal do fechamento da empresa: na Junta ela permanece ativa.
A competição com comércio online é um fator importante na sobrevivência das empresas, segundo Alessandro Machado, do Sebrae. Como a receita que vem do pagamento em cartões chega depois de um tempo, é preciso ter um capital de giro para conseguir repor a mercadoria. A linha de crédito só é uma opção para quem tem mais tempo de negócio, porque é necessário dar garantias.
Apesar das adversidades do mercado, ainda há espaço para quem quer empreender. Para Alessandro, mesmo no período de crise é possível pensar em oportunidades de negócio. Ele alerta é que preciso saber que o lucro só vai chegar entre um ou dois anos, e recomenda que a empresa seja sempre registrada para maior segurança.
— Não tem segredo, é oportunidade e estar preparado. Nada garante o sucesso, mas isso diminui o risco.