Por Gilberto Schwartsmann
Médico e escritor
José Francisco Alves e eu discutíamos os detalhes da mostra sobre os cem anos da Semana de Arte Moderna de 1922, na Casa da Memória Unimed Federação/RS, na arborizada Rua Santa Terezinha, em Porto Alegre. Emocionado, ele me mostrou os originais de sua mais recente obra, intitulada A Escultura Pública de Porto Alegre – Obra Comemorativa – 250 Anos de Porto Alegre. É uma obra de grande envergadura, viabilizada com recursos não incentivados – apoio direto da Unimed e da Sidi Medicina por Imagem, às quais nós, gaúchos, agradecemos.
Examinei cada página como se tivesse diante de mim uma joia rara. Confesso que me senti como Bergotte, a personagem de Marcel Proust, na obra Em Busca do Tempo Perdido, que não resiste e morre ao contemplar a tela intitulada Vista de Delft, de Jan Vermeer. O trabalho de José Francisco Alves é de fato impressionante. E não se trata de uma simples atualização da edição anterior – lançada quase duas décadas atrás – sobre nossas esculturas públicas. É muito mais.
Trata-se de uma obra repleta de novidades e de esclarecimentos históricos. São mais de 400 páginas e cerca de 1,9 mil imagens atuais e históricas, nas quais o autor aborda temas como a fundação de Porto Alegre, a Exposição do Centenário Farroupilha, a história da estátua do Laçador, os chafarizes, as esculturas de Bienais e centenas de obras esculturais espalhadas por nossas praças, parques, prédios e cemitérios de nossa cidade.
A Escultura Pública de Porto Alegre é uma obra densa, um texto de referência, fruto de quase três décadas de pesquisas realizadas pelo autor. Divide-se em três grandes capítulos, que versam sobre a evolução de nossa escultura pública, aspectos teóricos da arte pública e uma discussão aprofundada sobre políticas de arte pública em nossa cidade, no Brasil e no mundo.
Além de apresentar um inventário completo das esculturas públicas da cidade, a obra contém verbetes com o histórico de cada obra, organizados segundo sua tipologia. Refiro-me a estátuas, estatuária em equipamentos hidráulicos e fontes artísticas; bustos, cabeças e relevos; obeliscos e marcos comemorativos; estatuária e elementos escultóricos na fachada de edificações.
Se isso já não fosse o suficiente para dizer do calibre da obra, há nela também um riquíssimo glossário ilustrado, resumos biográficos de artistas e projetistas, bem como informações – pasme o leitor – sobre projetos esculturais planejados, mas não realizados. E, fazendo par à excelência do conteúdo, o trabalho editorial é simplesmente impecável.
Ao contrário da maioria das obras que celebram efemérides semelhantes, produzidas em outras capitais brasileiras – na sua grande maioria constituídas por um catálogo de imagens – a obra de José Francisco Alves traz uma coleção fotográfica da memória escultural da capital gaúcha, acrescida de uma meticulosa descrição de cada uma das peças elencadas. Que bela homenagem faz o autor aos 250 anos da fundação de Porto Alegre!
Na obra Em Busca do Tempo Perdido, Bergotte, mesmo doente e cambaleante, vai ao museu, com o objetivo de apreciar um único detalhe – um pedaço de telhado amarelo – por ele não percebido, na tela de Vermeer, sobre o qual um crítico de arte teria feito uma observação num artigo de jornal. O leitor se surpreenderá com os “pedaços de telhados amarelos” que encontrará por entre as esculturas da cidade que adornam as belas páginas da obra de José Francisco Alves.
O lançamento, neste sábado, às 18h, no 1º piso do Shopping Total (Av. Cristóvão Colombo, 545), proporcionará aos leitores em geral, aos aficionados por arte e arquitetura e aos pesquisadores das artes acesso a mais uma obra de referência do autor. O que dizer das bibliotecas de escolas, que também necessitam tê-la em seu acervo, pois o assunto move interesses e paixões, já que é parte da história e da memória da nossa amada Porto Alegre.
A título de curiosidade, o velório de Bergotte é descrito na obra de Proust como um momento em que os livros de sua bela biblioteca, “nas estantes iluminadas, dispostos três em três, velavam-no como anjos com as asas abertas e pareciam, para aquele que não existia mais, o símbolo da sua ressurreição”. Os grandes livros têm esse poder – o da ressurreição. A obra de José Francisco Alves faz o mesmo com as nossas esculturas.