No início deste mês, um tiktoker viralizou nas redes sociais "provando que Paris é uma cópia de Porto Alegre". Durante viagem à capital francesa, o estudante de arquitetura Eduardo Azevedo, 22 anos, fez comparações de pontos turísticos da Cidade Luz com conhecidos locais frequentados por moradores e visitantes da capital gaúcha.
Na brincadeira, o Arco do Triunfo virou uma imitação do Monumento ao Expedicionário, no Parque da Redenção, o Rio Sena se transformou em uma cópia do Arroio Dilúvio e as ruas parisienses foram comparadas com as avenidas Osvaldo Aranha e Ipiranga. A semelhança dos lugares levanta a questão: afinal, de onde vêm as inspirações para a arquitetura e urbanismo da nossa capital?
O arquiteto, urbanista e autor do livro Viaduto Otávio Rocha: ícone da Porto Alegre moderna, Lucas Bernardes Volpatto, afirma que na verdade as ruas e edifícios da capital gaúcha possuem muito mais inspirações na arquitetura germânica do que na francesa, mas entra na brincadeira:
— É claro que podemos fazer essas comparações, dadas as devidas proporções — pontua.
Volpatto defende que, apesar de as aberturas de avenidas realizadas na metade do século 19 pelo Barão Haussmann, em Paris, terem influenciado o mundo todo, Porto Alegre é mais influenciada por arquitetos alemães.
— Por exemplo, o arquiteto alemão Theodor Wiederspahn copia a estação de Wiesbaden, cidade onde ele nasceu, para fazer o prédio dos Correios e Telégrafos, localizado no Centro Histórico.
Construída em pedra de arenito vermelho, a estação de Wiesbaden, na Alemanha, é inspirada no estilo barroco clássico. Ela foi inaugurada como a nova estação ferroviária central em 1906, na presença do kaiser Wilhelm II, o último imperador alemão.
Quatro anos depois, iniciou-se a construção do antigo prédio dos Correios e Telégrafos, localizado na Praça da Alfândega, coração da Capital. A construção foi concluída em 1913 e hoje abriga o centro cultural Memorial do Rio Grande do Sul, tendo sido tombado como patrimônio histórico em 1980 e passado por grandes reformas em 1998.
Volpatto, que lançará na próxima Feira do Livro de Porto Alegre seu livro sobre o Viaduto Otávio Rocha, situado na Avenida Borges de Medeiros, cita a construção como maior exemplo de inspiração na arquitetura europeia. Ele afirma que é comum nas cidades sul-americanas esse tipo de comparação ocorrer.
— Capitais do mundo se inspiram muito na arquitetura europeia. Por exemplo, Buenos Aires e Rio de Janeiro copiam demais o estilo parisiense. Mas em Porto Alegre, além de se diferenciar parecendo-se mais com uma cidade alemã, tem como maior exemplo a semelhança entre a Ponte Monumentale, localizada em Gênova, e o nosso Viaduto Otávio Rocha — compara.
A Ponte Monumentale di Genova, situada ao noroeste da Itália, foi projetada pelo engenheiro Cesare Gamba, em 1895, tendo como objetivo facilitar a passagem de veículos da época, como os bondes. Já o Viaduto Otávio Rocha, que liga o centro da Capital à Zona Sul, foi inaugurado em 1932. O projeto foi desenhado pelos engenheiros Manoel Barbosa Assumpção Itaqui e Duilio Bernardi.
A professora de arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Célia Ferraz de Souza defende que a evolução arquitetônica e urbanística da cidade acompanha, além das influências originais da arquitetura portuguesa, as marcas da imigração alemã e italiana. Célia é autora de diversos livros sobre a evolução urbana da capital gaúcha.
— A partir da metade do século 19, a arquitetura francesa e seu modo de pensar as cidades tomam conta do mundo. Seja pela importância cultural da França e pelo seu destaque, ou seja, pelo surgimento de uma burguesia que consome as artes. Mas, no caso de Porto Alegre, por conta dos imigrantes alemães e italianos que chegaram em maior número, tivemos influências diferentes — explica.
Célia detalha que no ano de 1914 foi apresentado o Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre, projeto organizado pelo arquiteto João Moreira Maciel. O plano visou à criação de vias de acesso suficientemente amplas que desafogassem o tráfego do Centro para a periferia e vice-versa, e teve inspiração nas obras realizadas pelo Barão Haussmann, em Paris, 50 anos antes. Entretanto, a professora defende que chamar de influência não é a palavra correta.
— Influência leva a cópia simplesmente. Na verdade, o que houve foram adaptações, conceitos e ajustes ao local com base no propósito técnico e teórico do pensamento da época. Por isso, acredito que a abordagem desse tema precisa levar em conta a criatividade do arquiteto — ressalta.
Produção: Leonardo Martins