Um dos mais renomados urbanistas do mundo na atualidade, o francês Alain Bertaud estará em Porto Alegre neste mês de abril pela primeira vez em seus 83 anos de vida — dos quais dedicou mais de seis décadas à reflexão sobre o desenvolvimento das cidades. O especialista é um dos participantes convidados para o Fórum da Liberdade, a ser realizado pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEE) no Centro de Eventos da PUCRS nos dias 13 e 14.
Bertaud ocupou o cargo de principal planejador urbano do Banco Mundial até 1999, quando passou a atuar como consultor independente. Desde 2012, é pesquisador sênior da Universidade de Nova York. Embora tenha trabalhado no setor de planejamento urbano de cidades tão díspares como Paris, Bangkok, San Salvador, Nova York, Porto Príncipe (Haiti) ou Chandigarh (Índia), confessa ainda saber pouco sobre a realidade de municípios brasileiros.
Autor do livro Ordem Sem Design: Como os Mercados Moldam as Cidades, o especialista sustenta que indicadores mercadológicos como o preço dos imóveis sejam utilizados como parâmetros de planejamento, defende o corte de regulamentações e avalia que planos diretores são uma ferramenta pouco eficiente. Bertaud defende, ainda, que a chamada gentrificação — substituição de moradores de baixa renda por outros de maior poder aquisitivo em uma determinada área — pode ser um fenômeno positivo para a preservação de centros históricos. Leia, a seguir, um resumo da entrevista concedida a GZH por chamada de vídeo desde sua casa nos EUA.
O senhor conhece Porto Alegre ou alguma outra cidade do Brasil?
Eu visitei Rio de Janeiro, Curitiba e Brasília, mas nunca trabalhei nelas. Sempre que estive no Brasil era para conferências. E, algumas vezes, você só entende uma cidade se trabalhar nela. Então, meu conhecimento sobre as cidades brasileiras é algo superficial em comparação a outras.
Ainda assim, o senhor ficou com alguma impressão inicial sobre as cidades brasileiras em comparação com outros lugares do mundo?
Sim. Acho que há uma preocupação em particular com o transporte, que pode ser mais inovador, em geral. Sobre outras áreas, quer dizer, eu adoraria contabilizar Brasília como uma típica cidade brasileira, mas é um pouco à parte. No Rio de Janeiro e em Curitiba, há zonas pobres e zonas ricas, mas elas estão, poderíamos dizer, meio misturadas. Não há uma parte ocidental inteiramente rica e uma parte oriental da cidade inteiramente pobre, por exemplo. Acho que isso é um aspecto positivo em comparação a algumas cidades americanas, que têm uma completa segregação por renda entre Leste e Oeste ou Norte e Sul.
Temos as favelas, que são espaços segregados, mas muitas vezes ficam próximas de zonas mais ricas...
Sim, e acho que isso é positivo. Digo, claro que seria ideal que as favelas tivessem níveis mais elevados de serviços. Mas o fato de que não estão tão distantes de áreas de renda média ou alta é um aspecto positivo.
Uma grande parte do seu trabalho envolve a forma como o mercado pode ajudar a moldar as cidades. Esse é o tema principal que o senhor pretende abordar aqui em Porto Alegre?
Isso é algo sobre o qual vou falar. Sobre o mercado de trabalho e o mercado em geral. O mercado é um mecanismo, é como a gravidade. Então você precisa entendê-lo. Você não precisa venerá-lo, mas precisa entendê-lo. Entender como funciona.
Alguns ambientalistas são, na verdade, contrários ao crescimento, veem o crescimento em si como o problema. Acho que estão errados, porque só países ou cidades que desenvolveram suas economias conseguem resolver seus problemas ambientais. Isso custa caro. Por isso, se você paralisa a economia da cidade, o ambiente vai se deteriorar muito mais.
De que forma?
Preços mandam sinais, e nós temos de reagir a eles. Se os preços das casas não são acessíveis para uma grande parte da população, temos de reagir em termos de oferta e demanda. Temos de olhar para a oferta de imóveis e de terrenos, e para o transporte. Transporte é uma questão de moradia também, porque é o transporte que determina quanta terra pode ser loteada, ele controla a oferta de solo. Esse é outro aspecto que pretendo abordar sobre os problemas das cidades. Eu não acredito que exista uma bala de prata, uma solução única para diferentes locais, mas, geralmente, se você quer melhorar uma cidade, precisa fazer reformas em 10 a 15 setores diferentes ao mesmo tempo: regulamentações, infraestrutura, investimentos, tecnologia, tudo isso precisa ser abordado ao mesmo tempo. Eu não acredito que exista apenas uma coisa que você possa fazer. Eu costumo ser crítico à regulamentação do uso do solo, que geralmente é muito antiga e nunca foi revisada, mas mudar a regulação do uso do solo é apenas uma parte do problema. Há outras questões.
