Aprovado pela Câmara na quarta-feira (25), o Projeto de Lei Complementar (PLP) 18/22, que limita em 17% a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em combustíveis, energia e telecomunicações, segue para a apreciação do Senado com muitos pontos ainda em ebulição. De um lado, há a expectativa de redução de preços ao consumidor, o que, na avaliação de alguns economistas, pode não passar de uma promessa quando o assunto é a gasolina, por exemplo.
De outro, está a certeza de perda de arrecadação para Estados e municípios, estimada entre R$ 64 bilhões e R$ 83 bilhões pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz). Isso, de acordo com a entidade, mesmo com o mecanismo, incluído de última hora no texto-base, prevendo que, se houver diminuição de receitas acima de 5% na comparação com o ano anterior, a União efetuaria as compensações. O modelo é semelhante ao instituído em 1996 pela chamada Lei Kandir (isenção do imposto sobre as exportações de produtos primários e semielaborados), que até hoje é tema de disputas entre os entes da Federação.
Por aqui, a Secretaria Estadual da Fazenda informa que trabalha para chegar em projeções mais precisas. Mas, para se ter uma ideia, praticando alíquotas de 30% (em janeiro passaram a 25%) nesses setores, em 2021, o Rio Grande do Sul arrecadou R$ 47,6 bilhões em ICMS. Do total, 16,5% vieram da tributação sobre os combustíveis e 10,7%, da energia elétrica – os dois principais grupos de receitas.
Economistas e especialistas consultados por GZH concordam que ações que visem à diminuição da carga tributária são bem-vindas porque deixam quantia maior de dinheiro nas mãos dos consumidores. Por outro lado, exibem divergências sobre a efetividade da medida, essencialmente, no que se refere ao objetivo de reduzir o valor dos combustíveis.
Queda nos preços
Na corrente dos que acreditam que o teto do ICMS em 17% vai direcionar a queda nos preços da gasolina para baixo, está o diretor da consultoria do setor petroquímico Maxiquim, João Luiz Zuñeda. Ele explica que, por mais que o dólar e os custos internacionais do petróleo representem o maior peso nas oscilações, a estimativa em cerca de R$ 40 bilhões a menos na arrecadação para os Estados (outros R$ 20 bilhões aos municípios) e, portanto, a mais no bolso da população, tende a exercer pressão extra no mercado.
O consultor justifica a afirmação com base em um cálculo que considera o consumo total de gasolina no país em 2021 (40 bilhões de litros). Ao aplicar o preço médio nacional, de R$ 6,06 por litro, conclui que a economia com o ICMS em 17% seria equivalente a 6 bilhões de litros por ano (R$ 36,3 bilhões). Segundo Zuñeda, o dado demonstra o potencial para baixar os custos, em razão da concorrência entre os postos de combustíveis.
— As pessoas vão utilizar mais os carros, por mais que o preço do barril no mercado internacional e o dólar continuem em elevação — resume.
Em curto prazo, acrescenta o consultor, a redução na bomba deve ser entre 5% e 10% no preço do litro de gasolina. Na sequência, diz, esses valores devem ser acomodados, de acordo com as diferenças de tributação existentes em cada Estado.
Medida "inócua"
Na linha oposta, o ex-superintendente de Abastecimento da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e economista-chefe da ES PETRO, Edson Silva, é categórico ao classificar a medida como “inócua”. Com outra fórmula, desta vez, centrada nas três etapas da cadeia, refino, distribuição e comercialização, ele recorda que, em janeiro, quando a alíquota gaúcha incidente sobre a gasolina foi reduzida de 30% para 25%, o valor médio pago pelo litro do combustível no Rio Grande do Sul era de R$ 6,56. Em maio, o custo chegou a R$ 6,90 no RS.
