Uma notícia causou turbulência no mercado nos últimos dias. Na noite de 11 de janeiro, a Americanas informou ter encontrado "inconsistências contábeis" de R$ 20 bilhões nos balanços de 2022 e de anos anteriores. O problema ocorreu com uma operação comum no varejo, chamada de "risco sacado". Posteriormente, uma análise interna determinou que a dívida pode chegar a R$ 40 bilhões.
Os bilhões que passaram "despercebidos" no caixa da Americanas farão estragos ainda difíceis de dimensionar. O comunicado informando o rombo e a saída de executivos da empresa já sinalizava a dificuldade na qual a gigante do varejo se meteu. Inconsistências das contas com fornecedores não estavam refletidas da forma correta no balanço por anos, deixando a companhia como devedora dessa quantidade exorbitante para bancos.
Nesta quinta-feira (19), a empresa entrou com pedido de recuperação judicial no Tribunal de Justiça (TJ) do Rio de Janeiro. A varejista informou que o valor total da dívida é de cerca de R$ 43 bilhões e que conta com 16,3 mil credores.
Na petição, a Americanas diz que a queda no valor das ações, de quase 80% em menos de uma semana, e o rebaixamento de seus ratings pelas agências de classificação de risco deixaram os credores financeiros "em polvorosa".
Entenda em tópicos o que ocorreu e quais as possíveis consequências do rombo:
O que aconteceu com a Americanas?
Quando anunciou sua saída da empresa dez dias após assumir o cargo, o ex-CEO da empresa, Sergio Rial, emitiu um comunicado ao mercado, por meio de fato relevante, reportando um rombo de R$ 20 bilhões nos balanços financeiros da Americanas. Posteriormente, uma análise interna determinou que a dívida pode chegar a R$ 40 bilhões.
A companhia pagava fornecedores por meio de uma triangulação com bancos, mas os pagamentos não foram devidamente dimensionados e realizados, gerando a dívida. O problema ocorreu com uma operação comum no varejo, chamada de "risco sacado".
O que é "risco sacado"?
Nesse tipo de operação, a companhia pega financiamento com um banco para compra de material de fornecedores. O banco antecipa os recursos para o fornecedor. Na sequência, a varejista quita a dívida com a instituição financeira pagando juros pelo prazo do empréstimo. O problema é que isso não foi devidamente reportado no balanço. O erro pode aumentar o grau de endividamento da companhia e dá margem, de acordo com cláusulas contratuais, à cobrança antecipada de dívidas.
Renúncia do CEO
No dia 11 da janeiro, o presidente, Sergio Rial, e o diretor de relações com investidores, André Covre, decidiram deixar os cargos. Os executivos haviam tomado posse na rede varejista há apenas dez dias. Rial, contudo, atuará como assessor da Americanas, apoiando os acionistas de referência da companhia no processo de apuração do ocorrido.
O conselho de administração nomeou interinamente João Guerra para diretor-presidente e diretor de Relações com Investidores. O executivo atua nas áreas de tecnologia e recursos humanos da Americanas e não tem envolvimento anterior na gestão contábil ou financeira.
Ações despencam
Com essas informações expostas na noite do dia 11 de janeiro, as ações da Americanas despencaram 77,3% no pregão do dia seguinte e fecharam a R$ 2,72. Foi a maior queda já registrada por uma empresa no Ibovespa, índice de referência dos investidores, desde 1994, segundo o Valor Data.
Investidores começaram a cobrar que a empresa passe por uma capitalização. Isso poderia feito por meio de uma oferta subsequente de ações (follow-on), com garantia de compra dos papéis a ser dada pelo trio da 3G Capital, que tem fatia de 31,13% no negócio. A questão é definir qual seria o tamanho do aporte considerado satisfatório para acionistas e credores.
A 3G Capital é uma empresa de investimento no modelo private equity, ou seja, que compra fatias de negócios para permanecer como acionista por prazo longo. Além das Americanas, um dos primeiros negócios dos fundadores Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, controla negócios de alcance global, como indústria de bebidas multinacional AB-Inbev - que inclui a nacional Ambev -, e as empresas de alimentos Kraft-Heinz e Burger King.
