O novo presidente da Federação das Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), Rodrigo Sousa Costa, assume com a missão de gerir a entidade em ano marcado pelo início de um novo governo em Brasília. Natural de Pelotas, o engenheiro agrônomo e advogado afirma que a sua atuação será baseada em três eixos: melhora do ambiente de negócios, troca de ideias e avanço na qualidade de vida dos gaúchos. No entanto, avalia que atos de membros dos três poderes podem travar esses movimentos.
Costa e membros da Federasul demonstram certa preocupação com o início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e ações dos outros poderes. Essa postura foi evidenciada em um documento divulgado no último final de semana, batizado "Carta de Osório". Falas do presidente sobre empresários e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) estão no centro desse debate. O presidente da Federasul afirma que esse terreno marcado por desconfiança afeta as decisões de investimento das empresas, segurando a atividade econômica. Na avaliação do executivo, é necessário reforçar o diálogo para reverter esse quadro de insegurança:
— Temos a expectativa de que o governo faça uma reflexão e busque um tom mais conciliatório em relação a todos os brasileiros. Acho que a abertura do diálogo é saudável, é necessária.
Costa assumiu a direção da Federasul em 1º de janeiro, mas o evento festivo da posse ocorrerá em março.
Veja os principais trechos da entrevista
Quais os principais desafios da nova gestão da Federasul?Dar sequência a um grande projeto que começou com o empoderamento do Interior na reforma do estatuto de 2017. Quando a gente migrou para a eleição direta. Isso criou uma sensação muito forte de pertencimento em todo o interior do Estado. Então, nós tivemos a gestão da presidente Simone (Leite) marcada pelo pertencimento, a do presidente Anderson (Cardoso) pela inovação, e o desafio da próxima direção, pelo porte da mudança de cenário federal que a gente está enfrentando, é o engajamento. Colocar todo esse capital social que desenvolvemos em prol do bem comum, com milhares de lideranças voluntárias se sentindo pertencentes a um grande projeto. O engajamento das lideranças de forma única, em bloco, é o nosso grande desafio.
uais serão os principais focos de atuação de sua gestão?
Nós estabelecemos três eixos de um propósito que é muito claro hoje. O eixo mais visível é a melhora do ambiente para empreender, produzir, trabalhar. Essa Federasul movida pelas suas diretrizes estatutárias, tentando enxugar o tamanho do Estado e da máquina pública para que a se possa diminuir a carga de tributos sobre as costas de toda a sociedade. Tem um segundo eixo que também é bastante trabalhado nos eventos da Federasul, especialmente nos almoços de Tá na Mesa, que é o de melhorarmos e evoluirmos em um mundo em permanente transformação. Não basta melhorar o nosso ambiente. Queremos, enquanto empresários, nos tornarmos mais competitivos pela troca de experiências, pela observação do que está acontecendo no mundo, que é globalizado. O terceiro eixo busca o bem comum, a qualidade de vida de todos os gaúchos.
Após o pico da retomada de serviços e comércio depois do período mais crítico da pandemia, os números desses dois setores mostram certa desaceleração. Como a Federasul e associados estão enfrentando esse processo?
Nós já estamos enxergando isso como consequência das expectativas ruins que uma série de ações e falas do governo eleito estão gerando. Que nós consideramos inoportunas. Eu acho que a gente tem de encerrar esse período de campanha. Os políticos têm de descer do palanque tanto no parlamento quanto no Executivo, ministros. E falar para todos os brasileiros. Porque depois que termina a eleição, o presidente é de todos nós e aí tem de acolher todos os brasileiros dos diferentes segmentos. E essas falas às vezes podem ser menosprezadas, como colocando, por exemplo, falando, insinuando que um empresário não vive do próprio trabalho, mas do trabalho dos outros. Imagina como cai uma fala dessas para um pequeno empreendedor, que são as pessoas que mais empregam no país.
A perspectiva de um ano com juros ainda em patamar elevado, inflação pesando no orçamento das famílias, endividamento alto e possível desaceleração em alguns países desenvolvidos pode atrapalhar serviços e comércio?