A retirada de regulamentação não aumenta o risco de problemas ambientais ou sociais?
Bem, quando você faz um projeto residencial, ou um projeto misto residencial e comercial, por exemplo, as questões ambientais devem ser relativamente simples de serem resolvidas. Por exemplo, a rede de esgoto, que deve ser conectada ao restante da cidade... eu não vejo que isso crie, em si, um problema ambiental. Alguns ambientalistas são, na verdade, contrários ao crescimento, porque veem o crescimento em si como o problema. Acho que estão errados, porque apenas países ou cidades que desenvolveram suas economias conseguem resolver seus problemas ambientais. Solucionar problemas ambientais é caro. Por isso, se você paralisa a economia da cidade, o ambiente vai se deteriorar muito mais. Eu sou a favor do ambiente, como qualquer pessoa, mas a ideia de barrar o desenvolvimento econômico para beneficiar o ambiente é equivocada. Minha experiência em vários lugares do mundo, pobres e ricos, é de que cidades pobres têm a pior situação ambiental. O esgoto é lançado na água porque não há dinheiro para tratá-lo.
Mas não é possível crescer mantendo, ao mesmo tempo, algum tipo de regulação?
Sem dúvida, mas essas regulamentações precisam ser explícitas. Alguns dos meus colegas dizem: "Bem, se você desenvolver cem hectares de área nova para moradia e comércio, isso é ruim porque vai espalhar" (a cidade). Acho que é preciso ser mais específico. O que há de ruim nisso? O que há de ruim em prover casas para as pessoas? Poderia haver problemas ambientais se as ruas traçadas bloqueassem um rio, um canal, algo que causasse inundações, então é preciso ser muito específico. Me parece que muitas das pessoas que defendem o ambiente não são específicas, dizem que o empreendimento em si é um problema ambiental. Dou um exemplo que não é exatamente urbano: recentemente, na Califórnia, a Universidade de Berkeley decidiu aumentar em cerca de 2 mil o número de alunos admitidos. Eles foram processados por ambientalistas que exigiam um estudo completo de impacto ambiental sobre a inclusão desses estudantes. Berkeley já havia, logicamente, calculado o número necessário de professores, salas de aula, restaurantes. Para mim, é preciso provar que alguma coisa realmente representa um problema ambiental. Quer dizer, cada vez que você muda uma cidade, tem um efeito positivo e um negativo. Por exemplo, se você criar 10 mil moradias no subúrbio de Porto Alegre, poderia, sim, criar um pouco mais de congestionamento, teria de construir mais escolas... mas teria um efeito positivo ao contribuir para ter um preço mais razoável de moradia devido ao aumento da oferta, permitiria que mais pessoas trabalhassem em Porto Alegre, onde seriam mais produtivas do que estivessem em alguma pequena cidade. É o equilíbrio entre esses aspectos negativos e positivos que deve definir se vamos fazer um projeto. E, se houver problemas ambientais identificáveis, como bloquear acesso a uma praia ou destruir algo historicamente importante, claro que isso deve ser observado. Mas um empreendimento, por si só, não deve ser visto como um problema ambiental.
O senhor acredita que o mercado pode oferecer soluções para problemas sociais graves, como o déficit habitacional envolvendo famílias de baixa renda?
A solução para a falta de moradia deve vir do mercado. Basicamente, se você estabelece padrões muito elevados para pessoas de baixa renda, elas não terão condições de ter uma casa regularizada. Terão de recorrer ao setor informal. Se você impõe padrões mínimos muito altos para o uso do solo para desenvolver projetos de moradia, como tamanhos mínimos de lotes ou de casas, elas não terão opção salvo recorrer à informalidade. E isso significa ir para áreas onde o mercado não atua, como encostas ou áreas de inundação. O que você precisa fazer é abordar esse problema por meio do mercado. Primeiro, ajustando os padrões para o que as pessoas conseguem pagar, o que é muito importante, e, em segundo lugar, aumentando a área de solo disponível no mercado, o que impede o aumento dos preços. Imagine, em comparação, uma cidade em que 20% da população não come o suficiente. São malnutridos. Você vai impor uma regulamentação dizendo que é ilegal ingerir menos de 2 mil calorias ao dia, ou vai aumentar a oferta de comida, talvez com subsídio? Regular a ingestão de calorias não é a forma adequada de lidar com a desnutrição, da mesma forma que regular a oferta de solo não é uma boa maneira de atender os mais pobres.