Medida suspende execução de dívidas por 30 dias
Em 13 de janeiro, a Americanas surpreendeu o mercado e credores ao obter uma medida de tutela de urgência cautelar que, na prática, impede a execução antecipada de dívidas por 30 dias. Nos argumentos apresentados à Justiça, a varejista afirma que as "inconsistências contábeis" poderiam alterar seu grau de endividamento e acarretar o vencimento antecipado de R$ 40 bilhões em dívidas.
No pedido apresentado ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a empresa afirma contar com 146 mil acionistas e mais de cem mil empregos diretos e indiretos. Ao fim do período de proteção dado pela Justiça, a empresa tem a opção de entrar com um pedido de recuperação judicial ou a decisão perde a eficácia.
No mesmo dia, as ações da empresa fecharam em alta de mais de 15% após a derrocada da véspera.
BTG reage e recorre à Justiça
Em um sinal do descontentamento dos credores com a medida cautelar, o BTG Pactual subiu o tom contra os acionistas da Americanas e entrou com recurso para derrubar a decisão. A Justiça negou o pedido do banco.
A medida cautelar dá proteção à empresa mesmo sem a existência de um pedido de recuperação judicial. O BTG argumentou que a decisão distorce os limites da recuperação judicial por conceder proteção legal a uma empresa que teria, na avaliação do banco, fraudado o mercado de crédito.
O outro ponto citado pelo BTG é que a decisão cautelar obrigou o banco a estornar à varejista R$ 1,2 bilhão. Ou seja, além de blindar a empresa de execuções antecipadas de dívida após a decisão, ela fez com que vencimentos antecipados e compensações feitas a partir do dia 11 de janeiro, quando a empresa informou sobre as inconsistências contábeis, fossem devolvidos.
Americanas entra com pedido de recuperação judicial
A empresa entrou com pedido de recuperação judicial no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no dia 19 de janeiro. A varejista informou que o valor total de sua dívida é de cerca de R$ 43 bilhões.
O pedido é o quarto maior da história do país, ficando atrás somente dos da Odebrecht, da Oi e da Samarco. A quantia em caixa, segundo a varejista, estaria em R$ 800 milhões.
Mas afinal, ainda é seguro comprar na Americanas?
Por enquanto, não há indicação de que a Americanas irá interromper a operação, afirma no site que "seguirá trabalhando duro para trazer a todos vocês, a melhor experiência no tempo e no preço que cada consumidor busca." Porém, não está claro se os consumidores seriam afetados.
Ainda não se sabe sequer se a empresa pedirá mesmo a recuperação judicial dentro dos 30 dias que ganhou de prazo da Justiça ou como seria a proposta de reestruturação financeira. Ao menos as entregas de curto prazo parecem estar garantidas para quem compra pela internet. Para quem adquire na loja, a apreensão seria para problemas posteriores com a mercadoria.
Seja pelo site ou na loja, a Americanas é responsável pelo produto que vende. Há casos, como defeito no produto, nos quais o cliente pode buscar diretamente o fabricante, mas a relação de consumo dele é com a varejista. Além da venda direta, a empresa também funciona como marketplace, ou seja, plataforma onde outras empresas vendem produtos. Por mais que elas venham a ser obrigadas a resolver problemas de entrega e qualidade da mercadoria, o contato pelo consumidor fica mais tumultuado.
É evidente que se os consumidores deixarem de comprar, a situação da rede ficará ainda mais difícil. Porém, é preciso mencionar que há um risco, mais de atendimento posterior em caso de problema no produto do que de não recebê-lo. Comprar na loja física é mais seguro neste momento. No caso de problemas, a pessoa deve registrar reclamação no site consumidor.gov.br, que é do Ministério da Justiça, ou no Procon da sua cidade ou Estado. Neste caso específico, não tem muita eficácia recorrer ao site Reclame Aqui, já que o forte dele é a preocupação das empresas com a sua reputação, que na Americanas já está bem abalada.