Isso atrapalha todos os setores. Talvez a gente tenha algum segmento beneficiado pelas novas políticas do governo federal. Talvez ele incentive a construção civil e tal. Então você pode ter segmentos pontuais que sejam beneficiados por uma mudança temporária. Em médio e longo prazo, esse estado de espírito, essa desconfiança em relação ao futuro, ela é péssima. Essas frases de desrespeito ao mercado, como se o mercado não tivesse importância nenhuma, ou então esses indicativos de iniciativas no sentido de despesas sem controle de gastos, sem respeito a teto. Quer dizer, a gente pode furar o teto de uma forma planejada, mas quando se desprestigia o controle de gastos, a qualidade das despesas, a mensagem que passa é de um gasto descontrolado que nós já tivemos no passado. É um caminho que nós já trilhamos, nos levou a 14 milhões de desempregados, a uma recessão brutal da qual milhões de empreendedores no Brasil ainda tem cicatrizes muito profundas.
A Federasul divulgou uma carta expondo algumas preocupações sobre política e economia. O que levou a entidade a formular este documento que traz série de críticas a posicionamentos e declarações já feitas pelo novo governo, como revisão de pontos da reforma trabalhista? Por que a Federasul encara o novo governo com tantas ressalvas?
Nós não estamos enxergando com muita ressalva o novo governo. A Federasul não é uma entidade partidária. Ela não defende um candidato ou outro, mas nós temos valores e diretrizes estatutárias. A gente saúda e louva a iniciativa do governo federal de ouvir os Estados membros em suas prioridades a partir desses três projetos estruturantes na infraestrutura. Isso é uma demonstração de acolhimento democrático. Mas quando se fala, por exemplo, na flexibilização da lei das estatais, a gente se pergunta quem se beneficia. A quem interessa que políticos que perderam uma eleição possam assumir a gestão de uma estatal por mudança na lei. A lei veio com um avanço para evitar o uso político das estatais, o aparelhamento. A gente já sabe os prejuízos que o Brasil colheu a partir desse aparelhamento político de empresas que pertencem a todos enquanto sociedade brasileira. (...) E na mesma linha quando a gente fala da reforma trabalhista. A verdade é que nós tínhamos chegado ao triste número de 14 milhões de desempregados e por meio de várias ações, especialmente a reforma trabalhista, foi possível geração de milhões de empregos. Postos de trabalho que baixaram o nível de desemprego ao patamar atual. Então, a gente vem basicamente apontando caminhos para não cometermos os mesmos erros. Nós empreendedores, empresários, profissionais liberais, trabalhadores, a classe produtiva como um todo, estamos todos no mesmo barco. Não é interessante que o barco afunde. Queremos o bem do nosso país e que o governo se saia bem.
Na "Carta de Osório", a Federasul também "reafirma a crença na liberdade de expressão como pilar da democracia" e aponta "preocupação com ataques e provocações dos três poderes". O que exatamente a entidade quer dizer com isso?
A Constituição brasileira, a constituição cidadã, tem um grande mérito de ser escrita numa linguagem comum. Não podemos perder essa consonância com o seu significado comum, o significado popular. Não podemos nos afastar dessa interpretação que está ao alcance de todos, especialmente de direitos e garantias fundamentais, individuais. São cláusulas pétreas da Constituição brasileira. Quando a gente percebe que está se flexibilizando a liberdade de expressão, que tem parlamentares eleitos com redes sociais bloqueadas, um parlamentar que em tese deveria ter imunidade para expressão do seu pensamento político, já estamos enxergando hoje a censura prévia. Isso é muito grave. Esta carta que nós escrevemos veio de baixo para cima, ela veio de um debate intenso. Desde dezembro do ano passado o debate vinha se fortalecendo e culminou numa reunião de integração onde juntou a diretoria executiva, o conselho e as filiadas representantes de todos os segmentos da Federasul. Fizemos o debate sobre as garantias de direitos individuais, sobre as iniciativas do governo federal em relação ao campo social e econômico e quais eram as linhas que nós deveríamos expressar nesta carta para apontar um norte. Acreditamos na democracia e que ataques à democracia são repudiáveis e devem ser combatidos com mais democracia. Não é com censura à liberdade de expressão, com censura prévia.
Atualmente, a gente observa uma disseminação de notícias falsas ou manipuladas para determinado lado. Nesse sentido, qual seria o melhor caminho para combater esse problema?