Em resumo, diminuir regulamentações e aumentar a quantidade de área disponível para moradia?
Isso. É preciso atentar para as regras que estão bloqueando a oferta de mais terrenos e de mais área construída. Se olhar para todas as regulamentações, área mínima construída, tamanho mínimo de lote, tudo isso de certo modo diz que, se você deixar o mercado por si só, as pessoas vão adquirir terrenos e construções menores, e você quer que elas adquiram espaços maiores. Mas, para comprar imóveis maiores, precisarão pagar mais. Então, é o equivalente a dizer a pessoas com fome que elas não podem comer menos de 2 mil calorias por dia. Não faz sentido. Menos regulamentação e investimento em infraestrutura garantem mais áreas que podem receber projetos, e melhorias em tecnologia permitem construir a um custo mais baixo. Olhe para todas as regras envolvendo moradia, especialmente as que regulam o consumo, como área mínima de construção. Isso obriga você a consumir mais, e acho que os tamanhos de área construída e de terreno deveriam ser liberados. Como planejador urbano, você não deve fazer esse tipo de escolha pelas pessoas mais pobres, porque você não sabe quais as prioridades delas. Muitas pessoas pobres prefeririam ter uma casa menor, mas mais perto do trabalho, do que uma casa melhor, talvez, mas a 30 quilômetros do serviço. Vimos isso repetidas vezes. Por isso, você sempre deve começar (a pensar a cidade) pelo mercado de trabalho. Os mais pobres precisam ficar mais próximos do trabalho, por isso você deve garantir que eles consigam isso. Há exemplos disso em muitos lugares.
O senhor poderia citar um desses exemplos?
Na Indonésia, há uma política que, quando uma cidade se expande, geralmente absorvendo vilarejos nos subúrbios, eles estabelecem um perímetro naquele vilarejo, e as pessoas decidem as regras para aquele local. Não são feitas imposições. Se a vila for pobre, há investimentos para que as pessoas tenham acesso a água potável, redes de esgoto e coleta de lixo. Como há ruas em que um caminhão de lixo não consegue entrar por seu tamanho, há um acerto para o lixo ser depositado em determinados pontos de coleta. Logo que a cidade se expande, é feito o zoneamento daquele novo vilarejo, e as pessoas podem adquirir o tamanho de terreno que elas quiserem, mesmo que sejam apenas 20 metros quadrados, 15 metros quadrados. E, se puderem adquirir apenas casas feitas de bambu, está bem, e o governo provê escolas e um sistema de saúde relativamente bons.
Programas governamentais não seriam uma opção melhor para oferecer moradias em condições mais adequadas a essa população?
O exemplo que citei é melhor do que dizer "vamos construir casas para vocês, mas terão de esperar 20 anos em uma lista de espera". A partir do momento em que você cria um programa subsidiado de moradia, mas coloca pessoas pobres em uma lista de espera de mais de um ano, já não é algo sério. É como na União Soviética. Na União Soviética, ainda lembro quando comecei a trabalhar em Moscou, o preço do aluguel equivalia ao de dois ou três maços de cigarro por mês. Era ridículo, mas tinha de esperar 30 anos por um apartamento. Oficialmente, parecia maravilhoso, mas na prática você tinha três, quatro famílias vivendo em um apartamento, o que é um inferno. Então, se o povo é pobre, mas o governo também não tem muito dinheiro, fazer promessas que não serão cumpridas é algo muito cruel. Dá a impressão de que estão fazendo alguma coisa, mas não estão fazendo nada.
Levando-se em conta sua proposta de reduzir a regulamentação nas cidades, que papel restaria aos planos diretores?
