O aguardado novo ciclo de reduções na taxa de juro básico da economia nacional, iniciado na quarta-feira pelo Banco Central (BC), pontua a abertura de uma nova janela para a coordenação entre investimentos públicos e privados no país. A taxa Selic a 13,25% e a expectativa de novos cortes que a levem a um patamar abaixo de dois dígitos até 2024 – algo que não acontece desde fevereiro do ano passado – se alinham a outras melhorias no ambiente de negócios e formam, na avaliação de economistas e representantes de entidades consultados por GZH, um pacote de otimismo que fortalecesse as estimativas de crescimento e geração de empregos.
Na semana anterior ao movimento deflagrado pelo BC, o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) havia atualizado a perspectiva de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro de 1,2% para 2,5% no final deste ano. Outros sinais foram indicados pela agência Fitch, ao elevar a nota de crédito do Brasil no mesmo momento em que rebaixou a dos Estados Unidos.
Na prática, agora, com juros em declínio, mas ainda em patamares elevados, existe um intervalo em que o país seguirá atrativo para os investimentos estrangeiros diretos (especulativos). Por outro lado, o panorama também favorece a consolidação dos aportes produtivos.
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, destaca que o país passa por período de reformas que, juntas, devem trazer impactos prolongados para a atividade econômica. E diz que os efeitos imediatos da atual conjuntura devem chegar antes nas empresas mais dependentes do consumo e também estão associados aos resultados do programa Desenrola, que levou à renegociação de R$ 2,5 bilhões em dívidas nas duas primeiras semanas de funcionamento, com 400 mil contratos repactuados e 3,5 milhões de nomes retirados dos cadastros negativos.
O fator amplia o aquecimento do consumo interno, com menos endividamento e acesso a crédito mais barato no horizonte. Esse é um dos primeiros passos para engatilhar projetos de expansão em empresas, cujos custos de capitalização ficarão menores. Como a redução de juro ainda favorece o fluxo de dinheiro para a bolsa de valores, em razão do ganho de atratividade da renda variável (ações) sobre a fixa (títulos do governo, remunerados pela Selic, agora em trajetória de queda), as empresas nacionais, que, hoje, exibem valores de mercado descontados, terão benefícios.
Eduardo Tellechea Cairoli, fundador e CEO da Privatto Multi Family Office, por exemplo, projeta quadro mais favorável para os IPOs (lançamento de novas ações no mercado), estagnados desde agosto de 2021. Trata-se de um instrumento de capitalização para a realização de novos investimentos produtivos, o que sempre a ajuda a destravar contratações capazes de manter a resiliência no mercado de trabalho, atualmente com taxa de desemprego em 8%, a menor desde 2014.
É o que explica o economista Carlos Honorato, professor da Fundação Instituto de Administração, doutor e mestre em Administração pela FEA/USP e da Fia Business School, ao lembrar que “com um pouco de esforço para reduzir gastos públicos” esse dinheiro sairá do “rentismo” (investimento em renda que não gera desdobramento ampliado na economia) e chegará até a “vida real”. E isso, argumenta, passa pela bolsa, porque as empresas capitalizadas alavancam o crescimento.
Efeitos permanentes
Há, na leitura dos economistas, outras questões que podem endereçar melhor o aumento da produtividade da economia brasileira. A reforma tributária, classificada por Honorato, como a “mais dramática e relevante” é um dos destaques e está encaminhada no Congresso. O problema, explica, é que há riscos de alterações que retirem os efeitos esperados.
O arcabouço fiscal é outro ponto em evidência. O economista Luiz Gonzaga Beluzzo sustenta que o mecanismo é uma tentativa do governo para “devastar a mata e encontrar as presas” que são, justamente, crescimento e desenvolvimento econômico.
Para Beluzzo, isso demanda recuperar a capacidade de investimento público que hoje está nível abaixo de 15% do PIB e, em distintos momentos, ultrapassou os 20%. De acordo com ele, como as receitas só crescem com gastos e pagamento de impostos, quando há aumento do circuito da renda na economia, a arrecadação também sobe.