Eu acho que o caminho é trazer esta discussão para dentro do parlamento, para dentro do Congresso Nacional, que foi legitimado para modificar as leis. Já existem hoje mecanismos de responsabilização. É vedado o anonimato. Então, as pessoas tem de ser responsabilizadas pelas mentiras, pelas fake news. Elas têm de responder. Mas o que nos preocupa é quando a gente percebe até parlamentares com medo de expressar sua opinião, com medo de manifestar o seu pensamento porque aí há uma subversão do processo democrático. É da essência da democracia o equilíbrio entre os poderes e nós não podemos ter cidadãos, seja de esquerda ou de direita, com medo de se expressar, com medo de manifestar as suas opiniões. Com medo de serem intimidados, perseguidos, terem as suas contas financeiras bloqueadas, terem as suas contas de redes sociais bloqueadas, seu nome exposto por um debate, um grupo de WhatsApp. Então, eu acho que essa preocupação com excessos, com a intimidação, com a desproporção está permeando toda a sociedade brasileira. A liberdade de pensamento, a liberdade de expressão são conquistas de todos nós. Uma conquista da esquerda, da direita, do conservador, do liberal, do religioso, do ateu, do agnóstico. Nós não podemos abrir mão disso. Muitas pessoas enxergam no STF o autor que conduz o inquérito dos atos antidemocráticos a partir de normas que ele mesmo criou dentro do regimento interno do Supremo. Imagina a situação de alguém que se sentiu atingido, ele recorrerá a quem? O próprio autor julga a partir da norma que ele mesmo fez. Isso é razoável? É saudável para uma democracia?
Acreditamos na democracia e que ataques à democracia são repudiáveis e devem ser combatidos com mais democracia. Não é com censura à liberdade de expressão, com censura prévia.
Muitas vezes a discussão de temas como esse demora no Congresso até ter uma definição. Pensando principalmente no caso da internet, que é um meio de comunicação mais rápido, tem espaço para algumas dessas medidas do STF, tomadas de maneira mais rápida?
Para abordar se umas podem, outras não podem, temos de entrar no caso específico. É óbvio que o STF faz jurisprudência e atua nas lacunas da lei e resolve conflitos entre normas constitucionais, não há dúvida que ele tem o poder máximo do Judiciário. Não se questiona isso. A imagem do STF, de guardião da Constituição, tem de ser preservada. A sociedade, ou uma parte dela, não pode enxergar no STF o autor dos atos que violam a Constituição. Então, é sobre a necessidade dessa ponderação, desse equilíbrio, que nós estamos alertando. A gente percebe que boa parte da população não se sente segura em relação ao guardião da Constituição que representa todos nós. Isso é grave numa democracia.
O empresariado gaúcho atualmente retarda investimentos no aguardo das primeiras decisões do novo governo federal na política econômica e no âmbito específico do trabalho? Como isso afeta a atividade econômica e o crescimento do Estado e do país?
O nosso sentimento, embora não se tenha números medidos, é de que isso chega de todos os lados. Isso ficou muito claro durante todo o debate na reunião de Osório. As pessoas estão ligando um modo de sobrevivência. As decisões estão sendo pautadas por medo e as pessoas estão parando de investir. Estão reservando recursos, estão segurando investimentos. Nós teremos uma consequência de médio e longo prazo por essa ação que está acontecendo. Hoje a gente percebe a economia flutuando sobre o medo. As pessoas, os pequenos, os médios, os grandes empreendedores, estão com medo e parando o investimento. E é um momento difícil, porque, lá em 2020, depois de o governo do Estado ter feito todas aquelas reformas que foram inclusive apoiadas pela Federasul, tínhamos a expectativa de ter feito o dever de casa E aí fomos todos surpreendidos por uma pandemia. E o momento foi postergado para janeiro de 2023. Só que estamos sendo surpreendidos agora por uma instabilidade gerada por ações, manifestações por parte dos três poderes. Isso afetou a confiança de quem empreende, de quem investe. Então, as pessoas estão analisando todas as oportunidades do Rio Grande do Sul, que são muitas, mas estão com medo de botar o dinheiro. De se endividar, de tirar financiamentos. Isso é bem claro para todos nós em quase todos os segmentos, exceto em algum que se beneficie de uma política específica federal que surja.
Hoje a gente percebe a economia flutuando sobre o medo. As pessoas, os pequenos, os médios, os grandes empreendedores, estão com medo e parando o investimento.
O senhor estima flexibilidade por parte do governo nos pontos levantados pela Federasul, como a questão trabalhista e a necessidade de uma reforma tributária equilibrada?