Não sou entusiasta de planos diretores. Trabalhei em muitos deles e sou frequentemente convidado para revisar os planos de várias cidades. Não digo que uma cidade não deva planejar, mas a ideia de um plano diretor que você passa dois anos preparando, coletando dados, depois projeta como serão os próximos 10 anos, não é muito eficiente. Especialmente se é feito por consultores externos. Sei disso porque eu era um desses consultores (risos). O que você precisa é ter uma base de dados, atualizada a cada três meses, que seja própria do município, em vez de ter um consultor que virá uma vez a cada 10 anos te dizer todas essas coisas. Para desenvolver esse sistema, a cidade pode até precisar de uma consultoria externa, mas a capacidade de fazer essa análise deve ser interna e permanente. O prefeito deveria ter na sua mesa essas informações, atualizadas a cada trimestre, como a evolução do custo da moradia, do aluguel em diferentes áreas, o tempo médio de deslocamento das pessoas para o trabalho usando diferentes meios de transporte — e isso pode explicar por que muitas pessoas pegam Uber em vez de ônibus. Eu falo no meu livro sobre alguns indicadores fundamentais. Quando o aluguel de uma área sobe demais, isso deveria ser um sinal de alerta, e a cidade deveria fazer alguma coisa.
O quê?
Se os aluguéis sobem muito, significa que muitas pessoas querem morar numa região, e não há espaço suficiente. Então você precisa garantir esse espaço ou oferecer um espaço alternativo. Moradia, acessibilidade financeira e transporte estão muito ligados. Se você tem uma área da cidade em que as pessoas levam em média uma hora e meia para chegar ao trabalho, e você reduz esse tempo para 40 minutos ao melhorar o transporte, você aumenta a oferta de moradia para pessoas que precisam trabalhar. Voltando à questão do plano diretor, você deve ter esses indicadores e tentar coisas novas para resolver os problemas que eles apontarem. E você deve ter objetivos quantitativos que permitam ver se você falhou ou não. Muitas vezes, planos diretores estabelecem metas como "criar uma cidade com qualidade de vida" ou "uma cidade inteligente". Claro que é bom ter qualidade de vida ou ser inteligente, mas não há um link entre esses objetivos e o que você está propondo. Em Singapura, por exemplo, eles não têm um grande plano diretor. Mas eles olham uma vizinhança e observam que você leva 15 minutos até o centro da cidade se pegar um ônibus e o metrô. Então resolvem investir para que esse trajeto dure três minutos, e estabelecem que vão fazer isso em três anos. Às vezes eles falham, mas pelo menos você monitora o seu objetivo.
Se você quer manter algum tipo de centro histórico, minha experiência é que apenas a gentrificação pode fazer isso. Porque é muito caro. Pessoas ricas não desaparecem, e você não quer que elas desapareçam da sua cidade, certo? Você não pode excluí-las. Se você tem uma área inteiramente de baixa renda e você considera isso ruim, deve permitir que pessoas com renda mais alta se mudem para lá. E isso geralmente tem um efeito positivo.
Em relação ao transporte público, que o senhor mencionou, vivemos uma debandada de passageiros em favor de opções como serviços por aplicativo. O que se pode fazer?
É preciso estudar porque as pessoas estão fazendo isso. Se preferem Uber, o sistema de transporte não é muito eficiente. Talvez as rotas não estejam adequadas, ou o sistema para comprar bilhete é muito complicado, ou, dependendo do itinerário, você precisa comprar mais de uma passagem. Então é preciso olhar para o sistema. Muitas vezes, há uma tendência de olhar apenas para um meio de transporte. O seu objetivo não é melhorar o sistema de ônibus, mas o transporte como um todo. Em grandes cidades, vejo uma tendência de que, para ter um sistema eficiente, você provavelmente tem de alternar entre diferentes modais em uma mesma viagem _ por exemplo, pegar uma bicicleta da sua casa até uma estação, ir por trilhos até outro local, de lá pegar outro meio de transporte, enfim. A cidade também deve ir em busca de inovação. Algumas inovações vão fracassar, e não tem nada errado com isso. Muitas cidades têm medo de tentar algo que possa falhar. E sabemos por experiência que, se temos progresso, é porque três pessoas fracassaram, e uma teve sucesso e passou a ser imitada. Mas, se você for totalmente avesso ao fracasso, nunca vai avançar.
A recuperação de centros históricos é um antigo desafio de muitas capitais brasileiras. Qual a maneira de fazer isso?
Se você tem algum tipo de centro histórico, e você quer mantê-lo, minha experiência é que apenas a gentrificação pode fazer isso. Porque é muito caro.