A escalada, lembra Silva, ocorreu apesar de o preço de pauta (referência para o ICMS nos Estados) estar congelado desde novembro do ano passado (medida é válida até o final de junho). Em contrapartida, no mesmo período, a Petrobras repassou dois aumentos, que, juntos, resultaram em alta de 23,6%, anulando os esforços realizados até então.
No diesel, afirma o economista, a situação é ainda pior. Em janeiro, o preço médio era de R$ 5,39. Na semana passada, batia em R$ 6,73, diferença de quase 25% em cinco meses. Nas refinarias, acrescenta, a alta foi de 42,3%.
— São varáveis que não estão sob controle do Congresso Nacional ou de quem quer que seja. Não há dúvida sobre a ineficácia da medida. É mais um penduricalho que não tem consequência para o consumidor e, se houver, será passageira, porque só o que pode mexer nessa estrutura é a política de preços da Petrobras. Se aumentar lá fora, vai aumentar aqui — sustenta.
Impactos
No meio termo, o presidente do Sindicato Intermunicipal do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes (Sulpetro), João Carlos Dal'Aqua, entende que as movimentações sobre as questões tributárias são “relevantes”, ainda que as considere “frágeis” diante do contexto atual.
Segundo ele, o comportamento dos preços é imprevisível, pois qualquer alteração no barril do petróleo poderia significar a absorção dos eventuais impactos nas margens de redução obtidas com o desconto no ICMS, a exemplo do que já ocorreu em duas oportunidades no período de congelamento do preço de pauta pelos Estados.
— É importante para trazer mais previsibilidade com a definição de valores percentuais e que sejam cobrados de maneira monofásica (recolhimento de tributos feito na fase inicial da cadeia produtiva), com valor pré-definido. Fica mais transparente a informação — argumenta.
Na prática, em simulação feita com base no consumo de R$ 100, em um posto que pratica o preço de R$ 6,75 por litro de gasolina, a aplicação da nova alíquota (17%) reduziria em 5,75% o valor total da nota – o equivalente a R$ 0,38 por litro. Entretanto, esse cálculo considera apenas a incidência do tributo na ponta da comercialização, e seria alterado com a aplicação do imposto nas demais etapas da cadeia: refino e distribuição.
Medida é mais previsível para o setor energético
Entre os economistas e as consultorias do setor de energia, a avaliação é de que os efeitos da medida seriam sentidos de imediato e de maneira mais previsível nessa área do que nos combustíveis. O presidente do instituto Acende Brasil, considerado uma espécie de observatório do setor no país, Cláudio Sales, cita estudo anual realizado pela entidade em parceira com a consultoria internacional PwC.
Em 2021, o levantamento, realizado com dados extraídos do balanço das concessionárias de geração, transmissão e distribuição que atuam no mercado nacional, indica que, na média, 49% do se paga em uma fatura de energia elétrica é relativo aos tributos. E o ICMS responde por 21,5% do total.
Significa que as novas regras do PLP 18/22 teriam potencial para diminuir em até quatro pontos percentuais as contas de luz em todo o Brasil. As variações seriam maiores ou menores de acordo com as alíquotas praticadas em cada Estado, que podem variar de 12% no Mato Grosso a 32% no Rio de Janeiro, por exemplo.
No RS, onde a incidência atual é de 25%, o desconto seria maior. Em simulação realizada pela consultoria Siclo, em uma moradia gaúcha com consumo médio de 150 quilowatt-hora (kW/h) em um mês, a diferença chegaria a 9,6% com o novo teto de ICMS, fixado em 17%. A análise estima os valores com base na bandeira verde (sem adicional na tarifa), que passou a vigorar em abril e é válida tanto para os clientes da RGE quanto da CEEE Grupo Equatorial
Paulo Milano, diretor da Siclo, explica que os grupos mais beneficiados serão os residenciais, comerciais e de serviços. Na indústria, lembra, a incidência já é de 18% e, portanto, teria efeito menor, de apenas um ponto percentual, com o novo cenário.