Em meio à retração das vendas no mercado automobilístico nacional, que chegou a ser alvo de incentivos do governo para reduzir custos e reativar plantas industriais sem atividade no país, as locadoras ganham terreno. É este o segmento que, atualmente, garante quase um quarto (24,76%) das compras de veículos zero-quilômetro produzidos nas montadoras brasileiras.
Foram 436.579 unidades ao longo deste ano, segundo dados da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (ABLA). A projeção para o fechamento do ano é de uma frota formada por 1,56 milhão de automóveis – a maior já registrada – distribuídos entre empresas do setor.
Nesse cenário, há um nicho que ajuda a potencializar os desempenhos, que atingiram R$ 55 bilhões em investimentos e R$ 36 bilhões em faturamento no ano passado, na condição de principal aposta, não apenas das locadoras, mas também das fabricantes. Trata-se da assinatura de veículos, um serviço que dobrou de tamanho em menos de três anos e já responde por 10% da frota das locadoras em todo o país.
São 160 mil unidades direcionadas para esse tipo de contrato, considerado uma espécie de streaming – a exemplo do Spotify para músicas e podcasts ou da Netflix para filmes e séries – de veículos. A modalidade, inspirada em negócios dos Estados Unidos e da Europa, é uma alternativa à compra de veículos zero quilômetro, uma vez que os clientes utilizam o carro pelo período estipulado nos contratos (em média entre um e quatro anos).
Como funciona a assinatura de veículos
Paga-se pelo uso uma mensalidade que inclui seguros, impostos e outros custos extras, restando apenas os gastos com multas e combustível. Desse modo, diante do aumento de 90% nos preços médios dos carros zero-quilômetro nos últimos cinco anos e o patamar ainda elevado da taxa Selic, a opção de assinatura se destaca como uma alternativa financeiramente vantajosa.
– Em alguns casos, uma assinatura anual pode valer mais a pena do que uma compra financiada, principalmente se o motorista destinar o valor da entrada do financiamento ou pagamento à vista do carro para um investimento em renda fixa – avalia Luiz Bonini, executivo da Turbi, empresa de locação.
Glauco Zebral, diretor de Localiza Meoo, afirma que os carros por assinatura representam “uma avenida de crescimento para a Localiza&Co”, embora não abra dados em razão da estratégia da companhia.
Ele comenta que a maior concentração de clientes verifica-se na faixa etária de 36 a 55 anos e nas regiões Sul, Nordeste e Sudeste.
– Quase 80% dos nossos assinantes são do gênero masculino, com renda acima de 10 salários, sendo 88% com graduação completa e pós-graduação. Fala-se muito que o comportamento de consumo, que prefere o uso em detrimento da posse, seria das gerações Y e Z, mas os nossos clientes são em maioria da geração X. Talvez porque possuem renda, já tiveram suas dores por terem um carro próprio e agora querem o equilíbrio entre comodidade e mobilidade – resume.
Empresa aposta em planos com mix de carros compartilhados
Fundada há 23 anos, a revendedora Osten Go, focada em veículos premium (acima de R$ 500 mil), foi levada pela tendência de mercado a ingressar no universo da locação de veículos premium em 2019. Não demorou muito para que a oferta de assinaturas fosse oferecida aos clientes.
Atualmente, o aluguel de longo prazo, como também são chamados esses contratos de pagamento pelo uso, responde por 40% do faturamento, conta Liandra Boschiero, COO (chief operating officer, ou diretora operacional) da empresa.
Cerca de 15% da demanda é originada por clientes do Sul, onde a preferência é dividida por modelos BMW e Porsche. A meta, conta Liandra, é incrementar em 30% o faturamento com assinaturas.
Para sustentar as expectativas, será lançado nas próximas semanas a linha de plano compartilhados com um mix de modelos com preço acima de R$ 1 milhão.
Os clientes que aderirem, explica a executiva, terão a possibilidade de agendar o uso de um carro esportivo, se pretendem realizar uma viagem, ou um SUV para as férias em família, por exemplo.
Além disso, ela acrescenta que os contratos voltados aos carros elétricos deverão atingir 10% do total das assinaturas em curto prazo.
Montadoras disputam espaço
Também por isso, montadoras como Renault, Toyota, Audi, Ford, Jeep, Volkswagen, Chevrolet, Fiat, Mitsubishi e Peugeot passaram a oferecer planos de assinatura diretos de fábrica. De acordo com a mais recente pesquisa de intenção de compra da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), em 2022, o interesse por planos de assinatura chegava a 39% dos consumidores que pretendiam trocar de carro em 2023.
A entidade não possui levantamento específico para esse segmento. O conselheiro gestor da ABLA e futuro vice-presidente da entidade, Paulo Miguel, explica que a oferta desse tipo de produto tem sido eficaz nos casos em que as marcas não conseguem adequar o perfil dos compradores às necessidades de financiamentos, ainda que o foco prioritário das fabricantes permaneça na venda tradicional de seus produtos.
– É um movimento novo, mas que vai continuar crescendo porque há vantagens em pagar pelo uso e não pela posse. O preço muitas vezes fica mais baixo do que um financiamento, não há preocupação com seguro, manutenção e, sobretudo, não é preciso ter dor de cabeça na hora de revender o carro, que acaba sempre sofrendo desvalorização de 10% a 20% acima das tabelas – comenta, ao projetar crescimento mínimo entre 2% e 5% na participação das assinaturas nas frotas das locadoras.