É mesmo? Gentrificação é um conceito bastante malvisto...
Sim, mas pessoas ricas não desaparecem, e você não quer que elas desapareçam da sua cidade, certo? Você não pode excluí-las. Se você tem uma área inteiramente de baixa renda e você considera isso ruim, deve permitir que pessoas com renda mais alta se mudem para lá. E isso geralmente tem um efeito positivo. Da mesma forma, deveria significar que pessoas em áreas mais pobres também tenham acesso a áreas mais ricas. E você pode fazer isso, repito, se remover regulamentações de tamanhos mínimos para imóveis ou lotes. A questão é que a manutenção de prédios antigos é muito cara, e é por isso que eles tendem a desaparecer, além de ocuparem muito terreno em relação à área construída. Se você quiser compensar isso, tem de atrair pessoas ricas e capazes de manter esses prédios. O centro histórico de Paris, por exemplo, sofreu uma grande gentrificação porque é caro. A cada cinco anos, creio, você tem de fazer uma limpeza completa das fachadas, ou renová-las. Pessoas de baixa renda não conseguem arcar com isso. Quero dizer que, se há duas ou três casas em um quarteirão que são compradas por pessoas de renda mais alta, isso não é algo ruim. Agora, sou completamente contra revitalizações feitas por prefeituras que forçam as pessoas pobres para fora e as substitui, como foi já foi feito algumas vezes nos EUA.
Mas qual a diferença entre esse processo ser feito pelo governo ou pelo mercado? Para quem é levado a sair, muda alguma coisa?
Quando é feito pelo governo, as pessoas perdem suas áreas por expropriação. Você não sabe se recebem o valor justo pelo imóvel. Quando é feito pelo mercado, se você realmente tem um mercado livre, ninguém pode comprar a sua casa se você não quiser vendê-la. Se você é um inquilino é diferente, claro. Você pode querer ficar, mas o proprietário pode querer vender. Deveria inclusive haver algum tipo de compensação para inquilinos nesses casos. Mas há uma grande diferença. Temos um exemplo disso nos EUA. Alguns anos atrás, um lugar chamado New London, em Connecticut, decidiu que uma área de baixa renda seria convertida em um centro de negócios e comércio. Foi feita uma expropriação em grande escala, e deram a área para um empreendedor. Depois de algum tempo, ele percebeu que não era uma área muito boa, não conseguiu encontrar financiamento, e ficou sem nada lá. Esse é o problema quando o governo resolve fazer as coisas. Não são bons em mercado imobiliário. Deveriam deixar as pessoas que entendem disso assumir os riscos. Nesse caso, foi a cidade que assumiu o risco. Se eu compro uma casa em uma área de baixa renda e a renovo, eu assumo o risco. Talvez eu seja o único que faça isso, e acabe perdendo dinheiro. Mas talvez outras pessoas me imitem. Por isso, também acho que o mercado funciona melhor quando envolve diversos pequenos agentes, em vez de um único grande.
Já há algum tempo é comum termos em cidades brasileiras grandes projetos imobiliários que são condomínios fechados, por vezes até com serviços dentro, como pequenos bairros isolados...
Sim, como enclaves.
...Exato. O senhor não considera isso um problema, mesmo que reflitam uma demanda do mercado?
Sim, isso é muito ruim, mas se deve olhar para as razões disso. Se fazem isso, é porque sentem que a cidade é incapaz de garantir coisas como ruas seguras. Então fazem essas fortificações onde você pode ter até escolas e sistemas de coleta de lixo próprios. Para evitar isso, a cidade precisa aprimorar questões como segurança e limpeza urbana. Mas creio que muros não deveriam ser permitidos nesses projetos. Ruas, mesmo construídas por desenvolvedores privados, deveriam ser devolvidas à cidade. Para isso, pode-se ter algumas regulamentações. Não acho que você deve ter grandes enclaves nas cidades, inclusive por razões de tráfego. E, socialmente, também é muito ruim fazermos isso. Se houver uma forma legal de evitar isso, seria bom. São problemas difíceis, e sei que são muito comuns na América Latina, já vi isso em países como México, Guatemala, Colômbia. Você se sente mais seguro lá dentro, mas cria uma situação difícil para a cidade. Não estou completamente seguro sobre qual seria a solução para isso, talvez em vez de simplesmente proibir seria melhor olhar para as raízes disso, tentar mudar cinco ou seis coisas, e evitar enclaves desse tipo.