— Se não houver gasto privado e nem públicos, de empresários e consumidores, a renda não circula. O que acontece é que nos últimos anos o investimento agregado caiu e esse é o grande direcionador, porque quem investe transforma a economia estruturalmente, pois cria ambiente para novos setores, sobretudo, em um momento de revolução tecnológica e energética tão importante. E Isso tudo exige coordenação.
O falta para consolidar os investimentos
- Aceleração do ritmo de cortes de juro: em um dos setores mais afetados pela permanência dos juros em patamar elevado, a indústria, o presidente da Fiergs, Gilberto Petry, argumenta que é necessário acelerar os cortes. Segundo ele, o atual ciclo tem de ser aprofundado, porque a taxa de juro real (descontado a inflação) no país é a maior no mundo, e não há, em sua avaliação, justificativas de risco que justifiquem o fato. O dirigente destaca que, além de beneficiar os investimentos no setor, o governo também sairia ganhando ao reduzir os custos associados à dívida pública que chega a R$ 6 trilhões e é remunerada conforme a taxa Selic. Para ele, o custo de crédito mais barato é fundamental para a ampliação da confiança do empresariado.
- Continuidade de reformas estruturais: mesmo que identifique um pacote de otimismo momentâneo, o presidente da Federasul, Rodrigo Sousa Costa, alerta que as reformas estruturais necessitam continuar. Ele lembra que o atual cenário começa a ser construído por alterações trabalhistas e previdenciárias da gestão de Michel Temer (2016-2019) e que são ameaçadas pela atual base do governo. O dirigente considera que a volta do debate sobre a reforma administrativa é salutar e que deveria ser concluído antes da definição das alíquotas da reforma tributária, feita por legislação complementar a partir do ano que vem. Costa afirma que isso ajudaria a elucidar se o controle da inflação, de fato, ocorrerá por equilíbrio fiscal ou por aumento carga tributária.
- Sinalização de responsabilidade fiscal: com a percepção de que a Selic cai motivada, restritamente, por um cenário mais benigno para inflação, a economista-chefe da Fecomercio-RS, Patrícia Palermo, afirma que para alcançar taxas de juro, estruturalmente, mais baixas, existem outros condicionantes. Um deles é o equilíbrio das contas públicas. Para ela, a discussão sobre o arcabouço fiscal é determinante para elucidar como será a relação entre a dívida pública e o PIB, parâmetro considerado fundamental para definir o patamar da taxa de juros (que serve de base para as demais taxas) e historicamente é muito alta por aqui. Patrícia comenta que isso é responsável por encarecer os investimentos, o que acaba por restringir o mercado àqueles negócios considerados “absolutamente rentáveis”.
- Indução dos investimentos pelo Estado: Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, defende um amplo Programa de Parceiras Público-Privadas (PPPs) para articular investimentos do Estado e do Setor Privado. Segundo ele, não existe economia sem que o Estado atue na coordenação do setor privado. A ideia, comenta, é construir uma articulação e planejada, à exemplo do que é feito nos Estados Unidos, onde está em execução um programa de investimentos públicos com gastos ampliados e subsídios pensados para “recuperar um pouco da industrialização” norte-americana, reduzida nos últimos anos e intensificada a partir da pandemia.
Elementos que moldam o atual otimismo
- Redução da taxa de juro, com projeções de continuidade para os cortes, em razão da percepção de uma inflação mais controlada
- Aumento da nota de crédito do país e expectativas de retomada do grau de investimentos por parte das agências de classificação de risco
- Atratividade do mercado nacional para investimento estrangeiro e perspectiva de aquecimento no mercado de capitais
- Condições menos caras de acesso ao crédito para empresas e consumidores, o que ajuda a aquecer a demanda interna e destrava investimentos
Fatores de risco apontados pelas entidades
- Descontinuidade de reformas estruturais ou alterações que elevem impostos
- Flexibilização demasiada da gestão das despesas com o novo arcabouço fiscal
- Segurança jurídica na manutenção de contratos e alterações setoriais de tributação
- Descuido com investimentos necessários em educação e qualificação da mão de obra