Eu tenho otimismo sim. Estamos abertos ao diálogo e acredito que o governo esteja aberto ao diálogo até por essa demonstração de querer ouvir os Estados nos investimentos de projetos estruturantes. Acho que já deu uma demonstração de acolhimento democrático. Temos a expectativa de que o governo faça uma reflexão e busque um tom mais conciliatório em relação a todos os brasileiros. Acho que a abertura do diálogo é saudável, é necessária. Que democracia nós teríamos sem diálogo, sem liberdade de pensamento, sem liberdade de expressão. E a nossa expectativa é positiva em relação a isso. Daqui a pouco, baixa a poeira, os ânimos serenam e o próprio governo, os próprios poderes, façam uma reflexão sobre sua postura, suas manifestações e fiquem abertas para o diálogo, que é positivo para todos. Fazemos partes do mesmo Brasil, do mesmo barco.
E em relação à economia gaúcha diante do “novo governo” estadual, qual a expectativa da nova gestão?
A estimativa é na linha de que vamos colher frutos de reformas que começaram lá atrás, desde o governo Sartori, e foram muito ampliados no ano de 2019 no próprio governo Leite. Felizmente superamos esse momento de pandemia e temos um ambiente bem melhor para investimentos, mas a gente percebe uma certa dependência do ambiente estadual em relação ao ambiente federal. Bem na linha das declarações do governador Eduardo Leite em Davos. Ele fez declarações no mesmo sentido. A gente percebe que as políticas públicas anunciadas pelo governo estadual, até o presente momento, estão muito alinhadas com as diretrizes da Federasul, com os nossos valores de iniciativa privada, de gestão austera. Em uma análise ainda superficial, não chegamos ainda nem nos cem dias de governo, mas como é uma continuidade e o discurso não mudou, parece que é bem mais previsível, estável e tranquilo o ambiente estadual do que o ambiente federal.
Quais mudanças provocadas pela pandemia nos hábitos de consumo merecem atenção por parte dos empresários, principalmente no caso dos de menor porte?
Eu acho que sempre requer até uma pesquisa antropológica para responder. Mas acho que tem uma mudança de hábitos. Uso de redes sociais, de celulares a partir desse momento intenso nas casas, de convívio familiar durante a pandemia. Eu acho que mudou bastante a estratégia, vamos dizer assim. A gente tem de ficar atento agora, o que mais nos preocupa nesse momento é o estado de espírito da população, porque houve um endividamento. Se as expectativas ruins começam a se realizar, a gente vai criando um estado de espírito em que as pessoas vão diminuindo o consumo. Isso pode afetar a todos nós. Acho que o momento é de cautela.
Na conversa com os setores na última semana foi possível observar qual demonstra mais preocupação diante desse clima de insegurança e cautela que a Federasul cita?
Essa preocupação permeia todos os setores. Eu não vou te dizer o peso, mas cada um por um motivo diferente. Na questão dos serviços, estão temerosos em relação a algumas falas sobre a reforma tributária, na linha de redução da carga tributária da indústria e aumento da carga tributária dos serviços e do agronegócio. O agronegócio também receia, mas eu acho que teme mais ainda pela questão de insegurança física e jurídica em relação a invasões de terras pelas declarações que foram feitas pelo Executivo e pela postura do Judiciário, as interpretações do STF. Na indústria, tem a taxa de juros e o impacto dela na necessidade de aportes pesados de capital, de investimentos. Todos os setores hoje estão permeados por dúvidas, receios e más expectativas pelo conjunto da obra e foi isso que a gente tentou retratar nos seis itens da carta. Quando se fala, se desconsidera, desqualifica a importância da independência do Banco Central é como se não se valorizasse os pilares da política monetária nos últimos anos que foram alicerçados nas metas de inflação. (...) Posso falar assim sem muito debate que em qualquer lugar do Estado as pessoas querem desburocratizar, querem simplificar, querem reduzir os custos para aferir a quantidade de impostos que cada um paga, que isso se torne mais simples, mais fácil. Isso eu acho que é um clamor geral. Aí a discussão entre alíquotas de quem vai pra quem ou de como a gente faz pra não aumentar a carga tributária líquida sobre os ombros de todos nós, de toda a sociedade, do trabalhador, da dona de casa, é a mais complexa e requer um debate mais aprofundado até interno da Federasul.